A circuncisão masculina é comum em várias culturas, sobretudo no continente africano, assim como em regiões islamizadas. A prática não é tida por nociva pela maioria dos especialistas. Mas nem toda a gente concorda.
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Prince Hillary Maloba viveu a experiência no próprio corpo: "Nunca mais esquecerei as dores quase insuportáveis", salienta o ativista queniano. Maloba foi submetido à circuncisão masculina - que implica a remoção do prepúcio do pénis - quando tinha poucos meses de idade, de acordo com a tradição da sua etnia. Maloba mostra-se indignado, sobretudo por várias organizações estrangeiras aceitarem a prática e até a apresentarem como "medida eficaz" no combate ao HIV/SIDA.
"Como é possível?”, pergunta, para acrescentar: "As tradições do meu povo prevêem que todos os descendentes masculinos sejam circuncisados. O mesmo acontece com as etnias de religião muçulmana - mas nem por isso a SIDA deixou de existir."
ONU fomenta circuncisão masculina
Maloba quer contribuir para o esclarecimento das populações, dizendo-lhes que não é com circuncisões que se faz prevenção da SIDA. No passado dia 7 de maio, dia mundial da autodeterminação genital, Maloba participou em várias iniciativas públicas de esclarecimento. Viajou mesmo à Alemanha para pedir o apoio de várias organizações alemãs. Algumas mostraram-se abertas e prometeram acabar com o apoio a programas de circuncisão em África.
A mensagem de Maloba, no entanto, ainda não alcançou a maioria dos funcionários da Organização Mundial de Saúde - OMS - e do programa da ONU de combate ao HIV, UNAIDS. Estas organizações continuam a divulgar estudos, nos seus sítios na internet, que dão conta de um menor risco de sida entre rapazes e homens circuncisados. Algumas dessas fontes oficiais falam mesmo numa diminuição do risco de contrair o vírus em cerca de 60 por cento. Daí resulta que a OMS queira aumentar para 90 por cento a quota de homens circuncisados em África até ao ano de 2021.
As campanhas são apoiadas por organizações conceituadas e fundações milionárias, como a de Bill Gates, fundador da Microsoft.
Ulrich Fegeler, porta-voz da Associação Alemã de Pediatras, não acredita na consistência das estatísticas utilizadas pela OMS e outras organizações internacionais. Em entrevista à DW África Fegeler manifesta-se de forma explícita contra a circuncisão masculina, alegando que o respeito pelos Direitos Humanos assim o exige. A maior parte das circuncisões, em África e noutras partes do mundo, é feita sem qualquer anestesia. Isso devia ser proibido em todo o mundo, tal como na Alemanha, onde é ilícito, afirma Fegeler.
Crianças em pânico
As regras da OMS prevêm apenas que os pais dos rapazes consintam explicitamente a circuncisão. Para além disso, as intervenções cirúrgicas devem ser feitas por especialistas com recurso a ferramentas adequadas.
Circuncisão masculina em debate - MP3-Mono
A médica austríaca Jutta Reisinger esteve em vários países africanos para elaborar um estudo sobre as condições em que são feitas as circuncisões. No Quénia teve a oportunidade de visitar vários centros de saúde, e não gostou do que viu:
"Durante uma visita a um desses centros de saúde, eu assisti a cenas em que os meninos estavam com medo. Entraram em pânico e queriam voltar para casa. Isso acontecia sobretudo quando ouviam os gritos dos outros meninos, quando estavam nas mesas de operações ou acabavam de fazer as intervenções cirúrgicas. Esses meninos eram insultados de forma grosseira por uma das enfermeiras, que até ameaçava bater-lhes, numa tentativa de intimidação."
No Quénia existe um programa denominado "Voluntary Male Circumcision" - circuncisão masculina voluntária. A médica austríaca Reisinger pergunta como se pode falar neste contexto de circuncisão voluntária.
