Com Bolsonaro, qual será o futuro da democracia no Brasil?
29 de outubro de 2018
À DW, analista diz que democracia brasileira sofre riscos sérios "com um Presidente extremista". Professor não acredita em ruptura institucional, mas Brasil será paulatinamente pior quanto à restrição de liberdades.
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O candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL), foi eleito Presidente do Brasil este domingo (29.10) com 55% dos votos contra 45% do seu adversário, Fernando Haddad (PT). Após as eleições presidenciais históricas que permitiram a volta de militares ao poder, o clima nas ruas brasileiras é tenso e de divisão profunda.
Para Cláudio Couto, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o futuro da democracia no Brasil está em risco com a eleição do ex-capitão do Exército, que é um admirador confesso da Ditadura Militar brasileira (1964-1985).
O analista prevê que, com o apoio do Congresso, o novo Governo será capaz de restringir a liberdade de expressão nas escolas e universidades e de confrontar a imprensa. "Alguns de seus apoiantes na sociedade têm se voltado à confrontação, à opressão dos adversários, à provocação", lamenta Cláudio Couto.
DW África: Com a eleição de Jair Bolsonaro, qual será o futuro da democracia no Brasil?
Cláudio Couto (CC): Eu creio que há um risco sério para a democracia brasileira com a eleição de Bolsonaro, porque se trata claramente de um Presidente extremista. É alguém que sempre fez a política baseada num discurso bastante violento, de elogio, inclusive, à violência, a soluções autoritárias. Já fez no discurso de posse uma mensagem contra os seus opositores, mantendo o discurso de radicalização e de polarização, que carateriza toda a sua trajetória política. Consequentemente, eu não imagino que teremos um Governo tranquilo com relação a isso. Eu acredito que continuaremos a ter uma confrontação e isso pode levar efetivamente a um aumento e continuidade da violência política no Brasil.
DW África: O senhor acha que as instituições democráticas, incluindo o Judiciário, terão força para conter possíveis excessos do novo Governo?
CC: Evidentemente, muitas instituições tentarão atuar no sentido de evitar os excessos do Presidente, mas ele tem espaço para uma atuação voltada a essa política de confrontação, por exemplo, na maneira como pode vir a gerir a Polícia Federal com o apoio que tem já bastante disseminado entre as polícias militares e parte das polícias civis no âmbito dos estados. Nas questões relacionadas à área social, a possibilidade de fazer oposição livremente é bastante considerável. A tentativa de aprovar uma legislação que restrinja a liberdade de expressão no âmbito das escolas e das universidades, aliada com a atuação de apoiantes de Bolsonaro na sociedade é grave. Alguns apoiantes têm se voltado à confrontação, à opressão dos seus adversários, à provocação. Hoje mesmo, já tivemos uma série de manifestações chamando por movimentos de direita estudantil, justamente naquelas escolas de maioria de esquerda, para que denunciem suposta 'doutrinação' feita pelos professores. Esse é o exemplo de uma provocação que pode produzir mais violência.
Com Bolsonaro, qual será o futuro da democracia no Brasil?
DW África: Com a eleição de Bolsonaro, militares voltam ao poder num país que já viveu uma ditadura. O Brasil corre o risco de voltar a esses tempos sombrios?
CC: Eu não creio que nós teremos uma ruptura institucional no sentido mais clássico de um golpe de Estado, ou algo desse tipo. O que eu acredito que pode haver – e eu acho a possibilidade não é pequena – é uma piora paulatina com a aprovação de uma legislação restritiva de liberdades, com uma autorização à atuação franqueada dos grupos violentos, seja dentro do próprio Estado e nas polícias, seja na sociedade. Uma restrição também da liberdade de imprensa, isso deve também ocorrer em alguma medida. Tudo com uma maioria no Congresso. O Governo Bolsonaro terá um partido que não é maioritário, mas que associado a outros partidos que já lhe hipotecaram apoio, pode produzir uma maioria congressual suficiente até para aprovar emendas constitucionais. Com isso, poderemos ter, por um lado, um 'bolsonarismo de coligação' e, de outro, iniciativas no âmbito do Executivo de intimidação dos adversários e também no âmbito da sociedade.
DW África: No exterior, muitas pessoas estão assustadas com a escolha dos brasileiros e não conseguem entender como um candidato de extrema-direita chegou ao poder. Era de se esperar que isso fosse acontecer num Brasil em crise?
CC: Era de se esperar, em alguma medida, para quem observava o clima político que se produziu no Brasil nos últimos anos. A gente percebia o crescimento da candidatura do Bolsonaro, em boa medida, alicerçado nessa raiva e, especificamente, em relação à esquerda e aos esquemas de corrupção em que o Partido dos Trabalhadores (PT) se envolveu. Isso tudo junto produziu um ambiente propício a um candidato antissistema e contrário a toda aquela política tradicional que se fazia. Infelizmente, o período que vem pela frente é tenebroso.
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.