Segundo a UNICEF, cólera, malária e desnutrição são em geral alguns dos riscos para crianças após a passagem do ciclone Idai. E as crianças que ficaram órfãs após essa tragédia estão a receber assistência.
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Estima-se que três milhões de pessoas – mais da metade delas crianças – precisem de ajuda em Moçambique, Zimbabué e Malawi, os três países afetados pela passagem do ciclone Idai em meados de março. Entre as crianças que precisam de ajuda, há aquelas que perdem os pais em decorrência dessa tragédia, uma das maiores em pelo menos duas décadas a atingir a costa sudeste de África.
Doenças como cólera e malária, a desnutrição, além da destruição das casas nas comunidades são os principais riscos para as crianças hoje apontados pela UNICEF em Moçambique. E o trauma sofrido pelas mesmas, e sobretudo as órfãs, decorrente dessa catástrofe natural é um problema que também preocupa.
Além de casas, o ciclone Idai destruiu várias culturas agrícolas de que dependiam para sobrevivência a maioria das populações afetadas. A organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que o ciclone causou a perda de cerca de 750 mil hectares de colheitas na região centro de Moçambique, agravando a insegurança alimentar da área e do país.
Crianças órfãs
Em Moçambique, nas áreas afetadas pela passagem do ciclone, as crianças que perderam os seus pais estão a receber assistência de funcionários do Governo e de organizações internacionais. Estima-se que até o momento haja entre dez e 12 crianças nesta situação. O representante adjunto do UNICEF em Moçambique, Michel Le Pechoux, diz que há um trabalho específico para identificar aquelas que ficaram órfãs em decorrência da passagem do ciclone.
"Há alguns casos de crianças que perderam os seus pais. Algumas delas foram hospedadas em infantários. Nesses locais, os assistentes sociais estão a buscar parentes e familiares, onde as crianças poderiam voltar [às comunidades]", explica Le Pechoux.
À DW África, José Diquissone, o Diretor Provincial de Género, Criança e Ação Social da província de Sofala, uma das mais devastadas pela passagem do ciclone Idai, confirma que até o momento os "registos apontam 12 crianças que efectivamente ficaram nesta situação [órfãs]".
Em Chimoio, para mitigar a pobreza galopante que se acentuou após a devastação do ciclone Idai, represas agrícolas, de quintas coloniais, estão a ser transformadas em centro de pesca para centenas de miúdos, alguns órfãos e outros abandonados.
Riscos para crianças
Ciclone Idai: Crianças órfãs em Moçambique após a tragédia
Entre os principais riscos para as crianças vítimas do ciclone hoje apontados pela UNICEF estão as doenças como cólera e malária. Isso, por causa das enchentes que seguiram a passagem do ciclone. Também preocupam a desnutrição decorrente da devastação de áreas agrícolas, além da destruição de casas e infraestruturas nestas localidades.
Esforços recentes têm sido direcionados para garantir o retorno de crianças e suas famílias às suas comunidades dos locais devastados. Mas para as crianças que além de terem perdido as suas casas também perderam os seus pais, a situação pode ser mais grave.
Em Sofala, uma das áreas mais atingidas pelo Idai, o Diretor Provincial de Género, Criança e Ação Social de Sofala diz que ali elas estão a ser recolhidas no infantário provincial. Já "outras crianças órfãs - que perderam ou o pai, ou a mãe - poderão ser perfeitamente enquadradas nas estruturas familiares".
Para Michel Le Pechoux, representante da UNICEF em Moçambique, integrar essas crianças órfãs à comunidade e ao ambiente familiar, em vez de encaminhá-las aos orfanatos, deve ser preferível, "achamos que o infantário deveria ser uma medida provisória", explica.
Trauma
O trauma sofrido pelas crianças é outro aspeto a preocupar. Nos centros de atendimento às vítimas foram criados os espaços chamados "child friendly spaces". São locais onde as crianças recebem atendimento psicológico.
Segundo o psiquiatra alemão Dr. Volker Reinken, especialista no tratamento da depressão e burnout e médico chefe da clínica Akutklinik Urbachtal, na Alemanha, alguns sintomas são típicos após uma experiência traumática, tanto em adultos como em crianças.
"Típico de um trauma, ou um transtorno de estresse pós-traumático, por exemplo, é que nesta situação o afetado não consegue nem lutar, e nem sair da situação. Além disso, há o choque massivo e a confusão das funções cognitivas", explica.
A psique de um adulto e uma criança funcionam, a princípio, do mesmo modo, explica o médico. "Mas as crianças aprendem mais rápido do que adultos, por isso, quanto mais cedo a ajuda chegar naturalmente será melhor", diz o médico.
Além disso, de acordo com o especialista, alguns aspetos são importantes para o tratamento pós-traumático de vítimas, inclusive crianças. "Tratamento psicológico, estabilização, confrontação e integração".
Dados recentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância, a UNICEF, apontam que pelo menos 1,5 milhão de crianças precisam de ajuda urgente após a devastadora passagem do ciclone Idai pela costa sudeste de África. O ciclone Idai provocou 344 mortes no Zimbabué, 56 no Malawi e pelo menos 603 em Moçambique, deixando quase 70 mil pessoas deslocadas apenas neste último país.
