Populares garantem que há um grupo de indivíduos que, durante a noite, retira sangue às pessoas, no distrito de Gilé, na Zambézia. O caso tem gerado tumultos em vários bairros: pelo menos duas pessoas morreram.
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O padre André Satchicuata teme novos confrontos no distrito de Gilé, na província da Zambézia, centro de Moçambique, devido ao fenómeno "chupa-sangue". As autoridades de saúde garantem que não existe um espírito "chupa-sangue", mas que estão a trabalhar com os líderes locais. As autoridades policiais estão a investigar.
"A situação está calma, mas todo o cuidado é pouco. É um assunto que está muito espalhado e o boato ainda continua", comenta o sacerdote, que recorda que o medo e os rumores provocaram tumultos na semana passada, culminando na morte de duas pessoas.
"Chupa-sangue" deixa autoridades e populares em alvoroço
Um grupo de residentes incendiou também a casa do chefe do posto da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Gilé e vandalizou várias infraestruturas sociais, acusando as autoridades de protegerem os indivíduos responsáveis pelo alegado esquema.
Sangue terá como destino hospitais locais
Segundo os rumores que circulam pelos bairros locais, o sangue é retirado e enviado para hospitais, uma acusação que as autoridades de saúde refutam.
"Estamos cientes desta desinformação. Temos acompanhado em algumas comunidades este assunto. Dizem que há um espírito que chupa o sangue durante a noite. Já estamos a trabalhar com os líderes comunitários, porque isto não existe", assevera o diretor provincial de Saúde, Hidayat Kassim.
No entanto, o clérigo André Satchicuata é mais cauteloso e pede a intervenção rápida do Governo: "Devem existir pessoas do próprio Governo capazes de fazer frente a este fenómeno e de descobrir do que realmente se trata. Na verdade, não se trata de chupar sangue no verdadeiro sentido da expressão. Mas há alguma coisa por detrás, que ninguém consegue explicar... Por isso, as autoridades deveriam prestar muita atenção ao que povo está a dizer", sugere o padre.
Vítimas falam em ataques noturnos
O fenómeno já se alastrou a várias regiões da província da Zambézia. Lúcia Mário, residente em Mocuba, afirma ter sido vítima de um "chupa-sangue". "Foi num domingo, por volta das 00h00, quando eu estava a dormir. Vi a manta a mexer-se. Pela manhã, a manta estava cheia de sangue. Na sexta-feira voltaram", relata a alegada vítima.
Tomás Mário Xavier também diz que foi atacado durante a noite: "Eram 21h00. Já dormia. Quando acordei, doente, vi o meu braço direito cheio de sangue. A gente aqui não dorme, estamos com muito medo".
O padre André Satchicuata lamenta "o facto de não existir um bom diálogo entre o Governo ou a polícia e a população" e por isso lança um apelo às autoridades para que "reforcem o efetivo da polícia".
O porta-voz do comando da polícia da Zambézia, Miguel Caetano, diz que a corporação já mobilizou recursos para averiguar a situação. "No cenário de Gilé, a situação encontra-se calma e controlada neste preciso momento. As nossas posições encontram-se a fazer desdobramentos naqueles pontos até que a ordem fique reestabelecida, isto por causa do fenómeno "chupa-sague" protagonizado por indivíduos de má-fé", afirmou.
Feitiço e preconceito: albinos em Moçambique
Em vários países africanos, os albinos sofrem preconceito, são perseguidos por curandeiros, rejeitados pelas famílias e têm dificuldade em encontrar trabalho. Há no entanto ativistas que lutam contra a discriminação.
Foto: Carlos Litulo
Sem preconceitos
Por causa de um distúrbio genético, a pele, os olhos e os cabelos de pessoas com albinismo têm falta de melanina, substância responsável pela pigmentação e pela proteção de raios solares ultravioletas. Na foto, Hilário Jorge Agostinho, o único skatista albino de Moçambique. Agostinho incentiva a integração da população albina para combater os preconceitos e a exclusão social dos albinos no país.
Foto: Carlos Litulo
Pele branca, magia negra
Hilário Jorge Agostinho nas proximidades da Rua da Sé, em Maputo. Em vários países africanos, albinos são perseguidos por curandeiros para realizar rituais com eles. Existem muitas crenças ligadas ao albinismo: por exemplo, a de que manter relações sexuais com albinos cura a SIDA, a de que tomar "poção de albino" traz riqueza, ou a de que o toque de mão de um albino traz má sorte.
Foto: Carlos Litulo
O preço da pele
Na Tanzânia, considerado o país com o maior número de albinos do continente africano, albinos são mortos e desmembrados devido a uma crença de que poções feitas com partes dos corpos dos albinos trazem sorte, fortuna e prosperidade. As partes dos corpos de albinos chegam a valer milhares de dólares. Na foto, o skatista albino Hilário Agostinho faz manobra diante da Catedral de Maputo.
Foto: Carlos Litulo
Luta solidária
A luta dos albinos por reconhecimento e inclusão não é solitária, embora na maior parte das vezes não encontre ouvidos atentos. Em 2008, as Nações Unidas declararam oficialmente os albinos como "pessoas com deficiência", depois de assassinatos massivos de pessoas com albinismo na Tanzânia, vizinha de Moçambique, no Burundi e em outros países do leste africano.
Foto: Carlos Litulo
Estigma
Em Moçambique, entre outros países, crianças ou até mesmo bebés chegariam a ser usados em rituais de magia, especialmente no norte do país, na fronteira com a Tanzânia. Os albinos sofrem preconceito em vários países africanos, têm dificuldade em encontrar trabalho e muitas vezes são rejeitados pelas famílias. Na foto, o músico albino Ali Faque ensaia em seu estúdio em Maputo, em janeiro de 2010.
Foto: Carlos Litulo
Proteção da pele e dos olhos
O músico Ali Faque tem sido o embaixador na luta contra a discriminação da população que sofre de albinismo em Moçambique. Na foto, Ali Faque lê partitura em seu estúdio. Por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares, os albinos são mais vulneráveis a problemas nos olhos e ao cancro. Precisam de roupa protetora, óculos escuros e acesso aos raros cremes de proteção solar.
Foto: Carlos Litulo
Sem direitos
Artigo do jornal sul-africano "Mail & Guardian", publicado em setembro de 2012, diz que, apesar de o país ser signatário da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não haveria reconhecimento dos direitos de albinos neste país da Africa Austral. Em Moçambique, o músico Ali Faque também se empenha pelos direitos dos albinos.
Foto: Carlos Litulo
Mais albinos em África
O albinismo é uma condição que afeta etnias no mundo todo. Mundialmente há um albino em aproximadamente cada 20 mil pessoas. No continente africano, o número dispara para um em cada 4 mil, por ser uma condição hereditária e por mais albinos se relacionarem entre si.
Foto: Carlos Litulo
Vulneráveis
A ONU declarou os albinos "pessoas com deficiência", porque são vulneráveis ao cancro por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares. Na Tanzânia, mais de 80 albinos terão morrido em rituais nos últimos anos, várias das pessoas com albinismo terão sido estupradas. O Governo da Tanzânia reconhece os albinos como "minoria ameaçada". Fotos: Carlos Litulo.