Christoph Hasselbach | vct | Reuters | Mike Mühlberger
31 de agosto de 2018
Membros da extrema-direita marcharam pela cidade do leste alemão e incitaram à violência contra estrangeiros. Políticos e especialistas alertam que situação pode sair de controlo e vêm um desafio ao Estado de Direito.
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Nos últimos dias, Chemnitz, cidade localizada no estado da Saxónia, no leste da Alemanha foi palco de marchas de militantes da extrema-direita, com apelos a violência contra estrangeiros. As manifestações violentas deixaram o país em alerta.
Tudo começou no último domingo (26.08) , depois de um cidadão alemão de 35 anos ter sido esfaqueado até à morte. Os suspeitos são dois refugiados, um sírio e um iraquiano, que já foram detidos. Para a extrema-direita, foi o suficiente para darem início as manifestações violentas que têm como alvo pessoas que aparentam ser estrangeiras. O número de manifestantes de extrema-direita presentes, a rapidez com que eles se reuniram e a incapacidade da polícia de reagir à altura em Chemnitz deixaram muitas pessoas em choque.
"A extrema-direita é tão grande que formou o seu próprio nicho, onde tudo é oferecido. Cria empregos, fornece apoio e ajuda. Isso desenvolveu-se ao longo dos anos, e o problema é que o Estado não consegue mais alcançar esses círculos", afirma o psicólogo social Andreas Zick, especialista em conflitos, em referência ao que se observa nos Estado da Saxónia.
O governador do Estado da Turíngia, Bodo Ramelow, do partido A Esquerda, vai mais longe e rejeita acusações somente contra os estados do Leste Alemão. "Se só os estados do leste forem acusados, minimizamos um problema que existe em toda parte na Alemanha", afirma.
Chemnitz põe a democracia em perigo na Alemanha?
Concessões à AfD
Mas todos os chefes de governo dos estados do leste da Alemanha têm um problema político quando batem de frente com os extremistas de direita. Em todos os lugares, o partido populista Alternativa para a Alemanha (AfD) está em ascensão. Na Saxónia, foi até mesmo o que mais recebeu votos nas eleições federais do ano passado. Na sua tentativa desesperada de não perder ainda mais eleitores para a extrema-direita, especialmente os chefes de governo da CDU na Saxónia, Tillich e o seu sucessor, Michael Kretschmer, têm feito concessões verbais e minimizado o perigo. "O islão não faz parte da Saxónia", afirmou Tillich.
A AfD rejeita qualquer responsabilidade política sobre os acontecimentos de Chemnitz. Esta seria "absolutamente zero", afirmou o co-presidente do partido Jörg Meuthen, em entrevista à emissora SWR. A bancada parlamentar da AfD diz que a morte do cidadão alemão foi o que despoletou a violência e afirma que os órgãos de comissão social carregam parte da culpa pelo ocorrido. "Em vez de condenar fortemente os ataques fatais e agir contra eles com todo rigor, em palavras e ações, só se ouve sobre supostas 'perseguições'".
O deputado federal da AfD Markus Frohnmaier defendeu, no Twitter, a justiça pelas próprias mãos praticada em Chemnitz. "Quando o Estado não consegue proteger os seus cidadãos, as pessoas tomam as ruas e protegem-se a si mesmas. Simples assim." A AfD e o movimento xenófobo Pegida convocaram uma marcha silenciosa para este sábado (01.09), com o objetivo de "expressar juntos o luto por Daniel H. [vítima desta ataque] e por todos os mortos da multiculturalização forçada da Alemanha".
Acolhimento de refugiados divide a Alemanha
Em 2015, com a chegada de centenas de milhares de refugiados, a Alemanha viu-se dividida e surgiu uma nova onda de ataques xenófobos. Desde então, o clima está tenso. Chemnitz é o exemplo mais recente mas não é a primeira vez que acontecem ataques nesta cidade. Chemnitz tem-se tornado numa das zonas principais para grupos anti-imigração, como o Pegida e a Alternativa para Alemanha.
