Um ano após ciclone Kenneth, Covid-19 e cólera são desafios
Lusa | kg
25 de abril de 2020
Um relatório da Organização Internacional das Migrações diz que a província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, tenta recompor-se dos estragos, enquanto sofre os efeitos da cólera e da pandemia do novo coronavírus.
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A população do norte de Moçambique ainda tenta recompor-se dos estragos do ciclone Kenneth, que atingiu o país há exatamente um ano. Além de enfrentar a ameaça de violência armada, a província de Cabo Delgado ainda sofre os efeitos da Covid-19 e a cólera, destacou este sábado (25.04) a Organização Internacional das Migrações (OIM).
"Ao mesmo tempo que ainda estão a trabalhar para recuperar, um ano depois do ciclone Kenneth, muitas famílias em Cabo Delgado são afetadas pela insegurança, e chegou mais um desafio sob a forma da Covid-19", disse Laura Tomm-Bonde, representante da OIM em Moçambique.
A 25 de abril de 2019, o ciclone Kenneth matou 45 pessoas em Moçambique. Cerca de 370.000 pessoas foram afetadas, segundo as Nações Unidas. "Estas famílias já eram muito vulneráveis", destaca um relatório da OIM.
"Devemos continuar a trabalhar com urgência, em conjunto com o Governo de Moçambique e os parceiros humanitários neste período de alto risco para garantir que as comunidades vulneráveis tenham acesso aos serviços básicos essenciais e para reforçar as medidas de prevenção contra a propagação da Covid-19", assinala o documento.
O ciclone fez 123.800 pessoas perderem bens alimentares em 26 povoações no norte de Moçambique, indica o relatório. Além das mortes, os ventos superiores a 200 quilómetros por hora e a chuva intensa arrasaram aldeias inteiras, destruíram 55.500 hectares de terrenos agrícolas, arrancaram 100.000 coqueiros e cajueiros e destruíram equipamentos de pesca artesanal.
Covid-19 em Cabo Delgado
A província de Cabo Delgado concentra a maior parte dos 70 casos da Covid-19 registados em Moçambique. Não houve nenhum óbito no país.
Ciclone Kenneth: Famílias ainda esperam realojamento
01:52
Segundo a OIM, Cabo Delgado é especialmente vulnerável ao contágio, uma vez que "uma das mais elevadas taxas de infeção pelo HIV/SIDA em Moçambique", existindo "a preocupação de que a Covid-19 seja difícil de controlar se espalhar-se dentro dessas comunidades".
A província de Cabo Delgado também situa-se ao longo de uma rota de migração internacional, com migrantes provenientes do Corno de África com destino à África do Sul. "Assim, a Covid-19 em Cabo Delgado agrava outras vulnerabilidades. As famílias deslocadas vivem em espaços apinhados de famílias de acolhimento, o que pode colocá-las em maior risco de contágio. Isso torna o apoio da OIM ao abrigo de famílias deslocadas cada vez mais crítico", sublinha a organização.
Além da Covid-19, a região tem de enfrentar a cólera. No primeiro trimestre deste ano, a resposta de emergência à doença atingiu o seu auge, diz a OIM.
Violência
O comunicado da OIM faz ainda referência à insegurança em Cabo Delgado. Em causa estão os ataques de grupos armados, classificados como uma ameaça terrorista, segundo organizações internacionais. Desde o início dos ataques, em 2017, 400 pessoas foram mortas e 162.000 pessoas perderam os seus bens ou foram obrigadas a abandonar suas casas em busca de locais seguros.
No final de março, as vilas de Mocímboa da Praia e Quissanga foram invadidas por um grupo que destruiu várias infraestruturas e içou a sua bandeira num quartel das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique.
Num vídeo distribuído na internet, um alegado militante 'jihadista' afiliado do grupo Estado Islâmico justificou os ataques de grupos armados no norte de Moçambique com o objetivo de impor uma lei islâmica na região.
