A PGR formalizou pela primeira vez uma acusação contra Manuel Chang. O caso agora está no tribunal. Mas o analista Borges Nhamire, do CIP, considera que "Moçambique não está preparado para lidar com este processo".
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) remeteu esta segunda-feira (09.11) para o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo um processo autónomo das dívidas ocultas em que acusa o ex-ministro Manuel Chang e outros três arguidos. Trata-se da primeira acusação formal em Moçambique contra Chang, que desde 2018 está detido na África do Sul, onde aguarda por uma decisão sobre a sua extradição.
Em entrevista à DW, o pesquisador Borges Nhamire, do Centro de Integridade Púlica (CIP), diz que Chang foi "finalmente acusado formalmente pelo seu envolvimento no caso das dívidas ocultas", mas avalia que Moçambique "não está preparado para lidar com o processo".
DW África: O que representa esse primeiro processo autónomo para o caso das dívidas ocultas?
Borges Nhamire (BN): Manuel Chang foi finalmente acusado dos crimes relacionados com o seu envolvimento no escândalo das dívidas ocultas. E se perguntar a qualquer moçambicano hoje, há-de achar que Manuel Chang já era acusado. A grande surpresa é que, desde que Chang foi detido, em 2018, na África do Sul, ainda não havia acusação contra ele. Finalmente houve essa acusação, mas não muda muita coisa em termos práticos. O que os moçambicanos mais esperam ouvir é se Manuel Chang vai ser extraditado para os Estados Unidos, onde ocorreu a primeira acusação, ou extraditado para Moçambique.
Outra novidade é que há pessoas ligadas ao Banco de Moçambique, antigos colaboradores, que também são acusados, mas de um crime muito leve de abuso de cargo que - nos termos da legislação penal atual de Moçambique - são crimes que não chegam a dar cadeia.
DW África: Mas esse processo pode significar o desfecho do processo de extradição de Manuel Chang para Moçambique?
BN: Pode significar que, finalmente, Moçambique tem formalmente motivos para extraditar Manuel Chang para o país. Até aqui, se recordar, a extradição de Chang para Moçambique foi anulada pela África do Sul porque não havia acusação contra o ex-ministro relativamente às dívidas ocultas. Então, finalmente essa acusação existe agora. Mas, mesmo assim, não é o fim. O que aconteceu hoje é a PGR a submeter uma acusação ao tribunal. Agora o tribunal ainda deve decidir se vai, efetivamente, acusar Manuel Chang ou não. O tribunal ainda vai fazer aquilo que se chama "despacho de acusação”. Se o tribunal proferir esse despacho, é esse documento que Moçambique pode levar à África do Sul e dizer que o ex-ministro é acusado num tribunal moçambicano. Neste momento, Chang ainda não é acusado em nenhum tribunal [moçambicano].
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DW África: Como a sociedade civil avalia esse novo passo da PGR e o que espera?
BN: Esperamos que a PGR julgue os que cá estão. Não concordamos que todo o processo, com mais de duas dezenas de arguidos, esteja paralisado porque um dos arguidos está detido no exterior. Nós defendemos que o julgamento deve avançar e que, se Manuel Chang for extraditado para Moçambique, há-de ser integrado neste julgamento. Se for extraditado para os Estados Unidos, vai ser julgado lá também.
O que a PGR disse é que houve alguns avanços por parte da África do Sul e de outros países que estão a cooperar na disponibilização de informação. Portanto, finalmente, a PGR acusa formalmente Manuel Chang, remeteu a acusação provisória para o tribunal. Mas os Estados Unidos já fizeram isso há muito tempo. Isso mostra que, talvez, Moçambique não esteja preparado para lidar com este caso. Pode ser essa tal falta de informação [sobre o caso], pode ser outro motivo, mas mostra que Moçambique não está preparado.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)