O voto é um direito de todos? Talvez. Em Angola, a associação dos cegos e amblíopes queixa-se da falta de condições para o exercício do direito de voto dos seus associados.
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A pouco menos de sete meses para a realização das eleições gerais em Angola, a Associação Nacional dos Cegos e Amblíopes (ANCA) está preocupada. Alegadamente não há condições que assegurem que os seus associados possam exercer o direito fundamental ao voto.
Em entrevista à DW África, os representantes da associação dizem que apesar das promessas feitas pelas autoridades de que seriam criadas as condições necessárias para que os invisuais possam ir sem transtorno às urnas, até agora não foi tomada qualquer medida concreta. A associação defende, nomeadamente, a necessidade de instalar tecnologia própria para que os cegos possam votar sem restrições.
Liberdade em Angola?
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Voto só com ajuda de terceiros
Os problemas datam de 1992, altura em que Angola realizou as suas primeiras eleições multipartidárias. Nesse ano, os cegos e amblíopes - pessoas com faculdades visuais reduzidas - dirigiram-se à Comissão Nacional Eleitoral (CNE) para obter garantias concretas de autonomia para esta franja da sociedade, de modo a que pudessem participar nos pleitos eleitorais.
Nas duas eleições que se seguiram, em 2008 e 2012, o assunto voltou à ribalta. As autoridades admitiram então que só em 2017 seria possível criar as condições exigidas pela ANCA. Mas neste ano o assunto não consta das reuniões da CNE, pelo que Ribeiro Manuel, vice-presidente da ANCA, acredita que há pouco interesse por parte das autoridades para que, este ano, as coisas aconteçam de outra forma. Manuel explica que nos pleitos anteriores, os invisuais tiveram de recorrer a terceiros para os ajudar a votar.
Tecnologia necessária já existe
"Nos outros anos votámos com auxílio de alguém. Este ano gostaríamos que o Governo criasse todas as condições, ou por meio de boletins a Braille, ou por meio de sistema de som, que permitam que a pessoa com deficiência visual vote sem interferência de terceiros,” disse Ribeiro Manuel à DW África.
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A ANCA tem cerca de 3.000 membros em nove das 18 províncias do país. A associação exige das autoridades abertura e sensibilidade para a necessidade de criar as condições necessárias, de resto enumeradas num encontro, no ano passado, entre a ANCA e o Ministério da Administração do Território (MAT). Ribeiro Manuel adianta que urge acelerar os contactos, e pretende "…que o Governo procure conversar mais connosco, que somos as pessoas que lidam com as pessoas com deficiência no seu dia-a-dia.”
CNE ainda não "deliberou” a questão
Claudeth Da Silva Capapelo representante da ANCA, na cidade do Huambo, exige das autoridades o cumprimento das promessas feitas em 2012 nos encontros em que a associação de cegos e amblíopes de Angola manteve com o MAT. Deste encontro resultou a garantia de que, em 2017, estariam criadas as condições exigidas pela ANCA.
"Nós somos angolanos, somos membros da sociedade e precisamos votar, mas como votar?” pergunta Capapelo e acrescenta: "É preciso que o Governo crie condições para podermos votar com segurança e livremente.”
A DW África, apurou de uma fonte da CNE, que a necessidade da utilização de urnas especiais para os invisuais ainda não foi abordada pela plenária daquele organismo.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.