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Cimeira EUA-África: O que está em jogo para o continente?

Isaac Kaledzi
12 de dezembro de 2022

Evento é oportunidade para EUA recuperarem a sua influência em África, defendem analistas, que afirmam que líderes africanos devem insistir em acordos de comércio justos.

Presidente norte-americano, Joe Biden
Foto: Nathan Posner/AA/picture alliance

Cerca de 50 delegações africanas, incluindo chefes de Estado e altos funcionários governamentais, participam, a partir desta terça-feira (13.12), na cimeira de líderes EUA-África, em Washington.

O evento acontece numa altura em que a administração do Presidente Joe Biden tenta demonstrar o seu compromisso com o continente africano. Razão pela qual, defendem analistas à DW, os líderes africanos devem insistir em acordos de comércio justos e em melhores parcerias económicas com o país.

Daniel Amateye Anim, economista-chefe da Iniciativa Política para o Desenvolvimento Económico de África, é da opinião que os líderes africanos, não só devem estar presentes nesta cimeira, como fazer notar a sua presença. Ou seja, explica, "nós [africanos] devemos saber o que queremos. Temos de lhes dizer que estamos prontos para negociar com eles [EUA]", disse.

A negociação de acordos económicos justos para melhorar as economias africanas deveria ser a prioridade das várias delegações presentes na cimeira, acrescenta Daniel Anim. Uma opinião partilhada também por Martin Adat, analista político queniano.

"Eles [líderes africanos] não devem entrar como pedintes, mas sim ser parte de uma parceria com ganhos mútuos", disse.

China lidera intercâmbio comercial com África e é também maior credor dos países africanosFoto: AFP via Getty Images

A Lei de Crescimento e Oportunidades para África (AGOA) tem estado no centro da política económica e do envolvimento comercial dos EUA com África desde a sua promulgação, no ano 2000. O programa concede isenção de impostos e taxas aduaneiras para a entrada de mais de 1800 produtos africanos no mercado dos Estados Unidos.

À DW, Daniel Anim diz que o continente não "explorou as oportunidades e potencialidades da [AGOA] ao máximo".

O programa chega ao fim em 2025, no entanto, há indicações de que a administração Biden poderá querer melhorá-lo para promover uma maior integração em África.

EUA vs. China

Já o analista queniano Martin Adat entende que a AGOA foi ultrapassada por vários acontecimentos, nomeadamente, a influência da China [no continente] e o acordo da Área de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA), operacional desde 1 de janeiro de 2021.

"A AGOA já não é eficaz como na presidência de Clinton. Na altura, teve um grande impacto, mas agora a maioria das coisas que estão a ser exportadas nem sequer são produzidas no continente. As matérias-primas são provenientes da China", frisa.

A Comissão da União Africana disse, em comunicado, que a "cimeira desta semana incluirá novas iniciativas para aumentar o envolvimento dos EUA com a AfCFTA".

A China lidera agora o intercâmbio comercial com África, com quase duas vezes mais do que o investimento estrangeiro direto dos EUA no continente. Pequim continua também a ser o maior credor dos países africanos.

Desde junho de 2019, os EUA concluíram 800 transações comerciais e de investimento nos dois sentidos em 45 países no valor de cerca de 50 mil milhões de dólares, de acordo com o Serviço de Pesquisa do Congresso norte-americano.

Os mesmos dados mostram que, só em 2020, a China realizou negócios num total de 735 mil milhões de dólares com 623 empresas. Por sua vez, os EUA investiram, desde 2019, 22 mil milhões de dólares em 80 empresas em África.

Presidentes da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e do Zimbabué, Emmerson Mnangagwa, não estarão presentes na cimeiraFoto: AFP/Getty Images

Há já algum tempo que África olha para a China e para a Rússia como parceiros promissores, algo que preocupa os EUA. Washington já avisou, inclusive, os países africanos para terem cuidado.

O analista Martin Adat diz que a fraca presença dos EUA em África, que deverá ser tema nesta cimeira, poderá conhecer novos rumos.

"Os chineses ultrapassaram os americanos e agora o mundo ocidental liderado pelos EUA está a tentar voltar a ter uma presença significativa no continente", disse.

Chidi Blyden, subsecretária adjunta de Defesa para Assuntos Africanos dos EUA, reconhece que o seu país terá de voltar a olhar para o seu posicionamento no continente e para o tipo de parcerias que pretende estabelecer.

Em resposta a uma questão colocada pela DW, numa conferência de imprensa, na semana passada, Blyden afirmou: "Os nossos parceiros africanos disseram-nos - e concordamos inteiramente - que não querem ter de escolher entre trabalhar com os Estados Unidos e outros parceiros internacionais, e a China. E nós respeitamos isso".

Chidi Blyden disse ainda que é compromisso de Washington "ouvir e compreender" quais as necessidades dos países" africanos.

No entendimento do economista Daniel Anim, África deve utilizar a narrativa China-Rússia em seu benefício.

"De facto, eles [EUA] não estão muito à vontade com a China e a presença da Rússia no continente, pelo que devemos usá-la como um instrumento para atrair mais financiamento", disse.

Apoio à segurança

A segurança, especialmente na República Democrática do Congo, Somália e na região do Sahel, onde grupos terroristas continuam a causar destruição, deverá também ser discutida, disse Adat.

Segurança no continente africano deverá ser um tema debatido na cimeiraFoto: Issouf Sanogo/AFP/Getty Images

"Os americanos estão muito empenhados [na questão da segurança], especialmente no Corno de África, onde têm um certo interesse. A instabilidade na Somália afetou a forma como os americanos fazem várias coisas", afirmou.

Chidi Blyden considera que "os EUA continuam empenhados em trabalhar com os parceiros africanos para enfrentar os desafios [de segurança] na África Ocidental e no Sahel". 

No entanto, acrescenta a subsecretária, os EUA não tencionam concentrar-se apenas numa abordagem militar para pôr fim à maior parte das crises de segurança no continente. "Estamos a tentar aprender com os esforços do passado no Sahel e assegurar que contamos com a colaboração dos nossos parceiros africanos", explicou. 

Outras áreas de foco

Quando a primeira cimeira de líderes EUA-África foi realizada em 2014, durante a administração do ex-Presidente Barack Obama, foram discutidas iniciativas em áreas como a energia, serviços financeiros, alterações climáticas, segurança alimentar e cuidados de saúde.

Espera-se também que a cimeira de 2022 dê prioridade a questões semelhantes, ao mesmo tempo que coloca uma ênfase ainda maior em iniciativas bilaterais de comércio e investimento, afirmou a Casa Branca.

A Comissão da União Africana disse também, em comunicado, que a cimeira irá debater iniciativas que "impulsionem a recuperação do continente da pandemia provocada pela Covid-19, reforcem a segurança alimentar e promovam o investimento em infraestruturas, saúde e projetos de energias renováveis".

Ausência de cinco países

No entanto, nem todos estarão presentes na cimeira. A Casa Branca confirmou que o Burkina Faso, Mali, Guiné-Conacri e Sudão não foram convidados. A exclusão prende-se com o facto da União Africana os ter suspendido após os recentes golpes de Estado ocorridos em cada um deles.

O quinto país ausente é a Eritreia, uma vez que os EUA não têm relações diplomáticas com o país.

Também ausente estará o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, dada a realização do congresso nacional do seu partido, que arranca no próximo dia 16 de dezembro.

Mas os chefes de Estado de Angola, Nigéria, Quénia e Uganda são esperados em Washington. O presidente da Comissão da União Africana, Musa Faki Mahamat, também deverá estar presente.

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