Se o caso Chang fosse um rio, o ex-ministro seria o operativo a montante e Jean Boustani o operativo a jusante. Da nascente ninguém fala no caso que agita Moçambique e sem certezas de que os seus sinais chegarão à foz.
Publicidade
Não é à toa que a justiça norte-americana a todo o custo quer Manuel Chang, deputado e ex-ministro das Finanças de Moçambique, e Jean Boustani, negociador da empresa Privinvest, no banco dos réus. É que com o conhecimento que ambos possuem sobre os crimes financeiros em que supostamente estão envolvidos pode concluir-se o puzzle do crime todo e mais facilmente chegar-se a cabeça e a dezenas de outros envolvidos, detê-los e concluir-se o caso.
O criminalista António Frangoulis estabelece uma analogia entre um rio e o caso Chang ao explicar a filosofia que terá norteado a composição do delito: "A Manuel Chang podemos chamar de operativo a montante e Jean Boustani é o operativo a jusante."
Para se saber de todo o resto, explica o especialista, "em termos de processos, métodos e pessoas que participaram nesta fraude, são necessárias essas duas pessoas a quem podemos chamar de claviculares. Estas duas pedras são angulares: um [Manuel Chang] a montante e outro, Jean Boustani, a jusante, quando o rio já tem o leito mais largo."
A "nascente" Guebuza
Mas o rio não surge do nada: tem origem numa nascente, o olho d´água onde tudo floresce. O caso em questão está intimamente ligado ao caso das dívidas ocultas, avaliadas em dois mil milhões de dólares, contraídas durante a Presidência de Armando Guebuza.
Chang e Boustani: Operativos à deriva no "rio das dívidas"
O último sim a uma iniciativa de grande envergadura teria de vir dele, tal como a responsabilidade final. Lutero Simango, chefe da bancada parlamentar do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), o segundo maior partido da oposição, tal como muitos outros têm feito há muito tempo, insiste em chamar a nascente ao problema.
"Ninguém me convence que o Manuel Chang tenha assinado todos os documentos sozinhos sem que tenha uma autorização superior. O Chang era simplesmente membro de um Governo, nomeado", lembra. Para Lutero Simango, "é preciso que se chame o próprio ex-chefe de Estado, porque ele é uma parte [do processo], para esclarecer o povo moçambicano. E o silêncio deles assusta-nos."
O tortuoso percurso do rio
E o rio corre arrastando consigo muito do que encontra pelo caminho: umas são parte natural dele e outras são apenas vítimas da sua força, ou as duas coisas. Assim, pode-se depreender que se o ministro das Finanças fosse outra pessoa que não Manuel Chang muito provavelmente teria o mesmo fim. Nesta conta não entra a suspeita de Chang ter usado indevidamente o dinheiro adquirido em nome do Estado para proveito próprio.
O deputado do MDM olha com suspeita para o facto de em Moçambique se focar as atenções apenas no "operativo a montante", ignorando o rio no seu todo.
"Há uma tendência de quererem convencer-nos de que o centro de toda esta operação, toda esta engenharia financeira é de Manuel Chang, o que não corresponde à verdade. Ele apenas foi um executor e nós sabemos muito bem que, de acordo com a nossa Constituição, o chefe do Governo é o Presidente da República são simplesmente executores, membros do Governo. Portanto, a legitimidade recai sobre o chefe de Estado", argumenta. "Agora se se mantém no silêncio, é sinal de que é um silêncio de cumplicidade", conclui Simango.
Será manobra de distração de outras partes do rio ou de quem não quer enfrentar os seus danos? Enquanto a resposta não chega, o rio segue na sua fase de meandro, o percurso tortuoso do rio, com a montante e a jusante aparentemente a servirem de bodes expiatórios. E na foz há uma plateia enfurecida a aguardar pela chegada das águas e os seus detritos. Mas será que o olho d´água também chegará ao final?
Impacto da crise na vida dos moçambicanos
Trabalhadores em Maputo relatam as dificuldades que enfrentam todos os dias, com o país mergulhado numa crise financeira. Alguns ainda conseguem pequenos lucros, enquanto outros tentam estratégias para atrair clientes.
