Idai: Gasolina chega, mas há especulação de preços em Manica
Bernardo Jequete (Chimoio)
26 de março de 2019
Combustível escasseou na província de Manica, centro de Moçambique, devido a ciclone Idai. Agora, a gasolina começa a chegar, mas há denúncias de que só alguns têm acesso a "diesel". Enquanto isso, a vida fica mais cara.
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A gasolina está a chegar à província de Manica, após vários dias em falta. Foi trazida de outras zonas, enquanto não foram desbloqueadas as estradas para a Beira, a cidade mais afetada pelo ciclone Idai.
Os automobilistas respiram de alívio. O moto-taxista Júlio José ficou sem trabalhar durante alguns dias, devido à falta de combustível. Quem tinha gasolina, chegou a vendê-la a quase o dobro do preço habitual, segundo Júlio José: "Há vezes em que recorríamos a alguns lugares nos bairros e comprávamos a 100 meticais [o equivalente a 1,40 euros] por litro."
Agora que voltou a haver gasolina, o moto-taxista diz que pode voltar a trabalhar "normalmente".
Gasóleo só para alguns?
No entanto, continua a faltar "diesel". E o automobilista Marcelino Jorge afirma que há bombas que só estão a vender gasóleo a conhecidos ou a veículos prioritários do Estado ou de parceiros de cooperação.
"Nas bombas, sem você ter alguém conhecido não abastece. Outras bombas têm combustível e simplesmente atendem o Estado, que traz requisição, e nós não temos acesso", denuncia Marcelino Jorge.
Numa entrevista aos jornalistas sobre a falta de combustíveis, Ronaldo Naico, porta-voz do governo provincial de Manica, disse esperar que a situação seja regularizada em breve.
"Todas as gasolineiras têm combustível, em termos de abastecimento. Não registamos nenhum comportamento de aumento do preço de combustíveis", afirmou. "É óbvio que ainda continuamos a receber o combustível de Quelimane e do porto de Nacala, esperando que as condições do porto da Beira voltem à normalidade. Tendo em conta que já há transitabilidade para a cidade da Beira, acreditamos que nos próximos momentos não teremos rotura de stock de combustível."
Especulação de preços
Apesar de, segundo o Governo, não haver especulação de preços de combustíveis, o mesmo não acontece em relação aos preços dos produtos alimentares básicos como arroz ou farinha de trigo, depois da passagem do ciclone Idai.
Idai: Gasolina chega, mas há especulação de preços em Manica
"Os preços do pão, do trigo e da farinha já subiram", afirma Manuel Filipe, residente em Chimoio. "Acordei e fui à padaria. Queria comprar pão e, de repente, ouvi dizer que o pão custa oito meticais [cerca de 10 cêntimos de euro]. Saí de casa sem matabichar, porque seria menos um pão para a minha família, e tive que dar prioridade à minha família."
"Tudo está de qualquer maneira", lamenta o munícipe.
Evaristo Alberto, outro cidadão entrevistado pela DW África em Chimoio, faz um apelo ao governo: "Estamos mal. Pedimos a quem de direito para ver esta situação."
Não foi só o preço de alimentos básicos que aumentou. O cimento para construção também está mais caro. Ronaldo Naico, porta-voz do governo provincial de Manica, adverte que serão tomadas medidas contra comerciantes que sejam apanhados a especular preços - tal como a "apreensão de mercadorias e multa".
"Não podemos aproveitar a ocasião da intempérie para especular os preços", avisou Naico.
Ciclone Idai: Crise humanitária no centro de Moçambique
Pelo menos 447 pessoas morreram e centenas de milhares ficaram desalojadas devido a ciclone Idai. É a "pior crise humanitária na história recente de Moçambique", diz a Cruz Vermelha. Autoridades temem eclosão de doenças.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Tragédia em Moçambique
Todos os dias continuam a chegar pessoas a centros de acolhimento, todos os dias são anunciados mais mortos no centro de Moçambique. A extensão dos danos provocados pelo ciclone Idai ainda não é totalmente conhecida. O último balanço das autoridades aponta para, pelo menos, 447 mortos e centenas de milhares de pessoas afetadas.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Vítimas esperam e desesperam
Há pessoas nos telhados à espera de ajuda, mais de uma semana depois da passagem do ciclone Idai. E a ajuda muitas vezes "não chega", diz Anabela Lemos, da organização não-governamental moçambicana Justiça Ambiental. "O povo precisa de uma resposta de emergência agora mesmo para sobreviver a esta crise", conclui.
