CIP: Financiamento da saúde em Moçambique não é transparente
Leonel Matias (Maputo)
18 de setembro de 2019
Estudo do Centro de Integridade Pública aponta para falta de transparência na ajuda ao desenvolvimento a Moçambique, nomeadamente no financiamento ao setor da saúde. Organização aponta dificuldades de monitorização.
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A análise do Centro de Integridade Pública (CIP) que compreende o período entre 2012 e 2018, identifica que, nos últimos anos, o país registou uma dependência significativa do apoio dos parceiros externos para financiar intervenções no setor da saúde.
Entre 2012 a 2016, a ajuda teve um peso médio de 61% no financiamento das despesas correntes do setor da saúde, exceptuando o ano de 2015, em que chegou aos 84%.
O financiamento registou, no entanto, um abrandamento acentuado em 2016, "46% em relação ao ano anterior", refere o investigador Ben Hur Cavelane. "Este abrandamento encontra a sua explicação dentro de um contexto da descoberta das dívidas ilegais, que precipitou assim a retirada dos parceiros de apoio programático", sublinha.
Em 2017, o financiamento desceu para 32% e em 2018 voltou a registar-se uma queda para 23,3%.
Informação não é suficiente
"O CIP constata que, formalmente, o Governo reconhece a importância da transparência da ajuda", diz Cavelane. "No entanto, evidências relacionadas com a disponibilidade de informação em plataforma, assim como a falta de publicação dos instrumentos e respetiva disponibilização ao público mostram que, na prática, não há cometimento com o assunto", ressalva.
CIP: Financiamento da saúde em Moçambique não é transparente
O investigador refere que o Ministério da Economia e Finanças, através dos relatórios anuais de execução orçamentais, apresenta alguma informação sobre o setor da saúde, só que não é suficiente para a monitorização por parte da sociedade civil e de outros grupos interessados.
Ben Hur Cavelane acrescenta que o Ministério da Saúde não divulga os relatórios do setor na página web e noutras plataformas, o que impede o acompanhamento da execução das despesas. O analista observa, igualmente, que se regista um défice na disponibilização de informação por parte dos doadores, que devia constar das plataformas disponíveis.
A culpa também é dos doadores
O estudo aponta também que, apesar dos doadores produzirem muita informação através da realização de auditorias e consultorias destinadas a avaliar até que ponto é que os sistemas nacionais são credíveis para fazerem a gestão dos fundos alocados, esta informação não é tornada pública.
O CIP recomenda uma estruturação e institucionalização dos instrumentos, mecanismos e plataformas domésticas específicos do setor da saúde e a definição de regras e requisitos dirigidos aos parceiros internacionais e ao Governo para melhoria da transparência.
Ben Hur Cavelane aponta ainda outras medida, como "reforçar os centros de custos para melhorar a gestão financeira, bem como a disciplina orçamental, por forma a garantir informação detalhada sobre a execução orçamental; garantir que as despesas sejam efetuadas com suporte documental adequado e devidamente arquivado; controlar e acompanhar a informação financeira dos parceiros e orientar os doadores relativamente aos procedimentos de prestação de contas".
Quelimane: Familiares de doentes queixam-se das condições de acomodação no Hospital
Familiares vêm acompanhar os pacientes transferidos, na maioria, dos hospitais dos distritos e províncias vizinhas. Acompanhantes dormem no chão, alguns sem cobertores, e sem redes mosquiteiras.
Foto: DW/M. Mueia
Acomodação nos sanitários
As autoridades de saúde adjudicaram, recentemente, as obras para a construção de um muro de vedação à volta dos sanitários públicos do Hospital Central Quelimane. É nestes sanitários, e ao ar livre, que uma parte dos acompanhantes dos pacientes deste Hospital dorme. Usam a água do poço para as necessidades diárias, nomeadamente, para preparar refeições, lavar roupa e tomar banho.
Foto: DW/M. Mueia
Dormir em "Muchungué"
"Muchungué" é o nome dado ao local onde, no Hospital Central de Quelimane, se acomodam os acompanhantes dos pacientes que precisam de internamento. A maioria vem transferida dos hospitais distritais da província da Zambézia. À DW, os acompanhantes explicam que este nome se deve às condições do local: "o modo de vida é comparado ao da região de Muchungué, em Sofala, no tempo do conflito armado".