Foto: DW/Romeu da Silva
Novos tempos, menos lucros
Ana Mabonze tem uma loja de gelados há pouco mais de sete anos e diz que os rendimentos não têm sido bons ultimamente. Por dia, lucra apenas o equivalente a cerca de dois euros. O negócio é feito na ponte cais, também conhecida por Travessia. Nestes dias, os lucros baixaram porque os automobilistas que iam de ferryboat para Katembe agora usam a nova ponte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"Boa cena"
O negócio de transferência de dinheiro por telefone conhecido por Mpesa está a alimentar muitas famílias. É o caso de Angélica Langane, que na sua banca "Boa Cena" diz ter clientes frequentemente, porque muitos estão preocupados em transferir dinheiro, seja para pagar dívidas, fazer compras ou apenas para ter a sua conta em dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
O dinheiro não aparece
Numa das ruas de Maputo também encontramos Dulce Massingue, que montou a sua banca de venda de fruta. Para ela, este negócio não está a dar lucros. Diz que o pouco que ganha apenas serve para pagar o seu transporte. Nestes dias de crise, Dulce pensa em mudar de negócio, mas tudo depende do dinheiro que não aparece.
Foto: DW/Romeu da Silva
Trabalhar para pagar o transporte?
O trabalho de Jorge Andicene é recolher garrafas plásticas para serem recicladas pelos chineses. Sem ter revelado quanto ganha por este negócio, Jorge diz que não chega a ser bom, porque o mercado está muito apertado. Os preços de vários produtos subiram, por isso também os lucros são apenas para pagar o transporte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"As pessoas comem menos na rua"
A dona desta barraca não quis ser identificada, mas confessa que por estes dias o negócio baixou bastante. Vende hambúrgueres e sandes. As pessoas agora preferem trazer as suas refeições de casa para poupar dinheiro, diz. O negócio rende-lhe por dia o equivalente a dois euros, dinheiro que também deve servir para comprar outros bens para as crianças.
Foto: DW/Romeu da Silva
Costureira também não vê lucros
O arranjo de roupas é outro negócio pouco rentável, mesmo nos tempos das "vacas gordas". É oneroso transportar todos os dias esta máquina, por isso Maria de Fátima decidiu ficar num dos armazéns na cidade de Maputo, pagando um determinado valor. São poucos os clientes que a procuram para arranjar as suas roupas.
Foto: DW/Romeu da Silva
Negócio já foi mais próspero
Um dos negócios que tinha tendência de prosperar na capital era a venda de acessórios de telefones. Mas como há muitas pessoas que fazem este negócio, a procura agora é menor e o lucro baixou muito. O que salva um pouco estes empreendedores é o facto de cada dia haver novos tipos de telefones.
Foto: DW/Romeu da Silva
Poder de compra reduzido
Nesta oficina trabalham jovens mecânicos especializados na reparação de radiadores. Não quiseram ser identificados, mas afirmam que durante anos este negócio lhes rendia algum dinheiro para pagar a escola. Mas com a crise que se vive agora, a situação agravou-se. São poucos os clientes que os procuram e alegam que muitos moçambicanos perderam poder de compra.
Foto: DW/Romeu da Silva
Nada de brilho
O negócio de engraxador é outro que já não está a render, segundo os profissionais. Os únicos indivíduos que os procuram são estrangeiros de origem europeia, sobretudo portugueses. Os nacionais, diz Sebastião Nhampossa, preferem fazer o serviço por conta própria em casa. Com esta crise, é normal os engraxadores serem visitados apenas por um ou dois clientes por dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
Estratégias para atrair o cliente
Quando as atividades da Inspeção Nacional das Atividades Económicas (INAE) trouxeram à tona a real situação de higiene nos restaurantes, muitos cidadãos passaram a não frequentar estes locais. Como forma de deleitar a clientela, o dono deste pequeno restaurante promove música ao vivo de cantores da velha guarda e ten uma sala de televisão para assistir a jogos de futebol.