O facto de não se ter levantado a imunidade parlamentar ao ex-ministro das Finanças está a levantar alguma suspeição. Caso Manuel Chang seja extraditado para Moçambique, quais seriam os procedimentos legais a seguir?
Publicidade
14 dias é o prazo que os Estados Unidos da América têm, a partir da data da formalização, para interpor recurso em relação à decisão do Ministério da Justiça da África do Sul de extraditar o ex-ministro das Finanças de Moçambique para o seu país.
Mas caso tal não aconteça e se efetive a extradição de Manuel Chang para Moçambique, quais seriam os procedimentos legais a seguir?
O especialista em direito penal Elísio de Sousa explica que "o processo da entrada no país deverá ser imediatamente encaminhado ao local de detenção, no escrupuloso cumprimento do mandato de captura e entregue a Procuradoria Geral da República (PGR), a entidade que fez o pedido de prisão de Manuel Chang."
E prossegue: "E por sua vez a PGR irá fazer as diligências necessárias, que será provavelmente a entrega para o primeiro interrogatório judicial do Manuel Chang para ver se existem requisitos formais para a manutenção da sua prisão e seguidamente ouvi-lo no processo contra ele como arguido para que a PGR possa com alguma suficiência fundamentação ou a acusação."
Manobras no contexto da imunidade parlamentar?Importa salientar que Manuel Chang está protegido pela imunidade parlamentar, é deputado da FRELIMO, o partido no poder. E a sua imunidade não foi levantada, apesar de o Tribunal Supremo ter emitido um mandado de prisão contra ele em finais de janeiro passado.
Este paradoxo acentua as desconfianças em relação à condução do processo em Moçambique. Silvério Ronguane é analista político e sobre a situação acha o seguinte: "Vai colocar numa prova de fogo não só o nosso Governo e a nossa justiça, como também a Assembleia da República."
E o analista diz que "é preciso lembrar que a direção da Assembleia da República numa decisão apoiada pela FRELIMO decidiu sustentar este pedido de extradição com um expediente ilegal. Como sabemos, para um deputado ser preso é preciso que haja quebra de imunidade, ora, isso não aconteceu."Desconfiado, Ronguane acha ainda que "isso coloca fortes probabilidade de uma vez Chang em Moçambique ser imediatamente solto por se tratar de uma prisão ilegal. E se isso acontecer vai desmascarar e deixar a nú a cobardia e a mentira política."
Imunidade até quando? A parte as suspeitas, há procedimentos legais a serem cumpridos e o especialista em direito penal esclarece: "Estando ele sob os privilégios da imunidade parlamentar, isto pode fazer com que a PGR tome as medidas de segurança que são admitidas por lei que é necessariamente a aplicação de um termo ou de uma medida menos gravosa em termos processuais, como o termo de identidade e residência ou então juíz pode fixar a liberdade sob alguma medida de coação, como a caução por exemplo."
"Mas certamente que a PGR estará a fazer um esforço titânico para que possa rapidamente obter um despacho de pronúncia e daí voltar a Assembleia da República para requerer a sua quebra de imunidade", diz otimista Elísio de Sousa.
Manuel Chang, a peça fundamental do puzzleO ex-ministro das Finanças de Moçambique é acusado pela justiça norte-americana de ter cometidos crimes financeiros, um processo relacionado com o caso das dívidas ocultas contraídas por altos funcionários do Governo moçambicano em 2013. São mais de dois mil milhões de euros envolvidos e o paradeiro de boa parte desse valor é até hoje desconhecido. Só depois de uma ação norte-americana a PGR de Moçambique flexibilizou o processo, tendo detido em fevereiro passado cerca de vinte envolvidos.
Caso Manuel Chang: Há chances de "manobras" em Moçambique?
O que representaria a extradição para o processo em Moçambique? O especialista em direito internacional Andre Thomashausen responde: "É muito difícil imaginar se a PGR em Moçambique vai realmente procurar prosseguir com este processo. Claro que se houver o testemunho do senhor Chang de levar a luz o que aconteceu, de esclarecer onde terá ficado o dinheiro."
Entretanto, Thomashausen recorda que "senhor Chang foi o ministro que liderou o processo todo que levou as dívidas ocultas e tem o conhecimento dos factos e dos pormenores."
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)