O poder sobre a reversão da extradição de Manuel Chang para Moçambique está neste momento nas mãos da sociedade civil moçambicana. Entretanto, esta diz que ainda não tomou uma decisão, mas já pensa na possibilidade.
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Embora o Ministério da Justiça da África do Sul tenha decidido pela extradição de ex-ministro das Finanças de Moçambique para o seu país, e não para os EUA, não significa que seja uma posição irreversível, recursos de vária ordem podem ainda ser apresentados.
E uma ação da sociedade civil moçambicana no momento é provavelmente o passo determinante para reverter a decisão. É que segundo a legislação da África do Sul, a sociedade civil moçambicana pode pedir que o Ministério da Justiça sul-africano reveja a sua decisão.
Andre Thomashausen é especialista em direito internacional confirma que "é de facto verdade, qualquer parte que possa demonstrar interesse no assunto pode pedir essa revisão judicial, semelhante ao processo de revisão administrativa no direito português ou moçambicano. E agora, se uma organização da sociedade civil resolver fazer o pedido terá de ser aceite pelo tribunal e este terá, ou o Ministério da Justiça da África do Sul, tal como a outra parte, terá de ver se irá se opôr ao pedido ou não."
Mas lembra: "E claro, terá de haver bons motivos ou justificação para mostrar que a decisão administrativa tomada pelo antigo ministro da Justiça foi com base em factos errados, não comprovados ou de forma viciada."
Destino de Chang nas mãos da sociedade civil moçambicana?
E a sociedade civil já se mexe?
Até agora o CIP, Centro de Integridade Pública, uma ONG moçambicana que luta por transparência, é a única a monitorar de perto o processo judicial e também a fazê-lo de forma destacada.
Inclusive ofereceu-se para ser amigo do tribunal, que é quando uma instituição fornece subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo-lhes melhor base para questões relevantes, oferta entretanto recusada pela justiça sul-africana.
Mas quando questionada pela DW África sobre uma possível revisão, o CIP remeteu-nos ao Fórum de Monitoria do Orçamento (FOM), plataforma de que faz parte.
Paula Monjane, respondeu em nome do FMO: "Não temos ainda discutida essa perspetiva, mas pode ser que aconteça. Achamos que a volta de Manuel Chang para Moçambique não seria do interesse do povo moçambicano."
Contudo está claro para o Fórum o seu poder de impugnar a extradição de Manuel Chang para Moçambique. Mas uma discussão entre os 21 membros nesse sentido seria o próximo passo. Entretanto, no final a faca e o queijo continuariam nas mãos do ministro da Justiça da África do Sul.
O peso da política interna sul-africana no caso
E a política interna sul-africana pode ser determinante na decisão, o especialista em direito internacional lembra que as relações entre a África do Sul e os EUA não estão no seu melhor momento, com críticas frequentes do Presidente Cyril Ramaphosa à Washington.
Será que Ronald Lamola, que assumiu o cargo recentemente, poderia tomar a mesma decisão que o seu antecessor Michael Masutha?
Thomashausen deixa tudo em aberto: "Não se pode excluir, só que então terá de se fazer um esforço para se dar uma motivação que estaria correta e em linha do que está previsto no acordo de extradição e isso é possível, a argumentação pode ser diferente e a decisão continuar a ser a mesma."
Além disso "também é uma questão de oportunidade e já disse antes, a África do Sul não tem interesse e ser visto como um país que dá cobertura a grande corrupção", ressalta o especialista.
Aproximação dos EUA à sociedade civil?
Já que o poder de reverter a extradição de Chang para Moçambique está nas mãos da sociedade civil moçambicana os EUA acredita-se estariam já a encetar contactos com ela. E uma ação da sociedade civil nesses moldes seria cara, de acordo com o especialista em direito internacional.
Entretanto, os EUA estranhamente não apresentaram recurso à decisão do ministro a Justiça sul-africano, apesar da legislação sul-africana assim o prever. Terá este país preferido optar por uma pressão política? Thomashausen responde:
"É uma pergunta realmente chave neste processo, todos os observadores estão a estranhar o argumento da parte dos diplomatas americanos, que começou a circular, em como eles achavam que como não havia precedente na lei da África do Sul para uma tal decisão resolveram não arriscar uma derrota num processo judicial, mas é um argumento fácil porque a África do Sul tem muitos antecedentes", responde Thomashausen.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)