Casos Amurane e Matavele: "Será que se fez justiça?"
Sitoi Lutxeque (Nampula)
14 de novembro de 2022
O caso Amurane não acabou com a condenação dos arguidos. É o que diz o académico Adriano Nuvunga, que lembra o assassinato de Anastácio Matavele, cujos acusados foram presos. Mas os mandantes nunca foram encontrados.
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O Tribunal Judicial da província de Nampula condenou, recentemente, dois arguidos a penas entre os 20 e 23 anos de prisão pelo assassinato do antigo edil da cidade de Nampula, Mahamudo Amurane, no norte de Moçambique.
O tribunal justificou a sentença afirmando que os réus "negaram o seu envolvimento no crime em que são acusados", mas não trouxeram "elementos que provam o contrário". A defesa queixou-se de estar a ser vítima de uma injustiça e anunciou que iria recorrer da decisão.
Ao olhar para o julgamento, Adriano Nuvunga, diretor do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), diz ter ficado com várias questões.
"Houve julgamento, se condenou veementemente a essas pessoas, mas fica sempre aquela dúvida: será que se fez justiça? Porque é que essas pessoas assassinaram Mahamudo Amurane? Esta questão não está clara", afirma.
O caso Amurane
Mahamudo Amurane foi assassinado à queima-roupa há cinco anos. Segundo o Ministério Público, ambos os arguidos teriam uma desavença com o antigo edil. Em tribunal, os acusados disseram que Amurane foi morto por uma outra pessoa, que teria entrado na casa particular do autarca, mas o Ministério Público diz que os arguidos eram as únicas pessoas que estavam com Amurane.
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Adriano Nuvunga desconfia que há mais pessoas envolvidas no caso.
"Há mandantes para que Mahamudo Amurane fosse assassinado daquela maneira, em pleno dia da paz [4 de outubro], e tinha que se encontrar esses que ordenaram esse assassinato de Mahamudo Amurane. Essas penas pesadíssimas teriam que recair sobre quem ordenou o assassinato", diz.
Caso Matavele
O diretor do Centro para Democracia e Desenvolvimento compara o caso de Amurane com o do defensor dos direitos humanos Anastácio Matavele, que foi assassinado em 2019, na província de Gaza. Os autores -todos, polícias - foram condenados no ano seguinte.
Mas, segundo Adriano Nuvunga, ainda é preciso encontrar os mandantes. "Uma vez encontrados os autores materiais, agora queremos que os autores morais, os mandantes, os chefes, porque os mandantes naquele caso são chefes, e que ocupam cargos públicos. Devem ser rapidamente identificados e responsabilizados, porque são criminosos", considera.
O CDD considerou, na altura, que a Justiça atuou de forma parcial, recusando seguir "pistas claras". Disse ainda que houve uma "instrumentalização" dos agentes para retirar a responsabilidade ao Estado.
No próximo ano haverá eleições autárquicas em Moçambique. Adriano Nuvunga, que também pertence à Rede dos Defensores dos Direitos Humanos, prevê momentos difíceis para os ativistas no país.
"A nossa preocupação é a segurança dos defensores para fazerem o seu trabalho", conclui Nuvunga.
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.