Há quem acuse o conservador governo do Estado da Saxónia e ter deixado os grupo de extrema-direita impunes durante muitos anos. Uma opinião partilhada por Steven Seifert, especialista em extremismos de extrema-direita, que defende que "os neo-nazis atuaram com impunidade durante muito tempo e por isso conseguiram normalizar a sua ideologia".
Ataques racistas em Chemnitz
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"Quando isto é visto como normal, qualquer oposição é entendida como uma ameaça à identidade individual e depois chega-se a um ponto em que as coisas sobem de tom muito rapidamente", afirma Seifert.
Política migratória de Merkel
A aversão à política liberal para refugiados da chanceler federal Angela Merkel estimulou uma xenofobia que já era generalizada. Mas Merkel não é criticada apenas pela AfD. Mesmo a secretária da Integração da Saxónia, a social-democrata Petra Köpping, por exemplo, criticou indiretamente a chanceler quando disse, na emissora de televisão ZDF, que as pessoas no seu estado "não estão nem um pouco preparadas" para o grande número de refugiados.
Sahra Wagenknecht, líder da bancada parlamentar do partido A Esquerda, afirmou haver "limites para a disposição da população em acolher" refugiados e falou numa "falha total do Estado".
Debates acirrados sobre migração são um aspeto do problema, mas alguns temem que haja algo ainda maior. "Isso não pode continuar, pois é a própria democracia que está a ser desafiada", afirma Kasek, do Partido Verde da Saxónia. "A democracia na Alemanha sabe defender-se, mas em algumas áreas, não cumpre suficientemente as condições para provar isso", pondera Friedman. Por isso, políticos de vários campos ideológicos exigem agora que o Estado de Direito se imponha.
"O que se viu em Chemnitz não tem lugar num país onde prevalece os Estado de Direito. Temos imagens de pessoas a serem perseguidas, de gangues de manifestantes, demonstrações de ódio nas ruas. Não consigo salientar suficientemente que isto é incompatível num Estado de direito", disse Merkel.
Esta sexta-feira (31.08) Franziska Giffey, ministra da família, foi a primeira representante do Governo a deslocar-se a Chemnitz. Giffey afirmou que quer mostrar que o estado da Saxónia "é mais do que uma massa de neo nazis".
Uma relação especial: a Alemanha Oriental e África
A República Democrática Alemã manteve relações estreitas com os países africanos de orientação socialista. Entre eles estavam Angola, Etiópia, Moçambique e Tanzânia. A cooperação terminou com a reunificação em 1990.
Foto: Ismael Miquidade
Formação de profissionais africanos
A República Democrática Alemã (RDA), extinta após a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990, formou muitos trabalhadores vindos de países africanos socialistas. Estes angolanos participam num curso em Dresden, em 1983, no Instituto para Segurança no Trabalho. Angola estava em guerra nessa altura. O chamado "Bloco de Leste" apoiava o Governo marxista-leninista do MPLA.
Foto: Bundesarchiv/183-1983-0516-022 /U. Häßler
Ajuda ao desenvolvimento para aliados políticos
Depois do fim do colonianismo português em África, em 1975, a Alemanha Oriental (RDA) apoiou os partidos socialistas que foram conquistando o poder. A ideia era fazer desses novos Estados africanos aliados e parceiros económicos do Bloco de Leste. Aqui, o angolano Eduardo Trindade recebe formação de mecânico de máquinas agrícolas (1979).
Foto: Bundesarchiv/183-U0213-0014/P. Liebers
Formação para jornalistas africanos
Não havia só formação para profissões técnicas. A Alemanha Oriental também formava jornalistas africanos. Centenas de jornalistas, de quase todos os países de África, passaram pela Escola de Solidariedade da Associação de Jornalistas da RDA, em Berlim-Friedrichshagen. Na foto: jovens jornalistas de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe durante o curso em dezembro de 1976.