Mutilação genital feminina: uma tradição que teima em persistir
A mutilação genital feminina (MGF) persiste em muitos países africanos, apesar de ser proibida oficialmente. Os Pokot, no Quénia, são uma das etnias que continuam a levar a cabo esta prática.
Foto: Reuters/S. Modola
Uma lâmina para todas
Esta lâmina foi usada para mutilar quatro raparigas do Vale do Rift, no Quénia. Para o povo Pokot, o ritual marca a passagem de menina para adulta. Apesar de esta tradição brutal ser proibida por lei, muitas raparigas continuam a ser sujeitas à mutilação genital feminina (MGF), sobretudo em zonas rurais.
Foto: Reuters/S. Modola
Preparativos para a cerimónia
As meninas e mulheres Pokot aquecem-se junto à fogueira às primeiras horas da manhã. Quem não se submete à MGF tem menos hipóteses de casar. A integração das mulheres e a sua sobrevivência económica depende do casamento, principalmente nas áreas rurais. Aquelas que se recusam a participar são renegadas pela sociedade ou até mesmo expulsas.
Foto: Reuters/S. Modola
É impossível dizer "não"
Antes de se proceder ao ritual, as raparigas são despidas e lavadas. Elas sabem de antemão que, tal como as suas mães, vão ter problemas de saúde: quistos, infeções, infertilidade, complicações no parto. A mutilação genital feminina continua a ser praticada em 28 países africanos, na península Arábica e na Ásia. Também há filhas de emigrantes na Europa que são mutiladas.
Foto: Reuters/S. Modola
Espera angustiante
Estas raparigas Pokot esperam pela cerimónia de circuncisão na província de Baringo, no Vale do Rift. O Quénia proibiu a mutilação genital feminina em 2011, 27 por cento das quenianas entre os 15 e os 49 anos foram submetidas a esta prática, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Na maioria das vezes não se usa anestesia e o material não é desinfetado.
Foto: Reuters/S. Modola
Ritual mortífero
Cerimónia de circuncisão: Os Pokot esperam que as raparigas sejam corajosas e não gritem. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% das raparigas morre durante esta cerimónia e 25% morre devido a complicações associadas. Na Guiné-Bissau, metade das mulheres entre os 15 e os 49 anos foi submetida a esta prática, segundo a UNICEF. Na Somália, o número ronda os 98%.
Foto: Reuters/S. Modola
Pedra ensanguentada após o ritual
A forma como se faz a excisão varia de etnia para etnia. Os Pokot fecham a abertura vaginal. A OMS distingue três tipos de MGF: no tipo 1, o clítoris é retirado. No tipo 2, retira-se o clítoris e os pequenos lábios. No tipo 3, a infibulação, os grandes lábios também são retirados e a abertura vaginal é fechada.
Foto: Reuters/S. Modola
Tingir o corpo de branco
Tingir o corpo de branco faz parte do ritual dos Pokot. Em muitos países há campanhas de esclarecimento, para alertar para os perigos da mutilação genital feminina. Mas só lentamente as campanhas dão frutos. No Quénia, há desde 2014 uma unidade da polícia que trata de questões relacionadas com a MGF. Há também uma linha SOS que recebe denúncias.
Foto: Reuters/S. Modola
Trauma para a vida
Após a cerimónia, as raparigas são cobertas com peles de animais e recolhidas para um local onde podem descansar. Na ótica dos Pokot, elas estão prontas para casar e podem receber um dote maior. Alguns povos acreditam que as mulheres submetidas à MGF são mais férteis e fiéis ao seu marido. Quando se faz uma excisão não há volta atrás. Não é possível reverter a mutilação com operações plásticas.
Foto: Reuters/S. Modola
De mãe para filha?
Esta rapariga nunca mais vai esquecer a mutilação. Em alguns países, a excisão é realizada em bebés. Sendo uma prática ilegal, um bebé a chorar dá menos nas vistas do que uma rapariga a sofrer de dores o tempo inteiro.