Chérif Souleymane: o "Rei" do futebol africano na Alemanha
Sarah Hucal | ad
29 de março de 2019
"Pelé de Neubrandenburg" retrata a história de um dos melhores jogadores do futebol guineense, que viveu na antiga Alemanha Oriental (RDA), mas que não conseguiu realizar o sonho do futebol europeu, por ser estrangeiro.
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O Festival Internacional de Cinema de Futebol de Berlim, foi palco da estreia de "Pelé de Neubrandenburg", um filme sobre um atleta guineense que iniciou uma carreira de sucesso no futebol, na cidade de Neubrandenburg, na Alemanha Oriental, durante um intercâmbio estudantil socialista de dois anos, na década de 60.
O realizador contou à DW o porquê da história de Chérif Souleymane ser uma fonte de inspiração e destaca a ligação pouco conhecida entre a RDA (República Democrática Alemã) e África.
O filme de Benjamin Unger e Matthias Hufmann fez parte do 11mm International Football Film Festival. É uma ode ao futebol, como uma experiência transformadora, que, no seu melhor, pode unir pessoas de diferentes culturas e origens.
O talento de Souleymane ajudou a lançar a equipa de bairro, na primeira divisão. No entanto, quando alcançaram esse feito, Souleymane teve um dissabor. Um estatuto de lei da Alemanha Oriental, impedia que estrangeiros jogassem na primeira divisão.
Em 1962, ele regressou à Guiné (Conacri), onde conseguiu crescer na carreira de futebolista. Ele jogou pela República da Guiné nos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México, e foi considerado o Jogador Africano do Ano, em 1972.
Hoje, enquanto caminha pelas ruas onde vive, é abordado por jovens que o admiram. Embora não seja o verdadeiro Pelé, "Rei" do futebol mundial, ele é sem dúvida, muito importante para a história do futebol guineense.
O filme foca as fortes relações de Souleymane com os companheiros de equipa e no sentimento de aceitação e acolhimento numa pequena comunidade onde não era comum conhecer uma pessoa africana.
"As crianças tocavam-me para ver se eu tinha carvão na minha pele", lembra o protagonista do filme. "Todos estavam curiosos em saber porque é que eu tinha vindo para a Alemanha".
Também houve experiências desagradáveis. Os pais da namorada alemã de Souleyman, recusaram o pedido de casamento e sofreu de preconceitos racistas, lançados por jogadores de equipas adversárias. No entanto, a história de Souleymane parece ter um final feliz, de aceitação.
A DW conversou com o cineasta, Benjamin Unger, para descobrir qual a importância de contar esta história tantos anos depois.
DW: Por que é que escolheu fazer um filme sobre Souleymane? Ele é conhecido na Alemanha?
Benjamin Unger (BU): Na Alemanha, quase ninguém o conhece. Mas em Neubrandenburg, ele é muito conhecido pelos fãs do futebol, porque era uma época tão especial quando ele estava na RDA. É simplesmente fascinante descobrir que, na Alemanha, ele não pode jogar na primeira divisão, porque era estrangeiro. Ele tinha um talento incrível e teve uma carreira de sucesso.
DW: Porque é que os estrangeiros não podiam jogar na primeira divisão?
Benjamin Unger (BU): O futebol da RDA queria que as pessoas locais jogassem bem o futebol e, basicamente, que fossem os melhores, para que houvesse o sentimento de que a RDA era forte. Era uma medida política, que tinha o intuito de passar uma mensagem de superioridade para aqueles que estavam fora da RDA. Souleyman veio para a Alemanha através de um programa de intercâmbio da RDA com a República da Guiné. Muitas pessoas fora da Alemanha podem não saber que a Alemanha Oriental comunista tinha programas de intercâmbio de estudantes e trabalhadores com países africanos.
DW: Quais eram esses programas?
