Moçambique: Leis fracas facilitam corrupção no setor mineiro
Leonel Matias (Maputo)
26 de julho de 2018
Falta de responsabilização e de transparência na concessão de licenças abre espaço a não cumprimento de prazos e favorecimentos, aponta estudo do Centro de Integridade Pública de Moçambique.
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O Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique aponta que a falta de responsabilização e de transparência na concessão de licenças, autorizações e contratos estão na origem da corrupção no setor mineiro. Um estudo divulgado esta quarta-feira (25.07) aponta ainda que a principal vulnerabilidade no processo de licenciamento mineiro no país está relacionada com o não cumprimento dos prazos estabelecidos.
A avaliação identificou 22 riscos potenciais, 13 deles com um alto impacto e probabilidade de ocorrerem em Moçambique. Um dos fatores de risco tem a ver com a centralização do processo de atribuição e monitoria de licenças nas mãos de um ministro - neste caso, o Ministro dos Recursos Minerais e Energia -, como prevê a legislação. O ministro poderá estar sujeito a interferências externas, por ter sido nomeado com base na confiança política.
Leis fracas facilitam corrupção no setor mineiro
Na mesma linha, a lei moçambicana atribui aos funcionários do setor de minas um excessivo poder de decisão sobre os prazos e a duração de cada etapa do processo de licenciamento. O estudo denuncia ainda casos de pedidos de licenças submetidos no mesmo período de tempo, mas que obtêm respostas em momentos diferentes, com intervalos que podem variar entre três meses ou até mesmo dois anos.
"Isso demonstra que, de certa forma, consoante quem é e o poder e influência política que a pessoa tenha, o pedido de licença mineira pode ser aprovado rapidamente. Isso não é bom num contexto de um setor que pode contribuir muito mais para os cofres do Estado", diz o diretor do CIP, Edson Cortês.
O CIP também observa que, pelo facto de as empresas participadas pela elite política serem ligadas a este ramo, o setor pode ser alvo de interferência externa para responder aos vários pedidos deste grupo e de outros investidores. Por outro lado, a forte presença da elite política e dos funcionários públicos moçambicanos no setor de minas e o facto de que as declarações de bens não são divulgadas sugerem que existem muitos conflitos de interesses.
Um outro ponto levantado pela ONG moçambicana refere-se às consultas comunitárias e reassentamentos, bem como aos estudos de impacto ambiental e social que continuam a ser afetados, em particular, pela falta de aplicação da lei.
Recomendações
O estudo recomenda a despolitização do processo de licenciamento, criando-se condições para que as licenças sejam atribuídas mediante critérios publicamente conhecidos e com o envolvimento de comissões técnicas especializadas - medidas que não estão previstas na lei.
O estabelecimento de uma equipa externa independente de avaliação dos pedidos de concessões mineiras, uma maior coordenação entre as entidades centrais e locais no processamento dos pedidos de licenciamento e um maior investimento na formação dos funcionários ligados ao setor de licenciamento seriam ações positivas a serem tomadas, segundo a organização.
O CIP recomenda ainda o estabelecimento de critérios claros e publicamente acessíveis sobre parcerias entre empresas estrangeiras e nacionais, nas quais fique claro que "as pessoas publicamente expostas" devem ser excluídas destas parcerias, sob pena de incorrerem em conflito de interesses.
O não cumprimento dos prazos de licenciamento cria oportunidade para que as empresas ofereçam subornos ou presentes aos funcionários do cadastro mineiro em troca da celeridade dos seus pedidos.
"Interessa-nos que o tempo seja um factor importante a ter em conta quando nós fazemos o pedido de licenças, uma vez que o dinheiro tem o seu custo em relação ao tempo", observa o representante da Confederação das Associações Económicas de Moçambique, Egídio Leite.
Egídio Leite sublinhou, igualmente, a importância da responsabilização das pessoas envolvidas na cadeia do processo de licenciamento, mas pondera que essa não é uma tarefa fácil.
"Não é fácil para alguém que está sentado no gabinete de recepção dos documentos e, de repente, aparece uma pessoa PEP [pessoa politicamente exposta]. É preciso analisar isso e termos o cuidado suficiente para sabermos analisar essa situação", conclui.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.