Clima político acalmou após ameaças de sanções e reforço da missão da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental perante a crise na Guiné-Bissau. Mas políticos falam em "usurpação de poderes" e "invasão".
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Desde o último pronunciamento da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), na semana passada, frisando que o Presidente cessante, José Mário Vaz, é um Presidente interino, e que "todos os seus atos devem ser subscritos pelo primeiro-ministro", mais ninguém mostrou resistência às decisões da organização e a o ambiente de tensão política parece ter acalmado.
Analistas dizem que o Presidente cessante José Mário Vaz sofreu uma "derrota político-diplomática": os chefes de Estado da CEDEAO ordenaram aos membros do Governo de Faustino Imbali, nomeado no final de outubro pelo chefe de Estado, que se demitissem em bloco, e reforçaram os poderes do primeiro-ministro Aristides Gomes, cujo Executivo é reconhecido unanimemente pela comunidade internacional.
A CEDEAO anunciou ainda o reforço da sua força militar, a ECOMIB, estacionada na Guiné-Bissau desde 2012, de forma a assegurar as eleições presidenciais, marcadas para 24 de novembro.
Vários políticos criticam a posição da CEDEAO, afirmando que se trata de uma ingerência nos assuntos internos do país. Ao renunciar ao cargo de primeiro-ministro na semana passada, Faustino Imbali afirmou que a "CEDEAO usurpou os poderes dos cidadãos" guineenses.
Já esta terça-feira (12.11), o antigo primeiro-ministro guineense Artur Sanhá lançou em Bissau o Movimento Patriótico Contra a Colonização do país, desferindo fortes ataques ao bloco. Em conferência de imprensa, Artur Sanhá apresentou o que diz ser um "movimento para acordar os guineenses contra a invasão estrangeira" por parte da CEDEAO e pediu aos guineenses que se levantem e se manifestem contra as decisões tomadas na última cimeira de líderes da organização em relação à Guiné-Bissau.
"É o mínimo que a CEDEAO devia fazer"
No entanto, para o especialista em relações internacionais Midana Pinhel, a organização está a cumprir o seu dever. "Enquanto organização comunitária, deve estar presente quando há coisas deste género, porque a Guiné-Bissau faz parte da CEDEAO, de uma forma que deve respeitar os princípios e valores que norteiam o funcionamento dos países nesta organização", afirma. "É o mínimo que devia fazer".
Na visão de Midana Pinhel, "a Guiné-Bissau cedeu uma parte da sua soberania quando decidiu integrar a CEDEAO. Integrando a organização, deve respeitar os valores da democracia, dos direitos humanos, a livre circulação e outros valores. Se não está em condições de respeitar, que faça um pedido de retirada da organização".
Quanto ao reforço da força militar da CEDEAO na Guiné-Bissau, a ECOMIB, o analista considera normal e não prevê nenhuma situação complicada: "A força da CEDEAO na Guiné-Bissau não vem para entrar em choque ou para combater a força nacional. Vem para reforçar a capacidade da força nacional para garantir a segurança e a estabilidade do país, que são indispensáveis".
Guineenses divididos
CEDEAO e Guiné-Bissau: Apoio ou ingerência?
Nas ruas de Bissau, os cidadãos têm opiniões distintas quanto à intervenção da CEDEAO no processo político guineense. Calilo Camará, vendedor ambulante, considera que "a CEDEAO deve resolver os problemas na Guiné-Bissau, de forma diplomática e não com intervenção militar".
Já Bá Wié Mané, jovem ativista social, enaltece a intervenção da CEDEAO no país e deseja mais: "É muito mais importante ainda a intervenção da CEDEAO. Se puder aumentar a dinâmica, para ter a paz duradoura e harmonização entre os políticos guineenses, eu agradeceria".
Amândio Fonseca, estudante universitário, considera mesmo que, se não fosse a organização da África Ocidental, a Guiné-Bissau entraria numa situação complicada e "não só atrasaria, como também voltaria à época das cavernas, porque dá para notar que o Presidente nada quer, além do seu interesse".
A Guiné-Bissau viveu momentos de tensão política, quando o chefe de Estado, José Mário Vaz pediu publicamente que as forças armadas interviessem e facilitassem o acesso aos Ministérios dos membros do Governo de Faustino Imbali, por ele nomeados a 31 de outubro. Entretanto, José Mário Vaz veio a público dizer que as suas orientações não tinham sido acatadas e, por isso, tinha desistido do decreto, numa altura em que a CEDEAO já tinha ordenado ao Governo de Imbali que se demitisse, sob pena dos seus elementos serem sujeitos a pesadas sanções.
Em paralelo, continua a campanha eleitoral no país. Os 12 candidatos à Presidência da República, incluindo José Mário Vaz, continuam à "caça" de votos. Ao mesmo tempo, a população relata as suas principais dificuldades, que vão desde a falta de infraestruturas rodoviárias, à falta de acesso aos postos sanitários e à justiça, bem como a falta das escolas.
Farpas e elogios: Frases das eleições na Guiné-Bissau
Principais partidos políticos, sociedade civil e comunidade internacional acompanham de perto contagem de votos na Guiné-Bissau. CNE só divulga resultados na quarta-feira (13.03), mas PAIGC já canta vitória.