Ciclones em Moçambique: Agora, a reconstrução
A cidade da Beira recebe durante dois dias a conferência internacional de doadores, após os ciclones Idai e Kenneth. Os ciclones afetaram mais de 1,5 milhões de pessoas. Este é um retrato de um país abalado.
Foto: Lena Mucha
Ajuda chega à Beira
Helena Santiago, de 53 anos, trabalha nos escombros da sua casa no bairro dos CFM - Maquinino, na Beira, onde vive com o marido e oito filhos. A sua casa não resistiu ao ciclone Idai. A conferência internacional de doadores que começa esta sexta-feira (31.05) na Beira poderá ser uma esperança para muitos afetados como Helena Santiago, pois uma das metas é a reconstrução.
Foto: Lena Mucha
Beatriz
Beatriz é fotografada com três dos sete filhos em frente ao seu campo de milho devastado. A sua aldeia natal, Grudja, esteve dias a fio debaixo de água. Beatriz e os filhos conseguiram salvar-se das enchentes que surpreenderam os moradores na manhã de 15 de março. Durante três dias, as pessoas ficaram à espera de ajuda no telhado da escola ou em cima das árvores, ou até que a água baixasse.
Foto: Lena Mucha
Centro de saúde destruído
Pacientes e crianças estão à espera de serem atendidos por uma equipa de emergência em frente ao centro de saúde de Grudja. O centro foi completamente destruído pelas inundações. Medicamentos e materiais de tratamento ficaram inutilizáveis devido à água.
Foto: Lena Mucha
Salvação
No telhado da escola primária Nhabziconja 4 de Outubro, muitas das pessoas salvaram-se das inundações. Algumas semanas depois do desastre, esta escola conseguiu retomar as aulas. Muitas outras escolas, no entanto, continuam fechadas.
Foto: Lena Mucha
Regina
Regina trabalha com a sogra, Laina, na sua propriedade. Antes da passagem do ciclone, Regina morava com o marido e os cinco filhos numa aldeia próxima de Grudja. As inundações destruíram a sua casa e as plantações. Ela e o marido refugiaram-se em cima de uma árvore e sobreviveram. Alguns dos seus filhos morreram nas inundações, outros ainda estão desaparecidos.
Foto: Lena Mucha
No Revuè
O rio Revuè, na localidade de Grudja, transbordou devido às fortes chuvas após o ciclone, inundando grande parte das terras circundantes. Nesta foto, tirada depois do nível da água ter voltado ao normal, estas mulheres lavam a roupa nas margens do rio.
Foto: Lena Mucha
Campos arruinados
Nesta imagem, as jovens Elisabete Moisés e Victória Jaime e Amélia Daute, de 38 anos, estão num campo de milho arruinado. Como muitos outros, tiveram que esperar vários dias nos telhados de Grudja depois das fortes chuvas, em meados de março. 14 dos seus vizinhos, incluindo 9 crianças, afogaram-se durante as inundações.
Foto: Lena Mucha
Escola primária tornou-se hospital
Mulheres e crianças estão à espera de tratamento médico, dado por uma equipa de emergência numa escola primária no distrito de Búzi, a oeste da cidade costeira da Beira. O ciclone Idai atingiu a costa moçambicana nesta cidade de cerca de 500 mil habitantes no dia 15 de março.
Foto: Lena Mucha
Fila para sementes
Em muitas partes do país, as plantações ficaram destruídas pelas enchentes. Durante um ano, pelo menos 750 mil pessoas deverão ficar dependentes de alimentos, segundo estimativas do Programa Alimentar Mundial. Em Cafumpe, no distrito de Gondola, 50 famílias receberam sementes de milho, feijão e repolho da organização de assistência alemã Johanniter e da ONG local Kubatsirana.
Foto: Lena Mucha
Reconstrução
Em Ponta Gea, na Beira, regressa-se à vida quotidiana. Muitas infraestruturas foram destruídas pelo ciclone. Nesta foto, cabos de energia destruídos e linhas telefónicas estão a ser reparados. Mas, a poucos quilómetros daqui, aldeias inteiras precisarão de ser reconstruídas. Em muitos sítios, ainda falta água e alimentos.