Comissão pede estado de emergência em Cabo Delgado
Lusa
4 de março de 2019
O presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) de Moçambique, Luís Bitone, diz, em entrevista à agência Lusa, que declaração de estado de emergência em Cabo Delgado agilizaria apoio humanitário.
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"Dada a gravidade da situação, era importante que o Presidente da República decretasse uma medida de emergência para aquela zona", refere Luís Bitone, acrescentando que a proposta já foi formalizada pela Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Há deslocados com fome, tal como detidos - em que se incluem crianças, com as mães -, além de condições precárias nos centros de apoio e locais de detenção, relatou à agência de notícias Lusa.
Perante este panorama, a decisão permitiria "alocar mais recursos humanos e financeiros" para ações de socorro e regular a limitação de algumas liberdades e direitos, defendeu.
"Sem um estado de emergência, qualquer limitação de direitos vai ser sempre condenada", sublinhou Luís Bitone.
"É um contexto de guerra"
Os ataques de grupos armados a locais remotos da província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, já terão matado pelo menos 150 pessoas desde outubro de 2017 e milhares de pessoas abandonaram as aldeias e as hortas onde cultivavam os seus alimentos, dando origem a um movimento de deslocados em direção às capitais de distrito.
Para a CNDH, o número de mortes deve estar abaixo da realidade, só que faltam condições, principalmente de segurança, para que entidades independentes produzam novos dados.
"Os acontecimentos do terreno sugerem números acima dos que nos são apresentados. Há eventos que não estão ao alcance das autoridades", referiu.
Luís Bitone olha para a situação e compara-a a um cenário de guerra.
"Temos relatos que dão conta de que algumas pessoas morreram, não pelo fogo do inimigo, mas pelo fogo das próprias forças moçambicanas. É um contexto de guerra", acrescentou.
CNDH: Há menores de 4 anos detidos
Por outro lado, a CNDH teme pela população albergada em centros de acomodação, "em muitos casos em situações precárias", assim como pelas detenções feitas pelas autoridades, referiu.
"Há crianças com menos de quatro anos dentro de estabelecimentos penitenciários, menores que foram detidos com as suas mães no contexto das operações" desencadeadas pelas autoridades.
Os menores, em número por determinar, foram identificados pelo comissário provincial da CNDH de visita a alguns locais de aprisionamento, acrescentou Luís Bitone.
O mesmo membro da comissão constatou ainda que os pontos de detenção na província não apresentam condições mínimas para receber pessoas.
"Além de estarem cheios, há fome, tanto assim é que fizemos apelos a instituições de caridade e o nosso apelo foi respondido", disse Luís Bitone, na entrevista à Lusa.
Só em Pemba, capital provincial, há cerca de 200 pessoas detidas, acusadas de envolvimento na violência armada que afeta a província - o Tribunal Judicial da Província de Cabo Delgado marcou para o dia 24 de abril a leitura da sentença no julgamento coletivo.
As detenções e o julgamento em curso não têm conseguido conter o conflito, multiplicando-se ataques por parte de grupos armados e acusações sobre abusos de direitos humanos por parte das Forças de Defesa e Segurança (FDS), nomeadamente pela Human Rights Watch.
A onda de violência eclodiu após um ataque armado a postos de polícia da vila de Mocímboa da Praia por um grupo com origem numa mesquita local que pregava a insurgência contra o Estado e cujos hábitos motivavam atritos com os residentes desde há dois anos.
Na última semana, uma caravana automóvel de trabalhadores nas obras de gás natural foi atacada e um deles morreu, naquela que foi a primeira ocasião em que bens e propriedade ligados a uma petrolífera estiveram na mira dos agressores.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.