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Cimeira da UA pretende reforçar o comércio panafricano

António Cascais
17 de fevereiro de 2023

África é uma das regiões menos integradas do mundo. As barreiras comerciais dificultam a cooperação. Na cimeira deste ano da UA, deverão ser tomadas medidas concretas para uma maior cooperação.

Foto: AFP/Getty Images

O tema central do encontro dos chefes de Estado e Governo em Adis Abeba, capital da Etiópia, neste fim de semana, já está definido: "A Cimeira da União Africana (UA) deste ano será dominada pela questão de como podemos fazer avançar a Zona de Livre Comércio Continental Africana AfCFTA", segundo o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros etíope, Meles Alem Tekea.

Além de 51 delegações africanas, aguarda-se também a presença de vários países não pertencentes à UA, nomeadamente Portugal, Espanha, Qatar, Noruega e Japão.

A presidência rotativa da UA passará do chefe de Estado senegalês Macky Sall para o Presidente das Comores, Azali Assoumani. A nação insular lançou uma intensa campanha para assumir a liderança pela primeira vez na história da instituição, depois do Quénia ter retirado a sua candidatura, confirma Solomon Muchie Abebe, jornalista e cofundador da associação etíope de meios de comunicação social EMMPA, que está a observar a cimeira para a DW.

O observador adianta que se aguarda da nova presidência que faça da expansão da zona de livre comércio uma das suas prioridades, diz Salomão. A maior zona de livre comércio do mundo foi lançada em 2021, mas a implementação tem sido lenta: até dezembro passado, apenas um punhado de países tinham comercializado mercadorias ao abrigo do acordo.

O Presidente dos Comores Azali Assoumani (esq) sucede ao seu homólogo Maky Sall à frente da UAFoto: Kiyoshi Ota/Mast Irham/AP/picture-alliance

Muitos preconceitos

O acordo de livre comércio africano visa promover o comércio e a integração económica do continente. Mas a ideia de um mercado único africano com ampla e livre circulação de bens, serviços e pessoas não tem o apoio incondicional de toda a África, diz a diplomata queniana Maureen Achieng, que representa a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) na cimeira da UA, e lançou uma campanha para a rápida implementação do acordo.

Muitos países receiam que a AfCFTA conduza a movimentos migratórios descontrolados, agravando a situação nos mercados de trabalho. "É um erro", afirma Achieng na da UA na internet: "Há todos estes preconceitos erróneos de que os migrantes se deslocam em massa e tiram emprego à população local. Mas nós sabemos que não é esse o caso. Portanto, estamos a sensibilizar mais para a AfCFTA. Queremos deixar claro que a troca de bens só cresce se assegurarmos a livre circulação de pessoas", afima Achieng.

Cargueiros no porto queniano de MombasaFoto: Joerg Boethling/IMAGO

Onde anda a "Agenda 2063"?

Segundo o representante permanente da Etiópia junto da UA, Ayele Lire, a 36ª cimeira da instituição deverá também avaliar o estado do plano de desenvolvimento africano Agenda 2063. "Passaram dez anos desde que a Agenda 2063 da União Africana foi lançada. Portanto, é tempo de avaliarmos como temos trabalhado e progredido", disse o diplomata.

Os estados membros da UA adoptaram em 2013 uma visão comum para o desenvolvimento de África ao longo dos próximos 50 anos à qual chamaram Agenda 2063. O objetivo da agenda é criar uma "África de sucesso, baseada no crescimento inclusivo e no desenvolvimento sustentável". Será uma África cujo desenvolvimento parte do povo, aproveitando o seu potencial, especialmente o das mulheres e dos jovens, lê-se nas publicações oficiais da UA.

Há que investir na educação, adverte a sociedade civil africanaFoto: Sitoi Lutxeque/DW

"Os objetivos da Agenda 2063 são importantes e devem ser perseguidos com vigor. Sobretudo a juventude do continente não deve perder de vista estes objetivos", diz a diplomata, feminista e ativista tunisina, Aya Chebbi, nomeada, em novembro de 2018, para o novo cargo de primeira responsável da União Africana para a juventude.

"Os jovens em África veem os benefícios da Agenda 2063 e estão a mobilizar-se em torno desta visão", diz Chebbi, especificando que se trata de reconhecer e acabar com a violência baseada no género, de combater o desemprego e a corrupção dos jovens e de enfrentar a crise climática, "entre outras coisas".

Falta investimento na educação

Adriano Nuvunga, chefe da organização não governamental moçambicana Centro para o Desenvolvimento e a Democracia (CDD), concorda que a implementação da Agenda 2063 seja discutida na cimeira.

Uma visão para uma África unida, próspera e pacífica até ao ano 2063 é, em princípio, algo positivo, acrescenta o ativista dos direitos humanos e docente universitário na capital moçambicana. O objetivo da Agenda 2063 de "melhorar os padrões educacionais e implementar uma expansão maciça dos sistemas escolares públicos em toda a África" é particularmente "louvável", disse Nuvunga à DW. Mas atualmente a agenda não passa de uma declaração de intenções, que não reflete a realidade na maioria dos países africanos.

O ativista moçambicana Adriano Nuvunga receia que a cimeira recuse uma discussão honesta dos problemas de ÁfricaFoto: Roberto Paquete/DW

"Praticamente todos os países em África atravessam, há anos, uma fase de destruição do sistema de escolas públicas. Em nenhum lado há investimento suficiente na educação. Se as coisas continuarem assim, será impossível alcançar os objetivos da Agenda África 2063", afirma Nuvunga.

O que se aplica à educação também se aplica à maioria dos demais objetivos de desenvolvimento da Agenda 2063, acrescenta o ativista, que conclui que a Agenda 2063 não é mais do que um "tema que soa bem" para mais uma conferência da União Africana que resultará num novo edifício e muitos postos bem pagos. O que falta é uma visão real para o futuro. "O meu receio é que também nesta cimeira não haja espaço para uma discussão realmente honesta e profunda dos problemas do continente".

 

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