O Centro de Integridade Pública (CIP) prevê que o novo Gabinete de Combate à Criminalidade Organizada seja mais um "nado-morto". Mais do que instituições para entreter o povo, Moçambique precisa de condições de trabalho.
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A Assembleia da República de Moçambique aprovou, nesta segunda-feira (13.12), na generalidade, a criação do Gabinete Central de Combate à Criminalidade Organizada e Transnacional, com enfoque, entre outros crimes, no terrorismo e raptos.
De acordo com a ministra moçambicana da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, o gabinete visa aprimorar o quadro legal e dar poderes ao Ministério Público para o combate aos vários tipos de crime.
Mas o pesquisador Baltazar Fael, do Centro de Integridade Pública (CIP), duvida que este gabinete tenha pés para andar, porque o combate à criminalidade organizada não se faz com a criação de várias instituições, mas sim com a criação de melhores condições de trabalho.
DW África: É este o órgão que faltava no país para combater o crime organizado e transnacional?
Baltazar Fael (BF): Neste país temos o hábito de criar instituições que são autênticos nados-mortos. Quer dizer, morrem logo na sua criação.
DW África: Este gabinete pode ser também um nado-morto?
BF: A prática vai mostrar isso. Mas pelas evidências que eu tenho noutras instituições que foram sendo criadas neste país, umas entram em funcionamento, mas não alcançam os seus objetivos. Outras pura e simplesmente são criadas, não lhes são concedidos meios materiais, nem meios humanos, nem condições para desempenhar as funções, o que faz com que os mesmos sejam sempre gabinetes criados para mostrar às pessoas e à comunidade internacional que o país está preocupado em combater determinado tipo de criminalidade, mas na prática não funcionam. Para mim, é mais um gabinete para vir enfeitar o panorama daquilo que o Governo quer para entreter o povo.
DW África: Nós temos no país o Gabinete de Combate às Drogas e depois também temos o Serviço Nacional de Investigação Criminal (Sernic) e outras entidades que deveriam prevenir os casos de criminalidade. Como vai ser o trabalho específico deste gabinete, tendo em conta que já existem outros gabinetes que lidam com as mesmas matérias?
BF: O Governo deste país não tem estratégia nenhuma, ele anda a gatear pura e simplesmente. De facto, essas entidades existem, o combate à droga, o combate a corrupção. Porque nós perguntamos: e resultados? Que meios é que o Governo confere a estas entidades quando as cria, para que elas funcionem e produzam resultados. Devíamos visitar essas instituições para ver a forma paupérrima como são construídos. Depois, quando vem a comunidade internacional perguntar se o país está a implementar este, mais este e aquele protocolo, mostram estes gabinetes. Para mim, este Governo só passa a vida a entreter o povo e a comunidade internacional.
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DW África: E o Parlamento quando aprova e o Governo quando cria este gabinete diz que uma das missões é a questão dos raptos. Mas a pergunta é: precisa-se de um gabinete para tratar a questão dos raptos, tendo em conta todas as unidades da polícia que existem que poderiam estar a investigar?
BF: Precisamos, dentro da polícia, de membros da corporação com formação para combater esta forma de criminalidade. Agora, é por isso que eu digo mais uma vez: não são esses gabinetes que vão combater raptos. É uma vontade da parte do Governo de dar meios às instituições que cria e não recriar as instituições e vir dizer que vai combater os ratos dessa forma. E digo mais uma vez: este pode ser mais um gabinete para vir a enfeitar o panorama das instituições que pululam neste país como se fossem cogumelos.
DW África: Esse gabinete também é criado tendo como foco a questão do terrorismo em Cabo Delgado. Na sua visão, em que medida este gabinete poderá ajudar a combater a expansão do terrorismo pelo país?
BF: O terrorismo não se combate num gabinete. E quando o Governo deste país não tinha meios suficientes para combater o terrorismo, não criou o gabinete. O que fez foi chamar os ruandeses e as tropas da SADC para no terreno, com a estratégia montada, procurar combater o terrorismo. E não foi traçada nenhuma estratégia dentro de um gabinete especializado.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.