Como é que os EUA apoiam militarmente Taiwan?
8 de agosto de 2022A China está a realizar, desde a última quinta-feira (04/08), os seus maiores exercícios militares em décadas, ao longo da costa de Taiwan. Os exercícios surgem em resposta à visita da mais alta delegação do Congresso dos EUA à ilha em 25 anos.
A viagem liderada pela presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, foi criticada por alguns como um gesto arriscado e simbólico. Isto porque o que é realmente necessário de Washington é reforçar as capacidades de defesa de Taiwan face à crescente agressão da China.
"Devemos focar a nossa relação bilateral com Taiwan em ações discretas, mas altamente impactantes, que fortaleçam as defesas de Taiwan. Uma visita da presidente da Câmara dos EUA está próxima do extremo oposto do espectro", diz Kharis Templeman, especialista em Taiwan do Instituto Hoover, da Universidade de Stanford.
A presença da Marinha dos EUA no Pacífico e no Mar do Sul da China, também conhecido por China Meridional, serve como o principal obstáculo da China na região.
Nutrir a rede de alianças dos EUA na região do Indo-Pacífico foi a razão declarada para a viagem de Pelosi. Isto envolve também trazer países europeus, como a França e o Reino Unido, para participar nas chamadas manobras de liberdade de navegação em águas internacionais que a China reivindica como seu território.
Tzu-yun Su, analista do Instituto de Investigação em Defesa Nacional e Segurança em Taiwan, explica que os exercícios militares da China são concebidos como uma "guerra psicológica estratégica" contra Taiwan, e um sinal de que Pequim quer "impedir os militares dos EUA de apoiar Taiwan".
Os Estados Unidos são o principal fornecedor militar de Taiwan, vendendo armas e tecnologia de defesa necessárias em Taipé. Durante décadas, Washington vendeu armas à ilha ao abrigo da Lei de Relações de Taiwan, que permite o fornecimento de armas "defensivas".
Desde 2019, Taiwan encomendou pelo menos 17 mil milhões de dólares (16,65 mil milhões de euros) de equipamento militar norte-americano, de acordo com o Defense News. Isto inclui uma encomenda de 8 mil milhões de dólares de 66 aviões de caça F-16 aos EUA, que ainda eram liderados pelo Presidente Donald Trump. Esta foi uma das maiores encomendas de sempre.
Em julho de 2022, o Departamento de Estado norte-americano aprovou a possível venda de "assistência técnica militar" no valor de 108 milhões de dólares para Taiwan. O Pentágono disse em comunicado que Taiwan solicitou peças de reparação para tanques e veículos de combate, armas ligeiras, sistemas de armas de combate e itens de apoio logístico.
Estratégia "porco-espinho"
Apesar do apoio dos EUA e de mais gastos com a defesa, Taiwan ainda não consegue acompanhar a modernização militar da China. Este desfasamento está a empurrar Taiwan para a construção da sua capacidade de "guerra assimétrica", também designada de "estratégia do porco-espinho".
A estratégia envolve a utilização de armas mais pequenas, mas altamente eficazes, para combater uma força inimiga maior. O sucesso da Ucrânia na luta contra a primeira fase da invasão russa, por exemplo, através da utilização de foguetes disparados a partir dos ombros dos soldados para dizimar tanques, tem sido citado como uma aplicação bem sucedida da estratégia.
Os EUA estão agora a aconselhar Taiwan a adquirir armamento concebido para a mobilidade e precisão para combater uma eventual invasão marítima da China.
O The New York Times e o Politico relataram, em maio, que o Departamento de Estado tinha dito a Taipé que deveria concentrar-se na aquisição de equipamento adequado à guerra assimétrica e que seria melhor defenderem-se contra a China - como mísseis e artilharia aperfeiçoada - em vez de tentarem assegurar armas de grande porte como helicópteros caros concebidos para caçar submarinos.
Desde o Governo de Donald Trump, Washington já aprovou a venda de sistemas assimétricos, tais como mísseis de defesa costeira Harpoon, sistemas de mísseis de artilharia de alta mobilidade (HIMARS), mísseis Stinger e drones "caçadores assassinos" MQ-9.
