CIP: Negligência do Governo pode levar ao colapso da Saúde
Maria João Pinto
28 de fevereiro de 2021
Centro de Integridade Pública afirma que aumento de casos de Covid-19 entre profissionais de saúde em Moçambique pode estar associado à falta de meios de trabalho e alerta para o possível colapso.
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Num relatório divulgado este domingo (28.02), o Centro de Integridade Pública - CIP lança um alerta: a negligência do Governo de Moçambique pode levar ao colapso do sistema de saúde. Em causa, diz a organização, o "aumento de casos positivos de Covid-19 entre os profissionais de saúde" que "pode estar associado à insuficiência de EPIs [Equipamento de Proteção Individual] e à quantidade de vírus a que estão expostos".
Lembrando que o país tem assistido a um crescimento do número de casos de Covid-19 entre profissionais de saúde - apontando o exemplo do Hospital Central de Maputo, onde "foram reportados 375 casos de Covid-19, dos quais 29% ocorreram na classe médica" - o CIP alerta para a sobrecarga do sistema.
Para o CIP, "esperava-se que Moçambique aprendesse com a experiência" de países em que o ritmo da taxa de infeções contribuiu para o colapso dos sistemas de saúde, como a África do Sul, Espanha, França e Portugal, "onde se verificou nos hospitais públicos a terrível escassez de equipas médicas, oxigénio e equipamentos de protecção individual".
"Um dos factores que pode ter contribuído para esta contaminação dos profissionais de saúde", diz o relatório, "pode ter sido o uso de máscaras cirúrgicas por uma semana ou mais, ao invés de trocá-las a cada 8 horas diárias de trabalho, como é recomendado".
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09:26
Falta de EPIs agrava situação já precária
Em Moçambique, segundo o CIP, "aos profissionais de saúde são disponibilizados os EPIs, mediante requisições, semanais, quinzenais ou mensais, em quantidades reduzidas", obrigando "a reciclar e reusar". A classe queixa-se de "estar a receber equipamento de baixa qualidade e em números reduzidos para fazer face à pandemia", apesar de "o Governo ter estado a receber, de parceiros de desenvolvimento, de grupos de empresas nacionais e internacionais e de empresários singulares, donativos de EPIs em espécie e em valores monetários".
Esta situação, escreve o CIP, vem agravar a situação da classe "que já vinha trabalhando sob pressão por falta de condições básicas de infraestruturas e equipamentos médicos necessários". As conclusões têm por base entrevistas conduzidas pelo Centro de Integridade Pública a médicos moçambicanos.
A organização conclui que "a falta de EPI constitui o maior factor de risco de contaminação da Covid-19 nos profissionais de saúde (42,5%)" e que "há um aumento de número de óbitos nos profissionais de saúde", bem como sobrecarga de trabalho e desmotivação.
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Valorizar a linha da frente
O CIP recomenda ao Governo a contratação de mais pessoal de saúde, bem como a valorização destes profissionais, que devem "merecer a atenção privilegiada nesta fase da pandemia".
A melhoria das condições de trabalho, diz o relatório, passa por alocar mais meios de trabalho, com destaque para o EPI, e pela separação das equipas para minimizar o risco de infeção cruzada de pacientes e profissionais de saúde. Ao mesmo tempo, o CIP recomenda a "criação de outras formas de incentivos, capazes de motivar a permanência destes profissionais", que podem passar pelo "pagamento de subsídios diferenciado" para quem trabalha nos Centros de Isolamento da Covid-19.
O CIP considera ainda que o Governo deve melhorar o "processo de distribuição de materiais médicos, através da implementação integral do Plano Estratégico Logístico Farmacêutico" e o "investimento nas infraestruturas dos Centros de Abastecimento de Artigos Médicos, a nível nacional e provincial".
Covid-19 em Maputo: os sítios em que menos se cumpre o distanciamento social
Com o aumento dos casos positivos de Covid-19 em Maputo, crescem também as críticas aos espaços onde as medidas restritivas para conter a pandemia, como são o distanciamento social e regras de higiene, não são cumpridas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Mercados, maiores focos
A propagação do novo coronavírus na cidade de Maputo está aumentar. Na capital moçambicana, os locais onde há menos distanciamento social são apontados como os maiores focos de propagação do vírus. Os mercados são um destes lugares, como podemos ver nesta imagem do mercado informal de "Xikeleni".
