Comité central da FRELIMO acontece num momento de fragilização do partido devido aos sucessivos casos de corrupção. Reverter isso será um dos desafios do encontro que coloca à prova capacidade de purificação da FRELIMO.
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O desastre causado pelo ciclone Idai foi a justificação dada pela FRELIMO para adiar o comité central do partido, previsto para 22 a 24 de março, para início de maio. Num ano eleitoral marcado pela realização, pela primeira vez no país, da eleição de governadores provinciais, o encontro será dominado por esse tema. Mas há outras preocupações do partido no poder que marcarão a reunião dos militantes do partido, como a necessidade de reafirmação política, entende Calton Cadeado.
O analista político diz que "há hoje um sentido de preocupação com o avolumar de posições que dizem claramente que esta eleição vai dizer muita coisa na trajetória do nosso processo democrático e também da própria paz. Então, a FRELIMO está interessada em fazer desta eleição uma vitória que mostre que afinal de contas ainda é uma força relevante no processo político democrático. E mais do que isso, há um sentido de querer mostrar que a FRELIMO é uma força relevante na liderança dos processos".
Higienização é uma questão de sobrevivência
Comité central da FRELIMO, o momento de purificação
O comité central realiza-se num momento em que o país vive algumas das piores crises da sua história, algumas delas orquestradas por altos quadros da FRELIMO, como por exemplo as dívidas ocultas que mergulharam o país numa crise financeira sem precedentes. Este escândalo é a prova incontestável de que o partido está profundamente afetado pela corrupção e desonestidade.
Descurar essas enfermidades significa continuar a baixar os níveis de popularidade do partido, o que seria um tipo no pé em época de eleições. Calton Cadeado entende que "a FRELIMO sente a necessidade de dar uma nova imagem de purificação" a "um partido que também está preocupado com a sua marca fora de escândalos económicos que se notaram nos últimos tempos".
O próprio líder do partido e Presidente do país, Filipe Nyusi, tem o seu nome ligado às dívidas ocultas. Além disso, a forma como o seu Governo geriu o dossier foi pouco convincente e por isso altamente contestada. Embora Filipe Nyusi seja dado como o candidato certo do partido à próxima corrida presidencial, há correntes que não descartam a possibilidade de lhe ser retirado o apoio nesse sentido.
André Thomashausen é especialista em Direito Internacional e advinha que "isso poderia ter como consequência não ser [Nyusi] o candidato do partido no próximo mandato e a FRELIMO teria de procurar um novo candidato para Presidente e chefia do Executivo".
Ciclone Idai, um azar que joga a favor da FRELIMO
Mas o acaso ainda consegue ser generoso com a FRELIMO neste momento de fragilidade. O ciclone Idai foi uma desgraça da natureza que ofereceu ao partido a oportunidade de promover a integridade que tanto falta a muitos dos seus membros como valor maior no processo de assistência humanitária.
A FRELIMO soube assim responder positivamente a um povo que já acordou e por isso muito mais vigilante: "Essa é uma das coisas, na minha forma de ver, inevitável no debate à volta dos assuntos que caracterizam o processo político nos últimos tempos e no comité central este vai ser um elemento para mostrar que a FRELIMO, como partido que governa, está neste momento a fazer uma gestão íntegra, e, mais do que isso, a colocar-se na disposição de ser escrutinada", diz Calton Cadeado.
E o académico alerta: "Não nos esqueçamos que o Presidente da República e líder da FRELIMO disse claramente que nós temos de abrir espaço para a entrada de órgãos ou entidades independentes na monitorização do processo de gestão, como quem diz que temos de dar a mão à palmatória em praça pública".
Que tratamento será dado ao caso Samito?
Mas a viragem não é apenas um desafio a que a FRELIMO está sujeita na esfera nacional. Na vida interna do próprio partido, foi já estabelecido um marco que exige mudanças. A decisão de Samora Machel Jr. de se candidatar a edil da capital moçambicana sem o apoio do partido agitou as suas hostes.
Supõe-se que este assunto possa vir a ser discutido no comité central, embora alguns setores acreditem que a FRELIMO com a sua astúcia possa vir a postergar esse caso como forma de empatar possíveis ambições políticas do visado, sobre o qual recai já um processo disciplinar.
Sobre o caso, Samito, como também é conhecido Samora Machel Jr, vaticinou: "Acho que há-de haver discussão acesa. Hão-de haver várias opiniões em termos de desfecho: se tenho de ser expulso, se tenho de continuar dentro do comité central ou se tenho de sofrer uma sanção... Não sei."
Instabilidade sem prazo à vista
Não menos preocupante é o dossier Cabo Delgado. Os ataques armados incessantes põem em causa as ambições económicas de Moçambique e as autoridades não têm dado sinais de estarem a conseguir por termo aos mesmos. Essa incapacidade deverá estar também no topo da agenda do comité central.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.