Rede Angolana de Organizações de Serviços de SIDA considera preocupante o número crescente de casos de HIV/SIDA em Angola. Diariamente, morrem mais de 30 pessoas com a doença. E a Covid-19 desviou as atenções do Governo.
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O presidente da Rede Angolana de Organizações de Serviços de SIDA (ANASO), António Coelho, afirma que a luta contra a SIDA em Angola está a viver grandes dificuldades.
Em entrevista à DW, o responsável da ANASO lamenta que a pandemia de Covid-19, que já infetou cerca de 2 mil angolanos, tenha retirado o programa de combate ao HIV/SIDA da lista de prioridades do Governo.
Coelho diz que faltam apoios para proteção dos doentes a nível nacional, numa altura em que a ANASO regista um aumento do número de casos no país: "A situação é preocupante. Em média, 76 novas infeções estão a ser registadas diariamente. E em média há também um número elevado de mortes relacionadas com a SIDA. 36 mortes estão a ser registadas todos os dias", revelou o presidente da ANASO.
A ANASO avança que o país tem agora mais de 350 mil pessoas portadoras do HIV, das quais mais de 200 mil estão em tratamento.
Angola é dos países com maior taxa de transmissão vertical, de acordo com António Coelho. O líder da ONG afirma que os dados sobre a doença, divulgados pelas autoridades não são reais e defende mais financiamento para o setor da saúde.
"Precisamos de ter dados credíveis e para isso precisamos de melhorar o nosso sistema de informação em saúde", sublinha. "Temos também de aumentar o financiamento na saúde, particularmente, para a SIDA, malária e tuberculose. Deve-se perceber que, apesar da Covid-19, temos que continuar a lutar contra a SIDA, a malária e a tuberculose", defende.
Falta de medicamentos
O país regista desde março deste ano uma rutura no ‘stock’ de antirretrovirais de primeira linha. A situação deixa vulnerável cerca de 25 mil pessoas que estão há mais de três meses sem a medicação.
Diariamente, mais de 25 portadores de HIV solicitam apoios de medicamentos à ANASO. "A situação está a gerar medo e angústia, por causa do tempo que estão sem a medicação", afirma António Coelho.
"As informações que temos é que os antirretrovirais de segunda linha chegaram ao país na primeira semana de agosto, agora estamos a lutar para o seu desalfandegamento. Não sabemos quanto tempo vai levar, mas a verdade é que a ANASO se associa à situação das pessoas vivendo com o HIV e continua a desenvolver ações de advocacia para que os medicamentos cheguem as pessoas que precisam", garante.
Para além da escassez de medicamentos, o coronavírus aumentou as dificuldades sociais dos doentes, que também se queixam da falta de alimentação.
Perigos da ignorância: Os presidentes africanos e a negação da SIDA
Saber é poder. Por isso o lema do Dia Mundial da SIDA 2018 é "conhece o teu estado". Estar ciente da doença torna mais fácil combatê-la. Mas nem todos os presidentes africanos entenderam a ameaça que o vírus representa.
Foto: picture-alliance/dpa
Negação fatal
O ex-Presidente sul africano Thabo Mbeki (1999 - 2008) ficou para a história como o principal negacionista do HIV/SIDA. Contrariando a evidência científica, Mbeki insistiu que o HIV não causava SIDA e mandou que a doença fosse tratada com ervas. Analistas acreditam que isto custou a vida a 300.000 pessoas. Há quem exija que o ex-Presidente seja julgado por crimes contra a humanidade.
Foto: Getty Images/AFP/G. Khan
O Presidente curandeiro
Em 2007, o então Presidente da Gâmbia, Yayah Jammeh (1996 - 2017) obrigou pacientes da SIDA a submeter-se a uma cura que dizia ter pessoalmente desenvolvido. A cura consistia de uma mistura de ervas. Um número desconhecido de pessoas morreu. Jammeh, que dizia ter poderes místicos, é o primeiro Presidente africano a ser julgado por violação dos direitos de pessoas com HIV/SIDA.
Foto: picture alliance/AP Photo
Duche como prevenção
Outro Presidente famoso pelas suas declarações inconvencionais sobre o HIV/SIDA é Jacob Zuma da África do Sul (2009 - 2018). Durante o processo por violação de uma mulher HIV-positiva em 2006, Zuma disse que não correu perigo de contágio apesar de não ter usado preservativo, porque "tomou um duche a seguir".
Foto: Reuters/N. Bothma
Sem preservativo?
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni , também levou algum tempo a compreender a dimensão do problema. Ainda em 2004, numa conferência internacional na Tailândia dedicada ao combate da SIDA, Museveni minimizou a eficácia de preservativos alegando, entre outras coisas, que o seu uso contrariava algumas práticas sexuais africanas. Os seus comentários foram recebidos com risadas pela audiência.
Foto: picture-alliance/dpa/I. Langsdon
Um imposto para o tratamento
Algumas medidas tomadas por líderes africanos para combater a doença foram mal recebidas. Em 1999, o Presidente do Zimbabué, Robert Mugabe (1987-2017) introduziu um imposto destinado a apoiar os órfãos e pacientes do HIV/SIDA, que provocou protestos. O imposto ainda existe. Mugabe admitiu que membros da sua família foram afetados e chamou à infeção "um dos maiores desafios da nação".
Foto: picture-alliance/AP Photo/T. Mukwazhi
Um grande exemplo
As possíveis consequências económicas, por exemplo, para o turismo, fizeram com que muitos líderes africanos mostrassem relutância em aceitar a dimensão da ameaça. Mas Kenneth Kaunda, o Presidente da Zâmbia (1964-1991), já em 1987 anunciou a morte de um filho com SIDA. Em 2002 foi o primeiro Presidente africano a fazer um teste de SIDA. Até hoje continua a lutar pela erradicação da doença.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Mwape
Testes compulsórios
A luta contra a SIDA do sucessor de Kaunda, Edgar Lungu, também causou consternação. Lungu quis introduzir testes compulsórios na Zâmbia em 2016. Mas protestos no país e no exterior obrigaram-no a recuar. Sobretudo quando a Organização Mundial de Saúde criticou o propósito e deixou claro que esses testes só servem para aumentar o estigma do HIV/SIDA.
Foto: Imago/Xinhua
Por uma África sem HIV
Depois de abandonar o cargo de Presidente do Botswana, Festus Mogae (1998-2008) lançou a organização "Campeões por uma geração sem SIDA", à qual se juntaram numerosos ex-chefes de Estado e outras personalidades influentes. Juntos tentam pressionar governos e parceiros a investir mais na prevenção da SIDA.