A defesa "ambígua" de Taiwan
No entanto, nem todas as armas encomendadas chegaram, devido a problemas de produção e à guerra na Ucrânia. Isto vem acompanhado de críticas aos EUA, que estão a avançar "muito lentamente", agora que se trata de dar prioridade à defesa de Taiwan, considerada uma prioridade de segurança nacional.
Os Estados Unidos não têm laços diplomáticos formais com Taiwan e reconhecem a República Popular da China (RPC), com sede em Pequim, como "o único Governo legal da China" ao abrigo da política de "uma só China".
Pequim vê Taiwan como uma província chinesa que um dia estará "reunida" com o continente, mesmo que seja necessário usar a força.
Os Estados Unidos não reconhecem explicitamente a soberania chinesa sobre Taiwan e continuam a fornecer armas à ilha autogovernada, o que tem levado à atual "complicada" área cinzenta diplomática e estratégica.
Ao abrigo da Lei das Relações de Taiwan de 1979
Washington mantém uma posição de "ambiguidade estratégica", sob a Lei de Relações de Taiwan de 1979, o que significa que a intervenção militar direta não é garantida, mas também não é explicitamente descartada.
Observações recentes do Presidente dos EUA, Joe Biden, de que o seu país "defenderia" Taiwan se fosse atacado pela China, causaram confusão e forçaram a Casa Branca a esclarecer que Washington não tinha alterado a sua posição sobre a não-intervenção.
Têm havido vários apelos nos círculos de política externa dos EUA para que o país mude a sua posição à medida que a China vai aumentando gradualmente as suas capacidades militares. Os críticos dizem que a política vem de uma época em que os militares dos EUA ultrapassavam amplamente os da China.
Richard Haass, diretor do Conselho de Relações Exteriores dos EUA, escreveu no Foreign Affairs que Washington precisa de mudar para uma política de "clareza estratégica".
É pouco provável que o velho "manual, que funcionou quando Taiwan e os Estados Unidos tinham uma vantagem militar sobre a China, mantenha a distância de um PLA [Exército de Libertação Popular] que passou as últimas duas décadas e meia a preparar-se para um conflito em Taiwan", escreveu Haass.
"Washington precisa de se preparar para um conflito em Taiwan, a principal prioridade para o Departamento de Defesa, e de o financiar em conformidade", acrescentou Hass.
O analista taiwanês Su diz que, embora o PLA esteja a montar uma demonstração de força "sem precedentes", a hipótese de escalada é "muito pequena" porque uma guerra agora é muito "desfavorável para Pequim" e a vitória é incerta.
"Xi Jinping não pode arriscar pôr em perigo o seu terceiro mandato como líder chinês", acrescenta Su.
Os EUA vão intervir?
Em 1950, pouco depois do Partido Comunista Chinês ter assumido o controlo da China continental, o general do Exército dos EUA Douglas MacArthur disse que Taiwan (na época chamada Formosa), nas "mãos dos comunistas", poderia ser comparada a um "porta-aviões insubmersível" que comprometeria os interesses estratégicos dos EUA no Pacífico.
No entanto, é improvável que os EUA interfiram nos exercícios militares nos próximos dias, diz Lev Nachman, professor de ciência política na Universidade Nacional de Chengchi, em Taiwan.
"Acho que esta é uma tática clara de intimidação e, se os EUA considerarem a mudança de ambiguidade estratégica, isso mostra que Pequim foi muito bem sucedida em assustar toda a gente", sublinha Nachman.
Nachman afirma, no entanto, que a situação atual pode mudar o cálculo político interno nos EUA. "Acho que todos os políticos hawkish [que tendem a optar por uma retórica mais agressiva] nos EUA vão engolir isto", diz.
"Preocupa-me que isto possa ser uma corrida para o fundo, e isto dá combustível àqueles que procuram uma postura agressiva em relação à China para justificar a sua posição. Estes tipos de reações fortes vão ser alimentadas", acrescenta Nachman.