Benjamin Unger (BU): Houve um grande intercâmbio com Angola, assim como com Moçambique. Na altura, havia uma certa incerteza quanto ao tipo de Estado em que a Guiné se tornaria. Se seria um país socialista ou democrático. Cooperou um pouco com o Estado da Alemanha Oriental, mas também com a Alemanha Ocidental. A RDA tentou trabalhar com muitos países africanos para obter reconhecimento. Foi um pequeno jogo em que a Alemanha Oriental tentou estar presente internacionalmente.
DW: Então foi essencialmente uma forma de diplomacia?
Benjamin Unger (BU): A RDA queria ser reconhecida internacionalmente... com muitas ligações internacionais, seria mais forte. Assim, poderia publicitar: "Somos muito internacionais, temos muitos aliados em todo o mundo". E a mensagem também seria para dentro do país, para os cidadãos: "Olhem como somos poderosos. Quantos países nos reconhecem". Tiveram muitos intercâmbios com estudantes e trabalhadores que vieram para a RDA e que depois, puderam voltar aos respetivos países e falar sobre o quão grande era a RDA. Isso também fazia parte da ideia.
DW: Esta história pode ser uma pequena amostra do atual panorama dos refugiados, que atualmente vivem na Alemanha. Qual o peso desta história com mais de meio século?
Benjamin Unger (BU): A relevância é que ela mostra que, a nível pessoal, não existem fronteiras. Quando hoje na Alemanha Oriental, numa cidade como Neubrandenburg, não há estrangeiros nas equipas desportivas, no local de trabalho ou no meio de um bairro, é normal que comecemos a sentir que os estrangeiros são um perigo para a Alemanha - pressupostos basicamente populistas. Assim que as pessoas se conheçam a um nível pessoal, todas as barreiras culturais e sociais irão cair por terra. No que toca a Souleymane, todos os que passaram algum tempo com ele, em Neubrandenburg, realçam em primeiro lugar, que ele era uma pessoa muito digna. Não se trata apenas de como ele era bom jogador de futebol, também o era, mas a primeira coisa que as pessoas dizem, é que ele era uma pessoa incrível. Tendo em conta os refugiados que hoje vivem na Alemanha, se eles pudessem trabalhar, jogar em equipas de futebol, viver em bairros ou fazer atividades com moradores locais, andar de bicicleta, seria muito importante. A falta de integração social deu som e imagem à história de vida de Souleyman, na Alemanha.
O "Festival Internacional de Cinema de Futebol de Berlim" realizou-se entre os dias 21 e 25 de março, e o filme "Pelé de Neubrandenburg", foi exibido na sexta-feira (19.03).
Uma relação especial: a Alemanha Oriental e África
A República Democrática Alemã manteve relações estreitas com os países africanos de orientação socialista. Entre eles estavam Angola, Etiópia, Moçambique e Tanzânia. A cooperação terminou com a reunificação em 1990.
Foto: Ismael Miquidade
Formação de profissionais africanos
A República Democrática Alemã (RDA), extinta após a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990, formou muitos trabalhadores vindos de países africanos socialistas. Estes angolanos participam num curso em Dresden, em 1983, no Instituto para Segurança no Trabalho. Angola estava em guerra nessa altura. O chamado "Bloco de Leste" apoiava o Governo marxista-leninista do MPLA.
Foto: Bundesarchiv/183-1983-0516-022 /U. Häßler
Ajuda ao desenvolvimento para aliados políticos
Depois do fim do colonianismo português em África, em 1975, a Alemanha Oriental (RDA) apoiou os partidos socialistas que foram conquistando o poder. A ideia era fazer desses novos Estados africanos aliados e parceiros económicos do Bloco de Leste. Aqui, o angolano Eduardo Trindade recebe formação de mecânico de máquinas agrícolas (1979).
Foto: Bundesarchiv/183-U0213-0014/P. Liebers
Formação para jornalistas africanos
Não havia só formação para profissões técnicas. A Alemanha Oriental também formava jornalistas africanos. Centenas de jornalistas, de quase todos os países de África, passaram pela Escola de Solidariedade da Associação de Jornalistas da RDA, em Berlim-Friedrichshagen. Na foto: jovens jornalistas de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe durante o curso em dezembro de 1976.
