O posicionamento da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) sobre a crise em Cabo Delgado está a ser alvo de críticas em Moçambique. Mas também há quem afirme que o bloco está apenas a ser cauteloso.
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Opiniões de analistas divergem em relação ao posicionamento da SADC na chamada "Dupla Troika", ocorrida na quinta-feira (08.04), em Maputo, sobre a crise de segurança em Cabo Delgado. A declaração final do encontro do bloco de países da África Austra indica a criação de uma equipa técnica que ainda vai avaliar as necessidades de apoio que Moçambique precisa para combater o terrorismo.
Os resultados da avaliação serão apresentados na reunião extraordinária da organização agendada para 29 de abril. O analista político Dércio Alfazema, do Instituto para Democracia Multipartidária (IMD), entende que este posicionamento é cauteloso.
Cabo Delgado: traumas de guerra, sonhos de paz
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"Esta reunião da SADC decorre da situação do ataque a Palma que despertou todo o mundo e que a SADC imediatamente se posicionou e realizou esta cimeira com carácter de urgência. Temos que dar tempo para que as decisões sejam consistentes e com bases e evidências seguras", diz.
Dércio Alfazema acredita que faz sentido este período de 20 dias em que se vai avaliar as necessidades de apoio a Moçambique porque, como diz, o terrorismo não se combate de forma unilateral. "É preciso o envolvimento de outros atores e outros países até porque a rede terrorista envolve muitos países. Eu penso que Moçambique está a avançar na perspetiva de se abrir a outros atores mas de forma controlada."
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Posição espelha fragilidade da SADC
Já para o académico Mohamed Yassin, esta posição da SADC revela-se vazia e espelha a fragilidade da organização. O bloco de países da África Austral não pode fazer mais nada, senão produzir um comunicado que cumpre meras formalidades, diz o professor. "E um comunicado como aquele vai de encontro com aquilo que Moçambique quer. Na verdade o que quer não é a intervenção da SADC, é mera formalidade", argumenta.
O académico considera que há dois objetivos claros a longo prazo para Moçambique: "O primeiro é dizer fiz aproximação ao bloco regional que mostrou incapacidade de resolver o problema e abrindo a possibilidade de Moçambique escolher quem na verdade quer que lhe resolva o problema."
Segundo Yasin, a posição da SADC revela que Moçambique quer apenas dar o ponto de situação do conflito no norte do país. "Moçambique quer legitimar um preceito regional que na verdade faz parte da própria constituição da SADC. Moçambique ao aproximar-se da SADC já deixou claro antes do encontro que não quer uma intervenção da SADC, na verdade quer que a SADC tenha um conhecimento real sobre o que está a acontecer em Moçambique", conclui.
O terrorismo no norte de Moçambique já ceifou vida a mais de 2.000 pessoas e fez mais de 700 mil deslocados.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.