Ciclone Idai: Um mês após a tragédia
O ciclone Idai já é uma das maiores tragédias da história de Moçambique. Atingiu a cidade da Beira a 14 de março, seguindo para oeste, em direção ao Zimbabué e ao Malawi, e a afetar milhões de pessoas.
Foto: Reuters/M. Hutchings
Depois do ciclone, ruínas
Na cidade da Beira, Ester Thoma caminha com o filho junto às ruínas da sua antiga casa, que foi quase completamente destruída pelo ciclone Idai. A cidade foi uma das mais afetadas pela passagem do ciclone, a 14 de março de 2019. Uma catástrofe que deixou um rasto de destruição e que já é uma das maiores tragédias da história do país.
Foto: Reuters/Z. Bensemra
O ciclone Idai visto pela NASA
Esta imagem de satélite foi feita pela NASA e mostra a aproximação do ciclone Idai à costa dos países africanos. "A situação é terrível, a magnitude da devastação é enorme", disse na ocasião o líder da equipa de avaliação da Cruz Vermelha na Beira, Jamie LeSueur.
Foto: NASA
Crise humanitária sem precedentes
Em Moçambique, o ciclone Idai afetou mais de 1,5 milhões de pessoas, segundo o mais recente balanço. Deixou pelo menos 602 mortos e 1.641 feridos. A 27 de março, as autoridades do país declararam um surto de cólera. Isso porque, após a passagem do ciclone, a 14 março, seguiram-se chuvas intensas e inundações.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Moisés, o bebé que nasceu em cima de uma árvore
Enquanto Moçambique avaliava os estragos do ciclone Idai, em toda a província de Sofala, cerca de 5 mil pessoas esperavam por socorro em cima de árvores e tetos de casas. Em Búzi, um dos distritos mais afetados pelo Idai, um bebé, que recebeu o nome de Moisés, nasceu em cima de uma árvore. Como a personagem bíblica, este Moisés também foi salvo das águas.
Foto: DW
Cheias em Tete
Em Tete, as cheias que seguiram à passagem do ciclone afetaram pelo menos 900 famílias. Dessas, cerca de 600 foram acolhidas no centro de acomodação do Instituto Industrial e Comercial de Matundo. Entretanto, as dificuldades foram enormes. Com a falta de tendas, as famílias juntavam os seus pertences debaixo de árvores.
Foto: DW/A. Zacarias
OMS contra a cólera
Uma mulher vítima de cólera é transportada por profissionais de saúde. Após o devastador ciclone Idai, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou estar a preparar-se para um possível aumento acentuado da doença. 900 mil vacinas contra a cólera foram enviadas para o país. Na cidade mais afetada, a Beira, foram instalados três centros de tratamento.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Mukwazhi
Depois do desastre, a cólera
Cerca de 800 mil pessoas foram vacinadas contra a cólera até 11 de abril, numa campanha para evitar a propagação da doença em quatro distritos afetados pelo ciclone Idai na província de Sofala. Dados oficiais indicam que pelo menos sete pessoas morreram devido ao surto, até 9 de abril, registando-se 535 casos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/T. Mukwazhi
Solidariedade alemã
O Governo da Alemanha aumentou a ajuda humanitária para um total de 5 milhões de euros. Diversas organizações humanitárias e igrejas cristãs pediram donativos. Cruz Vermelha alemã, Caritas Alemanha, Diocese de Hamburgo, Diakonie Katastrophenhilfe, Action Medeor, foram algumas das instituições alemãs que estiveram a apoiar os moçambicanos.
Foto: Aktionsbündnis Katastrophenhilfe
Artistas e desportistas apoiam vítimas
O concerto solidário "Mão dada a Moçambique" promovido pela cantora moçambicana Selma Uamusse, decorreu no dia 2 de abril em Lisboa e conseguiu angariar cerca de 300 mil euros para as vítimas do Idai. Surfistas e futebolistas em Portugal uniram-se ao movimento de solidariedade em vários eventos. Houve também concertos para angariar fundos em Nampula e no Niassa, no norte de Moçambique.
Foto: Vera Marmelo
Falta de médicos e medicamentos nos hospitais da Beira
Equipas da cruz vermelha trabalham para ajudar sobreviventes. Mas nos postos de saúde da Beira, a cidade mais afetada pelo ciclone Idai, há longas filas de pacientes, todos os dias. Queixam-se da falta de médicos e de medicamentos. A Cruz Vermelha Portuguesa montou um hospital de campanha em Macurungo, que diariamente atende mais de 300 pessoas.
Foto: Reuters/IFRC/RCRC Climate Centre
Sem electricidade
Um mês após o ciclone, a empresa estatal Electricidade de Moçambique (EDM) anunciou que precisa de 106 milhões de euros para a recuperação das infraestruturas destruídas pelo ciclone Idai no centro do país. Mais de 95% dos clientes da EDM nas províncias de Sofala, Manica, Tete e Zambézia ficaram sem energia elétrica.
Foto: Getty Images/AFP/A. Barbier
Ajuda para reconstruir o futuro
Enquanto os moçambicanos tentam reconstruir as suas vidas, a Comissão Europeia anunciou na terça-feira (09.04) uma verba adicional de 12 milhões de euros de ajuda humanitária para as populações afetadas pelo ciclone Idai em Moçambique. Esse país receberá a maior fatia da ajuda (sete milhões de euros), seguido por Zimbabué (quatro milhões) e Malawi (um milhão de euros).