Foto: Bundesarchiv/183-R1210-302
Cooperação no desporto
Esta foto foi tirada em setembro de 1989, em Leipzig, numa aula de atletismo da Escola Superior Alemã para Educação Física (DHfK), com treinadores de Angola, Nicarágua e Moçambique. Em Leipzig, a partir de 4 de setembro, os cidadãos começaram a exigir todas as segundas-feiras mais liberdade na RDA - primeiro eram centenas, depois dezenas de milhares. A 9 de novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim.
Foto: Bundesarchiv/183-1989-0929-019/ W. Kluge
Estudantes nas universidades da RDA
Moisés José da Costa, de Angola, fez parte de um grupo de estudantes de 34 países que frequentou a Escola Superior Técnica de Karl-Marx-Stadt em 1986. A cidade passou a chamar-se Chemnitz em 1990. Muitas ruas da Alemanha Oriental, com nomes de políticos marxistas, também foram renomeadas. Hoje, muitos estrangeiros que viveram na RDA têm dificuldade em encontrar endereços antigos.
Foto: Bundesarchiv/183-1986-1112-002/W. Thieme
"Escola da Amizade"
1983: O Presidente de Moçambique, Samora Machel (dir.), e Margot Honecker, ministra da Educação da RDA (esq.), encontram-se com a direção da "Escola de Amizade", na localidade de Staßfurt. Em 1979, ambos os países decidiram que 899 crianças moçambicanas frequentariam essa escola na Alemanha Oriental durante quatro anos. Algumas dessas crianças tinham apenas 12 anos de idade.
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-1983-0303-423/H. Link
Escola "Dr. Agostinho Neto"
Em outubro de 1981, durante uma visita do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, à Alemanha, a 26ª Escola de ensino médio da RDA "Berlim-Pankow" recebeu o nome do seu antecessor. Passou a chamar-se Escola "Dr. Agostinho Neto". Jovens da Alemanha Oriental receberam o Presidente angolano com cartazes propagandísticos, como: "Apoiando a União Soviética pela paz e socialismo."
O Presidente angolano José Eduardo dos Santos (o quinto, a partir da esq.) visitou o Muro de Berlim na Porta de Brandemburgo. O muro começou a ser construído em 1961 para impedir que a população da RDA fugisse para Berlim Ocidental, onde se tinha livre-trânsito para o Ocidente. Oficialmente, o muro era chamado de "Muralha Antifascista". Cerca de 200 pessoas morreram ao tentar fugir.
Foto: Bundesarchiv
Congresso do SED com convidados africanos
O Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) gostava de exibir os seus convidados estrangeiros. No 10° Congresso do partido, em 1981, recebeu Ambrósio Lukoki, do MPLA (atrás, à direita), e Berhanu Bayeh (atrás, o segundo à esq.), que mais tarde se tornou chefe da diplomacia da ditadura marxista-leninista etíope do Derg, período em que milhares de pessoas foram mortas.
Foto: Bundesarchiv/183-Z0041-138/M. Siebahn
Visitas a congressos partidários africanos
O contrário também era comum. Konrad Naumann (na segunda fila, à dir.), membro do SED, participou do 3° Congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) em Bissau, em novembro de 1977. O evento foi realizado sob o lema "Independência, Unidade e Desenvolvimento".
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-S1118-026/Glaunsinger
Acampamentos de verão para crianças e adolescentes
Também durante o período de férias, a RDA tentava educar as crianças de acordo com os ideais comunistas. E convidavam-nas para acampamentos de verão. Aqui também vinham convidados estrangeiros. Na foto, dois membros da organização juvenil da Alemanha Oriental "Pioneiros" explicam a uma criança da República Popular do Congo uma matéria do jornal "Die Trommel".
