Colapso do Credit Suisse: 3 escândalos que sacudiram o banco
AFP | Lusa | Reuters | cvt
20 de março de 2023
O Credit Suisse já foi um gigante do sistema financeiro mundial. Mas repetidos erros e escândalos, como o das "dívidas ocultas", em Moçambique, ajudaram a levar o banco ao colapso.
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Um dos 30 maiores bancos mundiais viu o preço das suas ações desabar na semana passada, perdendo um quarto do seu valor, devido a preocupações de contágio pelo colapso, nos Estados Unidos, do Silicon Valley Bank e de outros bancos regionais.
O principal acionista do Credit Suisse, disse que não investiria mais dinheiro no banco, gerando pânico no mercado.
Mas o grupo bancário suíço UBS anunciou esta segunda-feira (20.03) que vai adquirir o Credit Suisse por 3 mil milhões de francos suíços (3,25 mil milhões de dólares) num acordo negociado pelo Governo durante o fim-de-semana e que deve ser concluído até ao final deste ano.
A ministra das Finanças suíça, Karin Keller-Sutter, temia que a falência do Credit Suisse poderia provocar "danos económicos irreparáveis".
"Por essa razão, a Suíça deve assumir responsabilidades além das suas próprias fronteiras", acrescentou a ministra.
Horas mais tarde, a Reserva Federal norte-americana e outros grandes bancos centrais anunciaram um esforço coordenado para melhorar o acesso dos bancos à liquidez.
O que contribuiu para o colapso do Credit Suisse?
O banco Credit Suisse continuava a dispor de reservas, mas a aquisição pelo grupo UBS era "a melhor solução para repor a confiança que faltava recentemente nos mercados financeiros", disse o Presidente suíço Alain Berset.
Nos últimos anos, o Credit Suisse sofreu também várias perdas, devido a uma série de crises e escândalos em que se viu envolvido - um deles, o caso das "dívidas ocultas", em Moçambique.
Listamos alguns dos escândalos que marcaram a história recente do banco:
1. "Dívidas ocultas"
Em outubro de 2021, o Credit Suisse foi multado em 475 milhões de dólares pelas autoridades norte-americanas e britânicas depois de ver envolvido no escândalo de subornos em Moçambique, envolvendo empréstimos a empresas estatais.
Os créditos, concedidos entre 2013 e 2016, deveriam financiar projetos de vigilância marítima, pesca e estaleiros navais, mas foram em parte desviados para subornos.
O banco concordou com as autoridades britânicas em cancelar os 200 milhões de dólares devidos por Moçambique, que mergulhou numa grave crise financeira.
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2. Colapso da Greensill e do Archegos
Os problemas começaram mais cedo, em 2021, com o colapso da Greensill, uma empresa financeira britânica especializada em empréstimos a curto prazo a empresas. Isso trouxe bastantes dificuldades ao Credit Suisse, que havia investido fortemente na empresa.
Depois da Greensill ter declarado insolvência, o Credit Suisse encerrou quatro fundos conexos, em que tinham sido investidos cerca de 10 mil milhões de dólares. O regulador financeiro suíço (FINMA) concluiu que o banco "violou gravemente as suas obrigações de supervisão" e ordenou "medidas corretivas".
Quatro semanas após o colapso da Greensill, o Credit Suisse voltou a ser abalado pela falência do fundo de cobertura norte-americano Archegos, que custou ao banco mais de cinco mil milhões de dólares.
3. "Suisse Secrets"
Uma investigação publicada em fevereiro de 2022, intitulada "Suisse Secrets" (ou "Segredos Suíços", na tradução literal para o português), alegava que o banco albergou milhares de milhões de dólares de dinheiro sujo durante décadas.
A investigação, coordenada pelo Projeto de Denúncias sobre Crime Organizado e Corrupção, denunciava que havia mais de oito mil milhões de dólares em contas de criminosos, ditadores e abusadores de direitos no Credit Suisse. O nome do ex-presidente do BESA, Álvaro Sobrinho, foi citado no escândalo.
O banco rejeitou as acusações, dizendo que se baseavam "em informação parcial, imprecisa ou seletiva fora de contexto".
Lista extensa
No entanto, os escândalos não ficaram por aí. No final de março de 2022, um juiz das Bermudas decidiu que o antigo primeiro-ministro da Geórgia Bidzina Ivanishvili sofreu um prejuízo de 553 milhões de dólares, devido a falhas da filial do banco Credit Suisse nas Bermudas, no cumprimento do seu dever fiduciário.
Em junho do mesmo ano, o Credit Suisse foi multado em dois milhões de dólares num caso de branqueamento de capitais ligado a uma rede búlgara de tráfico de cocaína.
Em outubro de 2022, o banco anunciou que pagaria 495 milhões de dólares para resolver uma disputa com o estado norte-americano de Nova Jersey sobre títulos garantidos por hipotecas que remontam à crise financeira de 2008.
Em França, nesse mesmo mês, o banco concordou em pagar 238 milhões de euros para evitar acusações de branqueamento de capitais e fraude fiscal, apresentadas em 2016, por contas não declaradas detidas por cidadãos franceses.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)