Foto: Romeu da Silva/DW
Filas nos bancos
O mesmo acontece nos bancos. O Presidente da República Filipe Nyusi criticou, na sua comunicação à nação, o atendimento neste serviço. Como mostra esta imagem, continua a ser comum as filas à porta dos bancos. As pessoas aglomeram-se não cumprindo o distanciamento de dois metros determinado pelo governo.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cidadãos cansados
Também nas ATM o distanciamento social não é cumprido, algo que pode ser justificado com o desgaste dos cidadãos em ficar muito tempo na fila à espera da sua vez para levantar o dinheiro. Aqui, não é só o distanciamento que preocupa. Não existe também sabão para a lavagem ou desinfeção das mãos após a utilização da máquina.
Foto: Romeu da Silva/DW
Escolas
Também nas escolas, é difícil falar em distanciamento, apesar de chefe de Estado ter elogiado a postura destes estabelecimentos no combate à pandemia. No entanto, nos intervalos, as crianças continuam aos abraços, muitas vezes sem máscaras ou viseiras, o que pode propiciar a propagação do vírus.
Foto: Romeu da Silva/DW
Transportes coletivos
Diversos círculos sociais criticam os operadores dos transportes semicoletivos a quem acusam de estar a violar as orientações do governo, segundo as quais, em cada banco devem sentar-se apenas três pessoas. No entanto, e por causa da receita, alguns "chapeiros" violam a regra. A polícia municipal, ao que tudo indica, não está a conseguir controlar a situação.
Foto: Romeu da Silva/DW
Número de passageiros mantém-se
A mesma crítica estende-se aos chamados "Smart kikas" que continuam a transportar mais de cem pessoas, quando deviam reduzir para metade. Em Maputo, estes sãos os meios de transporte preferidos porque levam pessoas desde o centro da cidade até à periferia. Nas horas de ponta, o cenário de aglomeração é arrepiante. Não há desinfeção das mãos à entrada, nem mesmo do próprio autocarro.
Foto: Romeu da Silva/DW
Paragens sem distanciamento
Outro cenário muito comum na capital moçambicana são as filas, sem distanciamento, nas paragens de transporte semi-coletivo. O cenário piora quando chega o transporte, pois há "guerra" pelo assento, ninguém quer viajar de pé.
Foto: Romeu da Silva/DW
Terminais de autocarros
Os terminais são tidos também como focos de propagação do coronavírus. Nestes locais, desaguam diariamente vários "chapas" provenientes de quase toda a periferia. Ao já acentuado movimento de passageiros, juntam-se os vendedores informais, o que dificulta ainda mais o cumprimento do distanciamento social.
Foto: Romeu da Silva/DW
Fila numa padaria
Observamos também alguma falta de distanciamento nas filas para a compra de pão em algumas padarias de Maputo. No interior dos estabelecimentos, o controlo é eficaz, pois entra apenas um cliente de cada vez. Mas no exterior, a realidade é diferente como se pode ver nesta fotografia tirada no bairro da Malhangalene, fronteira entre a cidade de cimento e os bairros periféricos.
Foto: Romeu da Silva/DW
Difícil mas não impossível
Os supermercados são também estabelecimentos com muita procura. Para além do entra e sai, muitos dos clientes mexem nos produtos sem desinfetar as mãos. O distanciamento social é também um problema, no entanto, tem vindo a melhorar em muitos dos espaços. Aos fins de semana, os gestores preferem deixar alguns cliente de fora do estabelecimento para evitar aglomerados no interior.
Foto: Romeu da Silva/DW
Serviços públicos
Diariamente, são muitas as pessoas que precisam de se dirigir aos serviços públicos para tratar de assuntos variados. Às repartições de registo criminal, por exemplo, acorrem todos os dias muitos candidatos que procuram empregos nas instituições do estado. Apesar da afluência, a rapidez no atendimento acaba por minimizar o risco, e aumentar o distanciamento social.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tradição inimiga da prevenção
As cerimónias familiares, por exemplo funerais, estão limitadas, atualmente, a 20 pessoas. No entanto, e porque culturalmente este tipo de eventos costuma ter muito mais gente, continuam a existir funerais com o dobro do número permitido.