À beira do XI Congresso, a FRELIMO recolhe fundos para o evento. Ninguém escapa e todos os contextos são válidos. Para uns isso demonstra falta de ética, enquanto para outros não há ilegalidades, à partida.
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Esta não é uma prática nova na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). A DW África tem reportado casos como o de diretores de escolas que tiveram de descontar parte dos seus salários coercivamente. E nas redes sociais circulam supostas listas de contribuições de funcionários públicos para eventos do partido no poder.
Há quem não veja isso com bons olhos, como é o caso do analista e também deputado do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), segundo maior partido da oposição, Venâncio Mondlane: "É anti-ético, é totalmente ilegítimo, é ilegal e até imoral. Não tenho outra forma de classificar isso, acho que é criminalidade continuada."
Mondlane defende fóruns próprios para fazer coletas, como por exemplo eventos do partido FRELIMO.
Contribuições são dever dos militantes e simpatizantes
O jurista Filipe Sitói afirma que "do ponto de vista dos estatutos do partido FRELIMO, todos os militantes e simpatizantes têm este dever de contribuir para o seu partido, principalmente para um grande evento que é o congresso." Neste caso, o especialista não distingue o espaço de coletas, que pode ser privado ou público.
Entretanto, Sitói lembra que "não há nenhuma obrigatoriedade de todos os funcionários públicos descontarem valores dos seus salários. Se o funcionário é membro, militante ou simpatizante ele tem esse dever estatutário da sua agremiação de contribuir."
E sob o ponto de vista de lei não há nenhuma ilegalidade na contribuição dos funcionários públicos, como diz Filipe Sitói. "Não existe nenhuma base legal e nem a lei dos partidos políticos prevê e nem pune este tipo de situações. Portanto, onde a lei não proíbe não vai o intérprete ou aplicador da lei extrair um sentido que não é legal. É um direito subjetivo."
Contribuições controversas vs. despartidarização do Estado
Há muito que a oposição reivindica a despartidarização do aparelho do Estado - esse é, aliás, um ponto controverso nas negociações de paz entre o Governo da FRELIMO e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o maior partido da oposição.
Venâncio Mondlane considera, assim, que há margem para interpretar as alegadas coletas coercivas como "má vontade" do Governo para se ultrapassar este ponto crítico nas negociações.
"Não há dúvidas quanto a isso. Mas, acima da má vontade, há arrogância. É que agora o descaramento é tão grande... Publicitam isso! Não há um mínimo de pudor, sobretudo num momento em que o país está cheio de escândalos."
Coletas para o XI Congresso da FRELIMO são legais?
Justiça moçambicana descredibilizada
O facto de supostamente haver magistrados a fazerem contribuições leva ainda o deputado do MDM a questionar a imparcialidade e independência destes profissionais. Venâncio Mondlane também não confia na Justiça: "Depois como praticamente nunca houve um posicionamento da Procuradoria Geral da República ao longo da história, mesmo havendo denúncias, ao longo da história então essa impunidade continua."
Mas Filipe Sitói não vê a situação da mesma forma. Segundo ele, "havendo violação das leis as pessoas ofendidas devem atuar juntos dos conselhos superiores, junto da Função Pública e junto do Tribunal Administrativo."
E o jurista finaliza: "É fácil usar os meios de contencioso administrativo e de impugnação porque a Constituição é clara: ninguém é obrigado a acatar ordens ilegais ou inconstitucionais e, se houve violação de direitos subjetivos os ofendidos, à luz da lei e do Código Cvil, podem deitar mão aos meios de tutela, que são os tribunais.
O XI Congresso da FRELIMO realiza-se entre 26 de setembro e 1 de outubro.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.