Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes de Angola, é o primeiro “tubarão” que senta no banco dos réus desde que o Presidente João Lourenço decidiu lutar contra a corrupção e a impunidade no país.
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O julgamento do ex-ministro dos Transportes Augusto Tomás já vai no seu segundo dia. O antigo governante que responde ao julgamento em prisão preventiva, é acusado de desviar dinheiro do Conselho Nacional de Carregadores (CNC). Tomás é acusado de crimes de peculato, violação de normas de execução orçamental e abuso de poder na forma continuada.
Esta segunda-feira (03.06.) no segundo dia de julgamento, Paula Godinho, advogada de defesa do antigo governante, negou as acusações que pesam sobre o seu constituinte. Na sua contestação, Paula Godinho, disse que o seu constituinte não cometeu nenhum dos crimes de que é acusado, argumentando que o processo está eivado de atropelos à lei, nomeadamente o uso, pela instrução, do relatório da Inspeção-Geral da Administração do Estado (IGAE) para a acusação.
Segundo Paula Godinho, este documento não pode servir de base acusatória e probatória, pois cabe apenas ao Tribunal de Contas apurar se houve ou não e em que medida desvios de verbas públicas. Nesse sentido, a advogada defendeu "a nulidade de instrução e de tudo feito até agora".
Primeiro "tubarão” no banco dos réusAugusto Tomás é o primeiro "tubarão” que senta no banco dos réus desde que o Presidente João Lourenço decidiu lutar contra a corrupção e a impunidade em Angola. E em Angola, muitos cidadãos interrogam-se se este o caso "CNC” é o verdadeiro início de luta contra a impunidade no país?
Início da luta contra impunidade em Angola?
Agostinho Sikatu analista angolano não acredita "que o combate à impunidade esteja a começar”.
"Não acredito pelo facto de até agora registarem-se altos níveis de impunidade. Isso é algo que se combate de outra forma. Ninguém está interessado em aderir a esta campanha porque não é possível combater a corrupção com corruptos dentro”, disse à DW África.
Prisão preventiva para outros "corruptos”
O julgamento ocorre numa altura em que o economista Alves da Rocha, diretor do Centro de Estudos e Investigação Cientifica da Universidade Católica de Angola, denunciou que o Estado poderá ter perdido cerca de 20 mil milhões de dólares em corrupção só no setor de construção.
Agostinho SiKatu afirma que, para além de Augusto Tomás, outros supostos corruptos, já deveriam estar em prisão preventiva."Já haveria corruptos que deviam estar em prisão preventiva, nós conhecemos tantos. Há indivíduos que estão ali a solto dia e noite e que se sabe que publicamente delapidaram o erário público. Porque que não estão presos? Porque estes são impunes, estes são intocáveis. O que foi tocável é o Augusto Tomás. Mas há uma série aí de tubarões a volta que são intocáveis”.
Á espera de julgamento estão cidadãos como Joaquim Sebastião ex-diretor da Empresa Nacional de Estradas de Angola (ENEA) e José Filomeno dos Santos "Zenu” antigo responsável do Fundo Soberano.
Julgamento sem "pressão política”
Para Jorge Neto jornalista e diretor do semanário angolano "Manchete” é preciso que os próximos julgamentos sejam feitos sem "pressão política”.
"Vamos ter o julgamento do ex-diretor da Empresa Nacional de Estradas de Angola (ENEA) e do filho do ex-Presidente da República, o José Filomeno dos Santos (Zenu), que não podem ser por pressão política, devem de fato ser porque a justiça quer trabalhar”, comenta o jornalista, reiterando que, "a justiça deve trabalhar porque é um poder. Um país democrático e de direito a justiça deve prevalecer”.
As t-shirts do julgamento dos 15+2
O julgamento dos ativistas angolanos acusados de prepararem uma rebelião iniciou na segunda-feira (16.11). Ao mesmo tempo, começou um desfile de t-shirts de protesto, dentro e fora do tribunal. Veja as fotos do processo.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir"
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro", afirmou o ativista Luaty Beirão no primeiro dia do julgamento. Luaty e outros 16 ativistas são acusados de prepararem uma rebelião contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Defensores dos direitos humanos dizem que o caso tem motivações políticas. Em protesto, um ativista escreveu na farda prisional: "Recluso do Zédu".
Foto: DW/P.B. Ndomba
Presunção da inocência
Outro ativista escreveu na farda prisional "in dubio pro reo [princípio da presunção da inocência]. Nenhuma ditadura impedirá o avanço de uma sociedade para sempre." Ele é um dos 15 jovens detidos desde junho. Até à detenção, os ativistas costumavam encontrar-se aos sábados; um dos tópicos dos debates semanais era o livro "Da Ditadura à Democracia", do académico norte-americano Gene Sharp.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Nova acusação por causa das t-shirts?
À acusação que os ativistas angolanos já enfrentam, de alegados atos preparatórios para uma rebelião, poderá agora somar-se uma outra: a do crime de danos, por escrever frases de intervenção na farda dos serviços prisionais. A informação foi avançada por David Mendes, um dos advogados dos jovens.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Mais t-shirts fora do tribunal
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
#LiberdadeJa
Sem t-shirts feitas para a ocasião, mas com cartazes, houve ainda quem pedisse "liberdade já!" para os ativistas angolanos, no exterior da 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda. Essas são também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
Método n.º 159
Luaty Beirão (ao centro) é outro dos 15 jovens detidos desde junho. Ele cumpriu 36 dias de greve de fome em protesto contra o excesso de prisão preventiva dos ativistas. Com a greve de fome de Luaty, o caso ganhou proporções internacionais. Jejuns e greves de fome estão listados no livro "Da Ditadura à Democracia" como o método n.º 159 de "intervenção não violenta".
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Sala de imprensa improvisada
O julgamento dos 15+2 é tido como um dos casos mais mediáticos da história de Angola. No entanto, os jornalistas ficam à porta. O tribunal autorizou-os a estar na sala de audiências para assistir às primeiras horas do julgamento, mas agora só poderão voltar a entrar na fase das alegações finais e na leitura do acórdão. Diplomatas estrangeiros também não puderam entrar.
Foto: DW/P.B. Ndomba
"Momento decisivo"
Estava previsto que o julgamento dos 15+2 terminasse esta sexta-feira, 20 de novembro, mas deverá prolongar-se. Segundo a organização de direitos humanos Human Rights Watch, este caso é um "momento decisivo" para o sistema judicial de Angola: "Os juízes angolanos devem demonstrar independência e não permitir que este julgamento seja manipulado como um instrumento para silenciar as vozes críticas."