Em entrevista à DW África, Luísa Rogério, presidente da Comissão da Carteira e Ética, critica com veemência a Procuradoria-Geral da República pela entrega da gestão do canal ZAP VIVA ao Ministério da Comunicação Social.
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Luisa Rogério diz que este é mais um golpe na liberdade de imprensa e expressão em Angola, uma vez que a ZAP será mais um canal cuja direção estará dependente das orientações do ministério.
Num comunicado divulgado na quinta-feira (20.01), a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que a decisão tem como finalidade reintegrar trabalhadores previamente despedidos. O canal encontrava-se suspenso desde abril de 2021.
DW África: Como avalia a decisão da Procuradoria Geral da República (PGR) de entregar a gestão da ZAP ao Estado?
Luisa Rogério (LR): Representa de forma inequívoca um golpe contra a liberdade de expressão. Porquê? A PGR não dá muitos detalhes mas diz que nomeou o ministério como novo fiel depositário. O que é que vai acontecer? O fiel depositário vai nomear uma nova direção. E a nova direção ficará alinhada com aquilo que são – entre aspas – as orientações do ministério. Mas mesmo se não for o caso, só o facto de ficar sob a tutela do ministério, já é um golpe contra a liberdade de imprensa, porque diminui o pluralismo, diminui a esfera de ação de profissionais com liberdade de atuação sem um alto grau de interferência dos poderes públicos, ou, se quisermos, do Executivo. Por outro lado, acho que essa decisão levanta mais perguntas do que dá respostas. Será que o Estado vai manter o mesmo nível de salário que os jornalistas tinham. Será que o Estado vai ter liquidez para isso? Pelo que entendemos, a medida é transitória. Compete aos tribunais dar um veredito. Mas há outros órgãos que foram confiscados e até hoje não aconteceu rigorosamente nada. Portanto teremos mais um, que ficará sob a tutela do Executivo.
DW África: Que consequências, no imediato, pode causar esta decisão neste ano de eleições?
LR: As pessoas perguntam-se: a suspensão da ZAP aconteceu há nove meses, em abril do ano passado. E ao longo desse tempo nunca houve qualquer tentativa de solucionar o problema. Agora o Estado vai ser o fiel depositário. Em ano eleitoral isso tem implicações muitíssimo graves. Ok, nós não podemos presumir, porque o Estado é um ente de bem e quem gere será presumivelmente um ente de bem. Mas, olhando aqui ao redor o panorama mediático de Angola, não posso esperar, enquanto cidadã e jornalista, que a ZAP vá ter maior contraditório, maior rigor ou até maior nível de desempenho profissional. Não podemos esperar que do ponto de vista ético e deontológico, que a liberdade de expressão e de imprensa vá ser maior do que todos os outros órgãos tutelados pelo Estado.
Eles falam da tutela do Estado, mas na verdade, de acordo com a lei, são órgãos públicos. É certo que é o poder executivo que nomeia os conselhos de administração, mas são [órgãos] públicos. Precisamente para que se materialize um dos pressupostos da Constituição, que é o princípio da igualdade. Os órgãos públicos deviam tratar todos da mesma maneira, é o que está na lei. Mas na prática acontece precisamente o contrário.
DW África: Como é que a população está a reagir à notícia?
LR: Há jornalistas e cidadãos naturalmente satisfeitos, porque para eles já não se coloca a questão do desemprego, que atingiu cerca de 500 trabalhadores. Mas do ponto de vista da liberdade, com destaque para a imprensa, pode representar um retrocesso.
Mural da Cidadania imortaliza defensores dos direitos humanos em Angola
O Mural da Cidadania presta homenagem a defensores dos direitos humanos em Angola, uns vivos, outros já falecidos. Espaço no Mulemba Waxa Ngola, periferia de Luanda, chegou a ser vandalizado, mas já está como novo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Rostos dos direitos humanos
O Mural da Cidadania é uma parede na periferia de Luanda onde se encontram desenhados alguns rostos de cidadãos, uns vivos e outros já falecidos, em gesto de homenagem aos defensores dos direitos humanos em Angola. Localizado no Mulemba Waxa Ngola, o espaço foi recentemente vandalizado por desconhecidos. Ativistas deslocaram-se, entretanto, ao local para proceder à limpeza do espaço.
