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PolíticaEtiópia

Como a Etiópia recorda Haile Selassie?

Eshete Bekele
12 de setembro de 2024

Na Etiópia, o antigo imperador Haile Selassie foi destronado há exatos 50 anos. O rei, que fez amizades com líderes dos EUA, da Europa e da China, deixou um legado misto no seu país natal.

Haile Selassie I, Etiópia, rei
Haile Selassie, regente da Etiópia de 1916 a 1930 e Imperador da Etiópia de 1930 a 1974Foto: World History Archive/picture alliance

Em 12 de setembro de 1974, há exatos 50 anos, Haile Selassie, o último monarca etíope, reuniu-se no seu palácio em Adis Abeba com um delegado [do comité militar comunista] chamado "Derg" - a reunião foi o último desafio do comité para derrubar o regime imperial.

Os representantes dessa delegação dirigiram-se a Haile Selassie como "Vossa Majestade" e "suplicaram-lhe humildemente" que se mudasse para um local designado para a sua saúde e segurança.

Inicialmente hesitante, o imperador aceitou partir depois de refletir sobre o significado de liderar o país. O imperador foi levado num Volkswagen Beetle do seu palácio, pondo fim a um reinado de décadas.

O derrube de Haile Selassie, há 50 anos, pôs fim ao regime monárquico na Etiópia. Segundo Hewan Semon Marye, professora e especialista em história política moderna etíope na Universidade de Hamburgo, na Alemanha:

"Podemos pensar neste homem como estando no meio da velha guarda moribunda, a geração que nunca viu a derrota, nas palavras do [académico israelita] Haggai Erlich, que manteve a independência da Etiópia, que nos deu os mapas contemporâneos e também podemos vê-lo como um precursor dos governantes que se sucederam e da Etiópia que é hoje", disse.

O sobrinho-neto do imperador Selassie, Asfa-Wossen Asserate disse à DW que o tio-avô "começou como um reformador, mas durante o seu reinado transformou a Etiópia de um país profundamente enraizado na Idade Média, para [o moderno] século XX", explicou.

De "Ras Teferi" a imperador da Etiópia

Antes de subir ao trono, Haile Selassie era conhecido como "Ras Teferi" e foi regente de 1916 a 1930. Os primeiros membros da intelligentsia etíope começaram a ir para a Europa para estudar quando ele era príncipe herdeiro. Os que regressavam eram nomeados para altos cargos na diplomacia etíope. Com a morte da imperatriz Zewditu, em 1930, tornou-se Haile Selassie I.

Em 1931, a Etiópia obteve a sua primeira Constituição, que estabelecia que só os seus filhos conseguiriam afastar a nobreza tradicional da política. A monarquia introduziu também um parlamento com poderes limitados, de carácter consultivo.

Durante o reinado de Haile Selassie, a Etiópia construiu barragens e estradas e criou uma marinha, uma força aérea e uma companhia aérea. Mas, com o tempo, a economia estagnou, explica a professora alemã. "No início, havia muita esperança, mas não se pode ter uma nação inteira dependente da exportação de café e de algumas fábricas de couro. Toda a estagnação veio com a sua longa permanência no poder."

Foto: Paul Almasy/akg-images/picture-alliance

Promover a unidade africana

Enquanto líder da Etiópia, Haile Selassie era um anti-colonialista que foi crucial na criação da Organização da Unidade Africana, em 1963, a antecessora da atual União Africana (UA).

Segundo o antigo diplomata etíope, Henok Teferra Shawl, Selassie "mobilizou os líderes africanos, 32 na altura, e certificou-se de que Adis Abeba se tornava o centro da unidade africana, reunindo-os em Adis Abeba para defender a democracia e a libertação".

Até aos seus últimos anos no poder, Haile Selassie viajou para o estrangeiro mais do que qualquer outro dirigente etíope, afastando-se das antigas tradições.