Foto: Bundesarchiv/183-T0803-0302
Fim-de-semana em casa de família alemã
As crianças estrangeiras que, em 1982, participaram no acampamento dos "Pioneiros" também passaram um fim-de-semana com famílias alemãs para conhecer o dia-a-dia na Alemanha Oriental. Elas foram de comboio até à cidade de Schwedt, na fronteira com a Polónia. Sandra Maria Bernardo, de Angola, foi recebida pela sua "mãe-anfitriã" Ingeborg Scholz e a filha Petra.
Foto: Bundesarchiv/183-1982-0731-010 /K. Franke
Solidariedade militar
1973: Combatentes do MPLA marcham durante o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que teve lugar no estádio da Juventude Mundial, no leste de Berlim. A RDA solidarizou-se com a luta do MPLA contra o poder colonial português. Os outros dois movimentos de libertação de Angola, a UNITA e a FNLA, foram apoiados pela África do Sul e EUA.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-M0814-0734/F. Gahlbeck
Hora do adeus
Depois de formados na RDA, namibianos despedem-se no aeroporto Berlim-Schönefeld. De 1981 a 1984, eles estiveram a receber formação na Alemanha Oriental. No entanto, não puderam regressar às suas casas porque a Namíbia só se tornou independente da África do Sul em 1990. Por isso, voaram para Angola, para trabalhar como técnicos de silvicultura, canalizadores ou mecânicos de automóveis.
Foto: Bundesarchiv/183-1984-0815-031/A. Kämper
A ajuda chega de avião
Na foto, uma aeronave da companhia aérea Interflug, pertencente à extinta RDA, no aeroporto de Luanda. A bordo: material escolar para crianças angolanas. Em 1978, além de Angola, o Comité de Solidariedade da Alemanha Oriental enviou donativos à Etiópia, Moçambique, Vietname, República Popular do Iémen e às organizações de libertação do Zimbabwe (ZANU), da Namíbia (SWAPO) e da África do Sul.
Foto: Bundesarchiv/183-T0517-0022/R. Mittelstädt
Tratores para aliados socialistas
Doação de máquinas agrícolas da fábrica de tratores Schönebeck (da RDA) para a Etiópia. Os tratores do tipo "ZT 300-C" eram comuns na Alemanha Oriental e foram exportados para 26 países. Incluindo Angola e Moçambique. (1979)
Foto: Bundesarchiv/183-U1110-0001/Schulz
Máquinas têxteis da RDA para a Etiópia
Fábrica têxtil na cidade de Kombolcha, na província etíope de Amhara (foto de novembro de 2005). Esta fábrica processa algodão para fazer lençóis e toalhas. Foi construída em 1984 com o apoio da RDA e da hoje extinta Checoslováquia. Quase todas as máquinas foram produzidas pelo consórcio TEXTIMA, na antiga cidade de Karl-Marx-Stadt, hoje Chemnitz.
Foto: picture-alliance/dpa
Construções pré-fabricadas da RDA em Zanzibar
Ainda hoje, é possível ver prédios, construídos a partir de elementos pré-fabricados, em Zanzibar, com os quais a Alemanha Oriental apoiou a Tanzânia socialista criada em 1964 sob o Presidente Julius Nyerere. Os materiais chegaram de navio e tiveram apenas de ser montados. "Michenzani" é o nome do projeto com mais de 1,5 km de comprimento.
Foto: cc-by-sa/Sigrun Lingel
RDA - Nostalgia em Maputo
Cerca de 15 mil moçambicanos trabalharam na Alemanha Oriental no final dos anos 80. A maioria voltou ao seu país de origem após a reunificação da Alemanha, a 3 de Outubro de 1990. Em casa, são chamados de "Madgermanes", uma palavra derivada de "Made in Germany". Até aos dias de hoje, eles reúnem-se com frequência no Jardim 28 de Maio, em Maputo, para reivindicar os seus direitos.