Foto: Reuters/M. Hutchings
Destruição
O ciclone Idai destruiu uma área superior a 3.000 quilómetros quadrados (cerca de dez vezes a área da cidade de Maputo), estimam as autoridades moçambicanas. Dezenas de milhares de casas ficaram destruídas. O ciclone destruiu ainda estradas e pontes, e árvores e postes caíram nas vias, impedindo a circulação de veículos.
Foto: Reuters/M. Hutchings
"Emergência de mais alto nível"
O Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas diz que a situação no centro de Moçambique é "uma emergência de mais alto nível". A Beira foi a cidade mais afetada. O Governo e organizações não-governamentais têm distribuído ajuda à população. O PAM já deu assistência alimentar de emergência a mais de 115 mil pessoas. Mas as vítimas continuam a alertar que falta comida.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Acesso a comida e água potável
A diretora-executiva da UNICEF Portugal alertou que a situação em Moçambique é "avassaladora". Segundo Beatriz Imperatori, há "milhares de crianças desamparadas e que necessitam de apoio alimentar, de abrigo e de condições de saneamento com caráter de urgência". Helicópteros lançam biscoitos energéticos em zonas isoladas pelas águas. A falta de acesso a água potável é também uma preocupação.
Foto: Reuters/Josh Estey/Care International
Receio de eclosão de doenças
As autoridades temem a eclosão de doenças devido às águas paradas e à falta de saneamento básico. Daviz Simango, edil da Beira, disse em entrevista à agência de notícias Lusa que há registo de várias mortes com sintomas de cólera. E teme-se um "pico" de casos de malária. A Organização Mundial de Saúde aprovou o envio para a região de 900 mil vacinas orais contra a cólera. E são precisas latrinas.
Foto: Reuters/M. Hutchings
Extensão das inundações
A vermelho é possível ver a extensão das inundações na zona da Beira. A UNICEF alerta que os países afetados pelo ciclone Idai - Moçambique, Zimbabué e Malawi - não conseguem dar conta dos estragos. Por isso, as Nações Unidas pedem que os apoios externos sejam canalizados para a reconstrução de infraestruturas e para o "repensar da economia", diversificando as fontes de rendimento dos cidadãos.
Foto: ESA
Resgate e apoio financeiro
As operações de resgate continuam para encontrar sobreviventes do ciclone em zonas remotas. As Nações Unidas pediram 282 milhões de dólares para apoiar Moçambique nos próximos três meses - para água potável, saneamento, educação e reabilitação dos meios de subsistência dos populares.
Foto: Getty Images/AFP/M. Vermaak
Esforço conjunto
Todos os dias, pessoas são resgatadas. Camiões tentam levar ajuda humanitária a quem precisa, apesar das más condições das estradas na cidade da Beira. Há também um esforço para reconstruir esta localidade o mais depressa possível: a autarquia da Beira autorizou a reconstrução de casas e infraestruturas destruídas pelo ciclone Idai, sem ser necessária uma licença prévia das autoridades.
Foto: pictur- alliance/AP Photo/CARE/J. Estey
Gestão da ajuda às vítimas
A Cruz Vermelha diz que está a ser montado um hospital de campanha na Beira e há outro a chegar. Deverá também chegar um sistema de saneamento e uma unidade de purificação de água para milhares de pessoas. A cidade tem recebido ajuda um pouco de todo o lado. O Centro de Integridade Pública pede que a sociedade civil ajude a gerir os apoios às vítimas do ciclone Idai, para garantir transparência.