Foto: Bundesarchiv/183-R1210-302
Cooperação no desporto
Esta foto foi tirada em setembro de 1989, em Leipzig, numa aula de atletismo da Escola Superior Alemã para Educação Física (DHfK), com treinadores de Angola, Nicarágua e Moçambique. Em Leipzig, a partir de 4 de setembro, os cidadãos começaram a exigir todas as segundas-feiras mais liberdade na RDA - primeiro eram centenas, depois dezenas de milhares. A 9 de novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim.
Foto: Bundesarchiv/183-1989-0929-019/ W. Kluge
Estudantes nas universidades da RDA
Moisés José da Costa, de Angola, fez parte de um grupo de estudantes de 34 países que frequentou a Escola Superior Técnica de Karl-Marx-Stadt em 1986. A cidade passou a chamar-se Chemnitz em 1990. Muitas ruas da Alemanha Oriental, com nomes de políticos marxistas, também foram renomeadas. Hoje, muitos estrangeiros que viveram na RDA têm dificuldade em encontrar endereços antigos.
Foto: Bundesarchiv/183-1986-1112-002/W. Thieme
"Escola da Amizade"
1983: O Presidente de Moçambique, Samora Machel (dir.), e Margot Honecker, ministra da Educação da RDA (esq.), encontram-se com a direção da "Escola de Amizade", na localidade de Staßfurt. Em 1979, ambos os países decidiram que 899 crianças moçambicanas frequentariam essa escola na Alemanha Oriental durante quatro anos. Algumas dessas crianças tinham apenas 12 anos de idade.
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-1983-0303-423/H. Link
Escola "Dr. Agostinho Neto"
Em outubro de 1981, durante uma visita do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, à Alemanha, a 26ª Escola de ensino médio da RDA "Berlim-Pankow" recebeu o nome do seu antecessor. Passou a chamar-se Escola "Dr. Agostinho Neto". Jovens da Alemanha Oriental receberam o Presidente angolano com cartazes propagandísticos, como: "Apoiando a União Soviética pela paz e socialismo."
O Presidente angolano José Eduardo dos Santos (o quinto, a partir da esq.) visitou o Muro de Berlim na Porta de Brandemburgo. O muro começou a ser construído em 1961 para impedir que a população da RDA fugisse para Berlim Ocidental, onde se tinha livre-trânsito para o Ocidente. Oficialmente, o muro era chamado de "Muralha Antifascista". Cerca de 200 pessoas morreram ao tentar fugir.
Foto: Bundesarchiv
Congresso do SED com convidados africanos
O Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) gostava de exibir os seus convidados estrangeiros. No 10° Congresso do partido, em 1981, recebeu Ambrósio Lukoki, do MPLA (atrás, à direita), e Berhanu Bayeh (atrás, o segundo à esq.), que mais tarde se tornou chefe da diplomacia da ditadura marxista-leninista etíope do Derg, período em que milhares de pessoas foram mortas.
Foto: Bundesarchiv/183-Z0041-138/M. Siebahn
Visitas a congressos partidários africanos
O contrário também era comum. Konrad Naumann (na segunda fila, à dir.), membro do SED, participou do 3° Congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) em Bissau, em novembro de 1977. O evento foi realizado sob o lema "Independência, Unidade e Desenvolvimento".
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-S1118-026/Glaunsinger
Acampamentos de verão para crianças e adolescentes
Também durante o período de férias, a RDA tentava educar as crianças de acordo com os ideais comunistas. E convidavam-nas para acampamentos de verão. Aqui também vinham convidados estrangeiros. Na foto, dois membros da organização juvenil da Alemanha Oriental "Pioneiros" explicam a uma criança da República Popular do Congo uma matéria do jornal "Die Trommel".