Nos seus primeiros anos como Ras Teferi, Selassie visitou muitos países europeus, incluindo a França, o Reino Unido e a Itália. Recebeu a Rainha Isabel II do Reino Unido e o Marechal Tito, da Jugoslávia. Visitou Mao Tsé-Tung da China, em Pequim; e encontrou-se com vários presidentes dos Estados Unidos, nomeadamente Richard Nixon, Dwight D. Eisenhower, Franklin Roosevelt e John F. Kennedy, tendo mais tarde assistido ao funeral de Kennedy, em 1963.

E foi o primeiro chefe de Estado estrangeiro a visitar a República Federal da Alemanha, em 1954, estabelecendo laços duradouros, diz o ex-diplomata Teferra Shawl. "As relações de Sua Majestade com países estrangeiros como a Alemanha foram cimentadas ao ponto de não poderem ser interrompidas mesmo após a sua queda."

Visita da Alemanha a Haile Selassie, Imperador da Etiópia, em 1954Foto: privat

O trono de Haile Selassie resistiu a uma invasão da Itália fascista durante a Segunda Guerra Mundial, bem como a uma tentativa de golpe de Estado em 1960, quando se encontrava de visita ao Brasil. Conseguiu reprimir os apelos à reforma dentro do seu círculo íntimo e suprimir as revoltas em várias partes do país.

"Nova geração"

Mas à medida que envelhecia, uma nova geração, educada na Etiópia e no estrangeiro, começou a exigir mudanças radicais. O seu empenhamento na expansão do acesso à educação desempenhou um papel crucial.

A educação, diz o seu sobrinho-neto, foi o maior legado."Penso que o seu grande legado será o facto de ter sido o pai da educação etíope, de ter sido o fundador da primeira universidade etíope e de a educação ter sido uma das suas maiores esperanças para o povo do seu país".

As pressões políticas e uma seca devastadora nas províncias de Wollo e Tigray foram o golpe final para o reinado de Haile Selassie. Centenas de milhares de etíopes morreram devido à fome causada pela seca prolongada de 1972 a 1975, tendo o imperador e o seu governo sido acusados de esconder o sofrimento dos seus cidadãos.

Após o derrube de Haile Selassie, há 50 anos, a rivalidade entre o [comité militar comunista] Derg e as organizações políticas oriundas do movimento estudantil viria a definir os 17 anos seguintes de derramamento de sangue na Etiópia.))

A criação da antiga Universidade Haile Selassie I, atualmente Universidade de Adis Abeba, é um testemunho do seu impacto na educação. Para Hewan, o imperador considerava que o seu papel era a educação de uma nova geração de etíopes que modernizaria o país sob o seu domínio. "Mas ele não viu que haveria uma nova geração que questionaria o seu próprio poder".

Movimento estudantil

Não foi apenas o movimento estudantil etíope que levou à queda de Haile Selassie. Ao mesmo tempo, o aumento do preço dos combustíveis provocou protestos entre os taxistas e os muçulmanos etíopes defendiam a liberdade religiosa."Os estudantes universitários exigiram a reforma agrária, mais democracia e, infelizmente, não foram ouvidos, o que levou a uma verdadeira revolução em 1974", disse Asfa-Wossen à DW.

As pressões políticas e uma seca devastadora nas províncias de Wollo e Tigray foram o golpe final para o reinado de Haile Selassie. Centenas de milhares de etíopes morreram devido à fome causada pela seca prolongada de 1972 a 1975, tendo o imperador e o seu governo sido acusados de esconder o sofrimento dos seus cidadãos.

"Quando a seca atingiu o povo, Haile Selassie não foi bem informado pelos seus conselheiros”, afirmou o ex-diplomata Henok Teferra Shawl, acrescentando que as medidas tomadas para combater a seca e a fome foram insuficientes para resolver o problema.

[A junta militar comunista] Derg, que há meses conspirava para derrubar a monarquia, transmitidu na televisão nacional uma conhecida angustiante reportagem do jornalista britânico Jonathan Dimbleby. No dia seguinte, Haile Selassie foi destronado. A rivalidade entre o Derg e as organizações políticas oriundas do movimento estudantil viria a definir os 17 anos seguintes de derramamento de sangue na Etiópia.

Haile Selassie e a luta por uma Etiópia moderna

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