Foto: DW/M. Mueia
Péssimas condições
À DW, os acompanhantes dos doentes queixam-se da falta de dormitórios, cobertores e redes mosquiteiras. Não há também estendais para a roupa. As roupas que são lavadas são expostas nas matas para secar. Já por muitas vezes, asseveram estas pessoas, houve queixas sobre as condições de sobrevivências no local, mas as autoridades nada fizeram para melhorar a situação.
Foto: DW/M. Mueia
Redes mosquiteiras
Cada acompanhante é responsável por criar as suas condições para dormir. Têm por isso que trazer as suas próprias "esteiras e mantas". A fumaça das fogueiras tem sido uma salvação, pois afugenta os mosquitos, uma vez que também não existem redes mosquiteiras no local.
Foto: DW/M. Mueia
Refeições
As refeições são confecionadas individualmente ou em pequenos grupos de quatro elementos, independentemente, do sexo ou idade, e têm como base as pequenas contribuições de arroz e farinha ou valor monetário. Muitas vezes, o caril é feito com peixe seco, localmente conhecido como "Madjembe", e verduras preparadas em água e sal.
Foto: DW/M. Mueia
Entreajuda
Joaquina Oniva veio da Maganja da Costa, a sul da província da Zambézia. Acompanha a sua neta, que está internada há meses. Joaquina Oniva não tem nada para comer, nem para dormir, tal como a maioria dos acompanhantes. Quando a comida acaba, pede ajuda a outros acompanhantes. Algumas vezes, há gente de boa fé que, ao preparar refeições, conta com mais dois ou três elementos.
Foto: DW/M. Mueia
Falta de segurança e luz
Também Eric Semba se queixa das condições do local. À DW, lembra o sofrimento que tem passado: as noites sem cobertor, sem um dormitório convencional e sem comida. Com ou sem chuva, homens e mulheres dormem, juntos, no local. Muitas mulheres reclamam que são assediadas sexualmente por falta de segurança e iluminação.
Foto: DW/M. Mueia
Esperando a alta médica dos familiares...
Beatriz Lourenco Coambe é mais uma das muitas mulheres que aqui se encontra. Veio há três semanas do distrito de Mocuba, para acompanhar o seu irmão, internado devido a um acidente de viação. Beatriz Coambe explica que gostava de abandonar o local devido ao sofrimento que ali passa. Mas não tem alternativa. Terá que esperar até que o seu irmão tenha alta médica.
Foto: DW/M. Mueia
Situações mais críticas
Não revelando a sua identidade, este jovem veio do distrito de Gorongosa, em Sofala, para acompanhar o seu irmão mais novo. Por semana vai duas vezes à lixeira do Hospital à procura de caixas que sirvam de dormitório. Não tem condições para comprar esteiras ou cobertores. O dinheiro que trazia de casa acabou, por isso, de madrugada, circula pelos bairros vizinhos, onde apanha fruta para vender.
Foto: DW/M. Mueia
Sem garantias de melhorias
Em média, e segundo os dados estatísticos da direção do Hospital Central de Quelimane, cinco a dez acompanhantes procuram abrigo neste local, diariamente. A maioria chega dos distritos de Caia, Maganja da Costa, Mocuba, Inhassunge, Madal, Namacurra, Nicoadala e Pebane. Apesar das reclamações serem frequentes, não há garantias de melhoria das condições a curto prazo.
Foto: DW/M. Mueia
Hospital reconhece situação
O diretor do Hospital Central de Quelimane, Ladino Suade, diz estar preocupado com a situação e lamenta a falta de capacidade para solucionar o problema. No entanto, afirma que à sua instituição compete cuidar dos pacientes e não dos acompanhantes. Na sua opinião, a Direção Provincial de Ação Social da Zambézia deveria intervir.
Foto: DW/M. Mueia
Situação arrasta-se desde 2016
Construído com fundos do Governo e parceiros sul-coreanos, o Hospital Central de Quelimane foi inaugurado a 27 de outubro de 2016. É composto por mais de 100 compartimentos e tem ainda uma clínica privada com serviços e tratamentos mais especializados. Durante a construção deste Hospital, não foi periodizada a construção de salas para os acompanhantes dos pacientes.