Foto: Bundesarchiv/183-T0803-0302
Fim-de-semana em casa de família alemã
As crianças estrangeiras que, em 1982, participaram no acampamento dos "Pioneiros" também passaram um fim-de-semana com famílias alemãs para conhecer o dia-a-dia na Alemanha Oriental. Elas foram de comboio até à cidade de Schwedt, na fronteira com a Polónia. Sandra Maria Bernardo, de Angola, foi recebida pela sua "mãe-anfitriã" Ingeborg Scholz e a filha Petra.
Foto: Bundesarchiv/183-1982-0731-010 /K. Franke
Solidariedade militar
1973: Combatentes do MPLA marcham durante o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que teve lugar no estádio da Juventude Mundial, no leste de Berlim. A RDA solidarizou-se com a luta do MPLA contra o poder colonial português. Os outros dois movimentos de libertação de Angola, a UNITA e a FNLA, foram apoiados pela África do Sul e EUA.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-M0814-0734/F. Gahlbeck
Hora do adeus
Depois de formados na RDA, namibianos despedem-se no aeroporto Berlim-Schönefeld. De 1981 a 1984, eles estiveram a receber formação na Alemanha Oriental. No entanto, não puderam regressar às suas casas porque a Namíbia só se tornou independente da África do Sul em 1990. Por isso, voaram para Angola, para trabalhar como técnicos de silvicultura, canalizadores ou mecânicos de automóveis.
Foto: Bundesarchiv/183-1984-0815-031/A. Kämper
A ajuda chega de avião
Na foto, uma aeronave da companhia aérea Interflug, pertencente à extinta RDA, no aeroporto de Luanda. A bordo: material escolar para crianças angolanas. Em 1978, além de Angola, o Comité de Solidariedade da Alemanha Oriental enviou donativos à Etiópia, Moçambique, Vietname, República Popular do Iémen e às organizações de libertação do Zimbabwe (ZANU), da Namíbia (SWAPO) e da África do Sul.
Foto: Bundesarchiv/183-T0517-0022/R. Mittelstädt
Tratores para aliados socialistas
Doação de máquinas agrícolas da fábrica de tratores Schönebeck (da RDA) para a Etiópia. Os tratores do tipo "ZT 300-C" eram comuns na Alemanha Oriental e foram exportados para 26 países. Incluindo Angola e Moçambique. (1979)
Foto: Bundesarchiv/183-U1110-0001/Schulz
Máquinas têxteis da RDA para a Etiópia
Fábrica têxtil na cidade de Kombolcha, na província etíope de Amhara (foto de novembro de 2005). Esta fábrica processa algodão para fazer lençóis e toalhas. Foi construída em 1984 com o apoio da RDA e da hoje extinta Checoslováquia. Quase todas as máquinas foram produzidas pelo consórcio TEXTIMA, na antiga cidade de Karl-Marx-Stadt, hoje Chemnitz.
Foto: picture-alliance/dpa
Construções pré-fabricadas da RDA em Zanzibar
Ainda hoje, é possível ver prédios, construídos a partir de elementos pré-fabricados, em Zanzibar, com os quais a Alemanha Oriental apoiou a Tanzânia socialista criada em 1964 sob o Presidente Julius Nyerere. Os materiais chegaram de navio e tiveram apenas de ser montados. "Michenzani" é o nome do projeto com mais de 1,5 km de comprimento.
Foto: cc-by-sa/Sigrun Lingel
RDA - Nostalgia em Maputo
Cerca de 15 mil moçambicanos trabalharam na Alemanha Oriental no final dos anos 80. A maioria voltou ao seu país de origem após a reunificação da Alemanha, a 3 de Outubro de 1990. Em casa, são chamados de "Madgermanes", uma palavra derivada de "Made in Germany". Até aos dias de hoje, eles reúnem-se com frequência no Jardim 28 de Maio, em Maputo, para reivindicar os seus direitos.