Foto: Getty Images/AFP/SEYLLOU
PAIGC
O PAIGC declarou-se, na segunda-feira (11.03), vencedor das eleições legislativas de 10 de março na Guiné-Bissau. O porta-voz do partido João Bernardo Vieira garantiu que o povo conferiu ao PAIGC os destinos do país. No domingo, após votar, o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, disse que estas eleições representam "um momento de viragem" para que, na Guiné-Bissau, "o império da lei vingue".
Foto: DW/F. Tchumá
MADEM-G15
Após o anúncio do PAIGC, o Movimento para a Alternância Democrática frisou que ninguém ganhou as eleições com maioria absoluta e que também fará parte do próximo Governo do país. As declarações de Braima Camará no domingo, dia das eleições, foram das mais críticas, pois o líder do MADEM-G15 acusou o primeiro-ministro de "usar dinheiro público para corromper líderes de opinião no dia de reflexão".
Foto: DW/J. Carlos
PRS
O Partido da Renovação Social disse, esta terça-feira, que "é falsa a informação da maioria folgada que o PAIGC sustenta para semear a confusão"."Nenhuma das forças políticas atingiu sequer a barra dos 40 deputados", disse Vítor Pereira. No domingo, depois de votar, Alberto Nambeia, líder do PRS, disse que esta votação constitui um "balão de oxigénio" para o povo, que quer mudanças no país.
Foto: DW/B. Darame
FREPASNA
Baciro Djá considera que era o candidato com mais experiência nestas eleições e, por isso, o justo vencedor. No entanto, esta segunda-feira, o líder do partido Frente Patriótica para a Salvação Nacional (FREPASNA) foi o primeiro a reconhecer a derrota no pleito. "Consideramos que o nosso resultado foi péssimo e a responsabilidade máxima é minha, enquanto presidente do partido", disse.
Foto: Presidency of Guinea-Bissau
Comissão Nacional de Eleições (CNE)
Pouco depois do arranque do pleito, no domingo, José Pedro Sambú, presidente da CNE, disse aos jornalistas que o processo estava a decorrer num "clima de transparência e sem sobressaltos". O mesmo cenário foi reportado pela porta-voz da comissão, ao final do dia. Felizberta Vaz garantiu ainda que os "pequenos problemas" que surgiram foram resolvidos. A CNE divulga os resultados esta quarta-feira.
Foto: CNE
Presidente da República
Em declarações aos jornalistas, depois de votar, no domingo, José Mário Vaz garantiu que os observadores estavam "surpresos" pela positiva com a Guiné-Bissau. O Presidente guineense pediu à imprensa para que passasse lá para fora essa "grande imagem" da Guiné-Bissau como um país onde "não há problemas". "Considero a Guiné-Bissau hoje campeã da liberdade", disse.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
Primeiro-ministro guineense
Também no domingo, o primeiro-ministro guineense disse estar emocionado com a concretização de um processo eleitoral "difícil e intenso", no qual foi "necessária a intervenção da comunidade internacional". Aristides Gomes acrescentou ainda que, apesar das dificuldades, este foi um processo cheio de "pedagogia".
Foto: Präsidentschaft von Guinea-Bissau
Organização das Nações Unidas
David McLachlan-Karr, enviado das Nações Unidas à Guiné-Bissau, tem estado a reportar, com frequência, o ambiente vivido no país nestas eleições, nas redes sociais. Esta segunda-feira, o representante da ONU deu os parabéns à população guineense que, "em todo o país, saiu [às ruas] para votar pacificamente e com muito orgulho cívico".
Foto: DW/B. Darame
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na pessoa de Luiz Villarinho Pedroso, acompanhou de perto a votação. No domingo, dia da eleição, o chefe da missão da CPLP disse que estas eleições foram um "exercício cívico exemplar", que decorreu com a "maior tranquilidade e normalidade". O balanço preliminar do escrutínio será feito ao longo desta terça-feira (12.03).
Foto: DW/N. dos Santos
CEDEAO
À semelhança da ONU e da CPLP, também a CEDEAO deu nota positiva às eleições guineenses. Numa conferência de imprensa, esta segunda-feira (11.03), Kadré Désiré Ouedraogo, chefe da Missão de Observação da CEDEAO, disse que as legislativas no país decorreram "de forma pacífica e transparente". Acrescentou ainda que espera que "todos [os partidos] aceitem os resultados".
Foto: DW/B. Darame
União Africana
Após o encerramento das urnas na Guiné-Bissau, Rafael Branco, chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Africana destacou a forma tranquila com que decorreu o processo e salientou a "participação cívica notável".
Foto: DW/Nélio dos Santos
Liga Guineense dos Direitos Humanos
Também as organizações locais fizeram chegar elogios. À semelhança do que foi dito pela CNE, Augusto Mário da Silva, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, disse ter havido registo de "algumas falhas", mas "que foram imediatamente supridas". Tirando os atrasos na abertura das urnas em algumas mesas e trocas de cadernos eleitorais, "o processo decorreu de forma regular", disse.
Foto: DW/B. Darame
Sociedade Civil
Por último, a Célula de Monitorização do Processo Eleitoral salientou, esta segunda-feira, que "os eleitores compareceram em massa para exercer o seu direito de voto". Este grupo de monitorização das eleições, composto por 420 pessoas, espalhadas por todo o país, saudou também "a boa presença das forças de segurança nos centros de votação observados".