O processo judicial, no âmbito da Operação Fizz, que envolve o ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, vai ser enviado para Angola. Analista diz que está agora nas mãos do país mostrar a neutralidade da sua Justiça.
Publicidade
A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de enviar o processo de Manuel Vicente para Angola é "impecável do ponto de vista legal", avalia o jurista português Rui Verde, ouvido pela DW África.
"Podemos discordar dessa deferência, mas trata-se de uma tradição jurídica legal portuguesa", diz o autor de um novo livro sobre Angola e o Futuro a lançar brevemente.
A decisão foi tomada esta quinta-feira (10.05), depois da Justiça portuguesa ter acordado, há cerca de quatro meses, separar a matéria criminal respeitante ao ex-presidente da petrolífera angolana, Sonangol, acusado de crimes de corrupção e branqueamento de capitais.
No entanto, se do ponto de vista jurídico a decisão tem substância legal que não surpreende, é preciso pensar no alcance que ela vai ter: "Obviamente levanta problemas acerca da impunidade destas pessoas que eventualmente são acusadas de ter cometido crimes em Portugal e depois se furtam a ser julgadas no território nacional", afirma Rui Verde.
Sinal de pressão
Para o analista, a decisão é mais um sinal de que a Justiça portuguesa não é independente face a pressões externas.
"Neste momento, em que tantos processos importantes estão a ser julgados em Portugal, este ponto é fulcral. Quanto a Manuel Vicente, vamos ver agora o que acontece em Angola: se efetivamente a Lei da Amnistia lhe é aplicada ou se existe alguma interpretação jurídica que permite ultrapassar essa Lei da Amnistia e que ele seja julgado em Angola", comenta.
A DW África contactou o escritório do advogado de Manuel Vicente para obter um comentário à decisão, sem sucesso. Rui Patrício está indisponível pois está em julgamento, em defesa de Armindo Pires, um dos três arguidos ouvidos no âmbito da Operação Fizz. De acordo com a agência de notícias Lusa, os advogados do ex-presidente da Sonangol mostraram-se satisfeitos com o facto de o juiz desembargador Cláudio Ximenes dar razão ao recurso da defesa de Manuel Vicente.
Caso Manuel Vicente será "teste" à Justiça angolana
Agora, caso está "nas mãos de Angola"
Em reação à notícia, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse que tomou "muito boa nota" da decisão.
"Esta decisão, encerrando um 'irritante', permite que a relação entre Portugal e Angola passe para o nível mais alto possível do relacionamento", afirmou Santos Silva à Lusa.
O jurista Rui Verde também sustenta que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa "é um contributo para o desanuviamento do clima de tensão nas relações político-diplomáticas entre Portugal e Angola".
"Neste momento já não haverá razão nenhuma para o Presidente angolano, João Lourenço, manter a espécie de boicote diplomático que tinha em relação a Portugal", diz.
O ministro da Defesa de Portugal, José Azeredo Lopes, deverá visitar Angola na próxima semana.
Na opinião de Rui Verde, "o futuro de Manuel Vicente passa agora a estar nas próprias mãos de Angola".
O analista entende que a transferência do processo vai ser um teste à Justiça angolana e às declarações que o Presidente João Lourenço fez sobre o combate à corrupção: "Está nas mãos de Angola mostrar o nível, a competência, a imparcialidade e a neutralidade da sua Justiça", conclui.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.