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Centenas de milhares em fuga na RDCongo

Clarissa Herrmann | ck
21 de junho de 2019

Confrontos entre os grupos étnicos Hema e Lendu na província congolesa de Ituri atravessam nova fase de violência. A população sente-se cada vez mais abandonada pelas autoridades neste conflito de 20 anos.

Foto: Imago Images/Xinhua/A. Uyakani

Testemunhas oculares relatam a ocorrência de tiroteios, raptos, violações e mutilações na província de Ituri, no nordeste da República Democrática do Congo (RDC). Centenas de milhares de pessoas fugiram dos combates entre os grupos étnicos rivais Hema e Lendu. Pelo menos 240 pessoas já morreram nesta nova onda de violência.

Tal como muitos outros, Esther Nzale teve que fugir da sua aldeia de Kpatsi: "Os Lendu chegaram na segunda-feira ao meio-dia", disse Nzale à agência de notícias Reuters. "Estávamos no campo quando nos avisaram. Corremos para as nossas casas que tinham sido incendiadas." Os aldeões viram pessoas queimadas vivas ou mortas com catanas. O marido de Nzale foi morto no ataque. Ela diz que não sabe o que aconteceu com os corpos das vítimas, se foram enterrados ou não.

Grupos de autodefesa e assassinatos por vingança

Segundo Babar Baloch, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 300 mil pessoas fugiram dos conflitos no nordeste da RDC desde o início do mês. Na semana passada, a situação na província de Ituri agravou-se. "A população está a fugir dos ataques e contra-ataques na região de Djugu", disse Baloch. De acordo com relatos, ambas as comunidades formaram grupos de autodefesa e cometeram assassinatos por vingança.

Esther Nzale perdeu o marido no conflitoFoto: Reuters

Os conflitos entre Hemas e Lendus remontam ao final dos anos 90. O novo surto de violência foi desencadeado pelo assassinato de um comerciante Lendu na semana passada. Seguiram-se represálias, diz Dieudonné Paluku, que vive na capital da província de Buna. Paluki coordena as atividades grupos da sociedade civil na província de Ituri. A fazenda dos seus pais na cidade de Kilo foi atacada. Os agressores procuravam a mãe, que é Hema. "Quando não encontraram ninguém, só pilharam a nossa propriedade", conta Paluku, que explica que o conflito tem várias causas. Há desacordos sobre a propriedade de terras que remontam à época colonial. "Algumas fronteiras entre as duas comunidades não foram bem traçadas", diz Paluku. Por último, há o aspeto socioeconómico do conflito.

Mulheres pela paz

Para Jacqueline Dz'Ju Malosi, o conflito atual é resultado do fracasso de resolver os contenciosos no passado. Malosi trabalha para "Pamoja Inawezenaka", um projeto que reúne várias organizações de mulheres empenhadas em restaurar a paz. "Mobilizamos as comunidades para que possam defender-se e apoiamo-las na criação de estruturas que lhes permitam cuidar de si mesmas". Mas a ativista questiona o papel das autoridades, que, diz, não fazem o suficiente.

Centenas de milhares em fuga na RDCongo

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Jean Bamanisa Saidi, governador da província de Ituri, diz que uma das chaves para resolver o conflito é o desenvolvimento económico da região. Além disso, o Governo de Kinshasa tem de se envolver mais. "Uma maior presença do Exército poderia garantir a proteção da população", disse Saidi à DW. O governador está agora a apelar ao Governo para dar mais apoio nas áreas da educação, emprego e construção de estradas. Além disso, é necessário que haja uma maior presença da autoridade estatal nas áreas em conflito de Djugu e Irumu, diz Saidi.

Governo ausente

Ntumba Lwaba, professor na Universidade de Kinshasa e antigo ministro dos Direitos Humanos do Congo, confirma que este é, de facto, um dos problemas fundamentais da região. "Nunca lá conseguimos estabelecer plenamente a autoridade do Estado. Ou seja, o Exército, a polícia, a administração". Um dos motivos é o interesse na situação de alguns poucos que enriquecem graças aos recursos naturais da província. Segundo Lwaba: "A autoridade pública deve ser promovida em todo o território da província de Ituri. As fronteiras devem ser mais bem guardadas".

A crise de refugiados ameaça agravar o surto de ébolaFoto: Getty Images/J. Wessels

Mas primeiro tem de haver paz na região. A missão de paz da ONU na região, MONUSCO, anunciou recentemente o reforço da presença nas áreas em conflito. Segundo Florence Marchal, porta-voz da missão, foram enviados para a região três batalhões - dois para Djugu e um para Mahagi. "Estamos a criar sistemas de alerta nas comunidades para proteger a população civil. Quando constatamos uma crise iminente, analisamos a situação e podemos então enviar tropas para essas áreas difíceis para apoiar a população", disse Marchal à DW.

Ébola agrava a situação

Mas a confiança da população na MONUSCO não é muito grande. E o ACNUR reconhece a sua incapacidade de abastecer a população de forma adequada. Sobretudo faltam abrigos e alimentos. Muitos refugiados tentam chegar a Bunia, a capital da província de Ituri. Outros optam por fugir para o Uganda através do Lago Alberto. Mas a sua fuga é por vezes impedida por gangues de jovens das etnias Hema e Lendu.

O último grande conflito entre milícias Lendu e Hema ocorreu de 1999 a 2003 e custou a vida a cerca de 50.000 pessoas.

O surto atual da doença viral altamente contagiosa do ébola na província agrava ainda mais a situação. A Organização Mundial da Saúde (OMS) avisa que a presença de numerosas pessoas em campos de refugiados estreitos impossibilitará as autoridades de precaver contágios. A epidemia que começou há cerca de um ano na RDC infetou mais de 2.200 pessoas e matou já 1.450. Segundo a OMS em Genebra, cerca de dez por cento dos casos foram registados na província de Ituri.

 

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