Segurança climática em Angola: "Uma luta que não se faz só"
José Adalberto
17 de novembro de 2022
Angola apresentou na COP27, no Egito, as suas ações contra as alterações climáticas. Mas especialistas dizem que é preciso sair do "discurso político" e que a sociedade civil também tem um papel importante a desempenhar.
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A cimeira do clima COP27 termina esta sexta-feira (18.11) no Egito. Durante o evento, Angola reafirmou o seu compromisso em aumentar até 70% as fontes de energia renovável, até 2025. Apelou ainda a uma maior cooperação internacional para combater os efeitos das alterações climáticas.
De acordo com o engenheiro agrónomo Francisco Dumbo, o país sentiu, nos últimos anos, o impacto negativo das alterações climáticas.
As secas cíclicas, inundações e pragas, sobretudo na região sul do país, têm sido agravadas pela prática cultural de queimadas realizadas pelos agricultores, com o pretexto da limpeza dos terrenos, mas com consequências graves na fertilização dos solos.
"Ao provocar a queimada, o solo fica seco, improdutivo e torna-se definitivamente deteriorado. Elimina nutrientes fundamentais para qualquer cultura vegetativa, como potássio, fósforo e hidrogénio", explica Dumbo à DW.
Estratégia do Governo
O Governo angolano aprovou uma estratégia nacional para combater os efeitos das alterações climáticas.
O documento reflete a visão do país até 2030. Entre outras metas, prevê uma maior produção e acesso a eletricidade de baixo carbono, o aumento da eficiência energética em edifícios públicos ou em novas casas e a redução das emissões fugitivas resultantes da exploração e produção de petróleo e gás natural.
Para o ambientalista Léo Paxi, diretor-executivo da organização não governamental Ação Florestal, "infelizmente, ainda continuamos a olhar para esta situação como uma questão política ou os nossos discursos continuam a ser apenas políticos".
"Gostaria que os discursos passassem dos discursos políticos para a ação prática", apela Paxi.
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Ações desenvolvidas em Angola
Durante o discurso na cimeira do clima COP27, no Egito, a vice-Presidente de Angola, Esperança Costa, apresentou várias ações desenvolvidas pelo Executivo neste domínio: referiu que o país aumentou as áreas de conservação florestal e indicou projetos que têm como principal objetivo aumentar a resiliência das comunidades ou transferir e armazenar água para localidades necessitadas.
Por outro lado, Esperança Costa pediu um reforço da cooperação internacional, alertando para a necessidade de incluir o continente africano nas estratégias de combate às alterações climáticas. Destacou ainda a necessidade de criar um sistema de alerta prévio e operacionalizar a agência humanitária africana.
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"Porquanto irão permitir e identificar os múltiplos perigos relacionados com as alterações climáticas, recolher e partilhar dados para responder aos diferentes problemas ligados às alterações climáticas, incluindo às deslocações forçadas da população", disse a vice-Presidente angolana.
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"Uma luta que não se faz só"
O ativista ambiental Léo Paxi aplaude a exortação feita ao mundo, para uma maior cooperação contra os efeitos das alterações climáticas. No entanto, diz que Angola não é não é um bom exemplo nesta matéria.
"A questão ambiental é uma luta que não se faz só. Todo o mundo se deve envolver. Infelizmente, não é a realidade de Angola. Eu gostaria que essa realidade mudasse, para sairmos deste elitismo", conclui.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.