Foto: Manuel Luamba/DW
Padre Pio Wakussanga
O padre católico Pio Wakussanga, responsável pela ONG Construindo Comunidades, é um dos rostos do Mural da Cidadania. Wakussanga é uma das vozes mais sonantes na luta contra a fome na região dos Gambos, na província da Huíla, onde a população é fortemente assolada pela fome e pela estiagem. Também tem estado a denunciar fazendeiros que desalojam camponeses na região.
Foto: Manuel Luamba/DW
José Patrocínio
Nasceu em dezembro de 1962 em Benguela e morreu em 2019, aos 57 anos. Fundador da ONG Omunga, José Patrocínio foi um dos mais conhecidos ativistas cívicos na luta pela proteção, promoção e divulgação dos direitos humanos em Angola. No dia da sua morte, a sociedade descreveu-o como um "grande combatente dos direitos humanos".
Foto: Manuel Luamba/DW
Carbono Casimiro
Dionísio Gonçalves Casimiro, também conhecido por "Boneira", foi um rapper e ativista angolano e um dos pioneiros e principais rostos das manifestações de rua que começaram em 2011, inspiradas na "Primavera Árabe", e que visavam lutar contra as más políticas públicas do Presidente José Eduardo dos Santos. Foi preso várias vezes pela polícia angolana. Morreu em 2019, vítima de doença.
Foto: Manuel Luamba/DW
Sizaltina Cutaia
É um dos principais rostos da luta pelos direitos das mulheres em Angola. A ativista é uma das mentoras da Ondjango Feminista e uma dos responsáveis da ONG Open Society. É conhecida pelas críticas contra a anterior e a atual governação. Comentadora do programa da Televisão Pública de Angola (TPA), Sizaltina Cutaia tem criticado os titulares de cargos públicos que desviaram fundos públicos.
Foto: Manuel Luamba/DW
Rafael Marques
O jornalista e ativista cívico angolano tornou-se conhecido pelas denúncias de corrupção no seu site Maka Angola, durante a governação do Presidente José Eduardo dos Santos. Foi muitas vezes levado às barras do tribunal. A entrada de Rafael Marques na lista de homenageados do Mural da Cidadania gerou controvérsia por, neste momento, estar supostamente mais próximo do atual governo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Inocêncio de Matos
O estudante universitário Inocêncio de Matos foi morto pela polícia a 11 de novembro de 2020, em Luanda, quando participava, pela primeira vez, num protesto de rua. A sua morte gerou revolta popular e uma onda de indignação na sociedade. É descrito como um "herói do nosso tempo" pelos ativistas, que querem que a antiga Avenida Brasil, onde foi morto, seja baptizada com o seu nome.
Foto: Manuel Luamba/DW
Isaac Pedro "Zbi"
Isaac Pedro "Zbi" é um dos artistas que imortalizou no Mural da Cidadania os feitos de alguns defensores dos direitos humanos. Diz que o monumento da Mulemba Waxa Ngola tem três objetivos: "Valorizar o espaço", um dos poucos que há na periferia, "homenagear as pessoas" que se encontram aqui desenhadas e "tentar fazer perceber as pessoas o que é a arte urbana."
Foto: Manuel Luamba/DW
Hervey Madiba
Hervey Madiba é outro dos mentores da Mural da Cidadania, que foi recentemente vandalizado. O que se fez no espaço "é um exercício de cidadania", diz o co-fundador da Universidade de Hip Hop, que não entende os motivos e promete responsabilizar os autores. No domingo (10.01), começou a ser feita uma recolha de assinaturas para uma petição que será entregue ao Presidente João Lourenço.