Caso São Vicente: Advogado diz que há "arbitrariedades"
Lusa
24 de janeiro de 2022
Defesa do empresário Carlos São Vicente considera que "arbitrariedades" do processo contra o luso-angolano prejudicam a imagem de Angola, e salienta que a comunidade internacional vai estar "vigilante" no julgamento.
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Nas vésperas do julgamento de Carlos São Vicente, marcado 26 de janeiro, o advogado francês François Zimeray deu esta segunda-feira (24.01) uma conferência de imprensa, a partir de Paris, em que voltou a insistir que não têm sido respeitados os direitos do empresário, nem da defesa, que só foi avisada do início do julgamento há duas semanas.
Acredita, por isso, que as autoridades suíças que congelaram uma conta de 900 milhões de euros do empresário naquele país não vão colaborar com as suas congéneres angolanas, pois têm "altos padrões" quanto aos direitos fundamentais e já mostraram "impaciência" face à Procuradoria-Geral da República angolana, considerando que esta até agora apenas apresentou um dossier "vazio".
"Essa aposta do poder de organizar uma prisão arbitrária e um falso processo não vai funcionar", considerou o advogado, salientando que a situação de desrespeito dos direitos humanos "revela, infelizmente, o que está a acontecer nesse país".
Prisão preventiva
Para a defesa de Carlos São Vicente está em causa o excesso de prisão preventiva -- o empresário foi detido há 500 dias --, bem como as condições desumanas em que se encontra detido, com impacto na deterioração da sua saúde, e o facto de não ter tido acesso às acusações de que é alvo para poder responder.
O empresário, casado com Irene Neto, filha do primeiro Presidente angolano, António Agostinho Neto, está preso preventivamente desde setembro de 2020 e é acusado de vários crimes, entre os quais fraude fiscal, envolvendo valores superiores a mil milhões de euros, peculato e branqueamento de capitais.
François Zimeray disse que as autoridades angolanas devem responder a várias questões, nomeadamente a necessidade de detenção do empresário se não havia risco de fuga, a existência de um processo após Carlos São Vicente ter sido alvo de investigação e declarado inocente e a confiscação dos seus bens antes do julgamento, entre outras "arbitrariedades" que não dignificam a imagem de Angola e afetam a sua atratividade para o investimento estrangeiro.
"A apropriação dos bens é ilegal e vai minar a imagem de Angola e a sua atratividade para os investidores e para quem queira trabalhar em Angola no futuro. Vai ser nocivo para a imagem de Angola", destacou, acrescentando que a comunidade internacional "vai estar vigilante" sobre o processo.
Julgamento em Luanda
O início do julgamento do empresário, dono da AAA Seguros, está marcado para o dia 26 de janeiro, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Comarca de Luanda.
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De acordo com a acusação, o empresário, que durante quase duas décadas teve o monopólio dos seguros e resseguros da petrolífera estatal angolana Sonangol, terá montado um esquema triangular, com empresas em Angola, Londres e Bermudas, que gerou perdas para o tesouro angolano, em termos fiscais, num montante acima dos mil milhões de euros.
As autoridades judiciais angolanas ordenaram a apreensão de bens e contas bancárias pertencentes ao empresário, tendo a Procuradoria-Geral da República de Angola pedido também o congelamento de contas bancárias e apreensão de bens de Irene Neto.
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Confiscação de bens
Segundo relata a defesa num "site" dedicado ao caso, em 06 de outubro de 2020, Carlos São Vicente foi visitado na cadeia por dois procuradores do Serviço Nacional de Recuperação de Ativos, sem a presença dos seus advogados, tendo recusado entregar os seus bens.
Falam também sobre a confiscação de bens sem julgamento: "Muitos imóveis de Carlos São Vicente ou de sociedades suas foram apreendidos; pouco depois começaram a ser distribuídos, a título definitivo, mediante instruções da PGR, por vários ministérios e outros órgãos do Estado", referem, sublinhando que esta distribuição, antes da realização de um julgamento "significa que já foi tomada a decisão de condenação".
"O mesmo se passou com ações de uma sociedade pertencentes a Carlos São Vicente: após a sua apreensão, o depositário nomeado apressou-se a tornar público o destino definitivo dessas ações, assumindo que já pertenciam ao Estado", acrescentam.
Lamentam ainda que parte dos imóveis apreendidos estejam ao abandono, nomeadamente a rede hoteleira constituída pelos hotéis IU e IKA, que "começou a definhar".
"Os fornecedores deixaram de ser pagos, as unidades hoteleiras deixaram de prestar os serviços normais, levando a que muitas delas tivessem encerrado e outras continuado a trabalhar somente em serviços mínimos, com avultadas perdas de exploração. Muitos das centenas de trabalhadores dessa rede hoteleira já não eram pagos e perderam o emprego, deixando muitas famílias na miséria", dizem os advogados no site.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.