Reflexão em Luanda um dia após a morte de Eduardo dos Santos
9 de julho de 2022Não, o cenário em Luanda um dia após a morte de José Eduardo dos Santos não foi de agitação, contrariamente ao que se antevia por conta da marcação de várias atividades dos principais partidos políticos que concorrem às eleições de agosto de 2022.
As manifestações foram todas canceladas. A capital angolana acordou num clima de calma, com os seus habitantes a refletirem sobre o legado deixado pelo ex-presidente da República, José Eduardo dos Santos, que faleceu ontem, em Espanha.
Hoje, o ministro da Administração do Território de Angola anunciou que o governo está a criar locais públicos para que se possa render homenagem ao ex-Presidente. Em Luanda, o local definido é a Praça da República, onde deverá ser montada uma tenda para o efeito.
O repórter da DW África percorreu várias ruas da capital e constatou que não há outro tema entre os citadinos, que não seja a morte do antigo presidente.
Qual o legado "Zé Dú"?
Cada um ao seu jeito procurava refletir em torno do legado de "Zé Dú", que governou angola de 1977 a a 2017". Mas as reações à morte de "Eduardo dos Santos" vieram de todos setores.
Apesar de algumas reservas, parecer haver concordância no reconhecimento do papel crucial desempenhado por Eduardo dos Santos na defesa da paz e na promoção da reconciliação entre os angolanos - dentro e fora do seu partido.
Dom Afonso Nunes, bispo de Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo (Tocoista), enalteceu a figura de José Eduardo dos Santos.
"Uma figura marcante na história recente do nosso país, em particular, no estabelecimento da paz e na reconciliação nacional".
Para o bispo da Diocese do Huambo, Dom Zeca Martins, dos Santos serviu Angola nos momentos mais conturbados da história do país, mas nem por isso vacilou.
"Sabedoria"
"Quando o ex-presidente, José Eduardo dos Santos assumiu os destinos do nosso país, eu tinha 24 anos. Lembra-me que era uma fase muito difícil para o país mas, graças à sua sabedoria, ele conseguiu dar 'o rumo certo' ao país", disse o bispo.
Para Luísa Damião, vice–presidente do Movimento Popular de Libertação Nacional (MPLA), José Eduardo dos Santos foi um militante exemplar, que dedicou toda a sua juventude à causa do MPLA e do país.
"Assumiu a liderança do país em momentos difíceis e conseguiu trabalhar para que os angolanos conquistassem a paz. Deixará muitas lembranças", desabafou.
A União para a Independência Total de Angola (UNITA) lembra dos Santos como "homem de diálogo". Para o presidente dessa formação política, Adalberto da Costa Júnior, com o falecido líder do MPLA a UNITA sempre encontrou abertura para os diálogos, que culminaram na celebração de vários acordos de paz para pôr fim à guerra no país; sendo o último desses em Luena, em 2002, após morte de Jonas Savimbi em combate.
"Foi sempre possível explorar fontes de diálogo com José Eduardo dos Santos, que nos permitiram acabar com a guerra, e ter este amplo tempo de paz", disse o líder da UNITA.
"Homem de paz e do bem"
Já Manuel Fernandes, Presidente da Coligação Eleitoral Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE), dos Santos foi o "homem de paz e do bem" e, aponta como exemplo, o fato de ter poupado muitos dirigentes da UNITA, após a morte de Jonas Savimbi.
"Conseguiu vencer a guerra, mas nem por isso dizimou os seus adversários políticos. Graças a JES se poupou vidas de muitos dos nossos compatriotas que até agora continuam a dar o 'seu litro' para uma angola nova, para uma angola melhor".
Para Benedito Daniel, Presidente do Partido de Renovação Social (PRS), Eduardo dos Santos deve ser recordado como o "patriota" que dedicou metade da sua vida ao povo angolano.
Daniel diz, por outro lado, que foi a perspicácia e a inteligência do então chefe do Estado que garantiu ao país não ser invadido pelo regime de segregação racial sul-africano, na década de 80.
"Enquanto presidente, JES salvaguardou a nossa independência e defendeu este país da invasão sul-africana, numa altura em que não tínhamos se quer um exército regular bem formado para opor-se ao exército sul-africano que estava muito bem organizado".
Luto nacional
Angola está em luto nacional por sete dias. Nas instituições publicas, as bandeiras são levantadas a meia haste, com a proibição de eventos políticos, desportivos e culturas durantes este período.
Após a publicação do decreto, os partidos políticos que tinham ações para o final de semana cancelaram os seus eventos.
Neste sábado, o ativista Rafael Marques disse que a governação de José Eduardo dos Santos ficou marcada pela destruição do tecido social, através da corrupção e da repressão, e considerou que Angola precisa de um governo que sirva o povo.
A organização Human Rights Watch (HRW) lembrou hoje o "legado de violações dos direitos humanos" do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, falecido na sexta-feira, em Barcelona, considerando que "continua a assombrar os angolanos".