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PolíticaCosta do Marfim

Costa do Marfim: eleições instalam "bomba de tensão étnica"

AFP
28 de outubro de 2020

As controvérsias sobre as eleições presidenciais deste sábado reascenderam a tensão étnica na Costa do Marfim. Entre apoiadores de Governo e oposição, a campanha deu lugar á violência entre as etnias do norte e do sul.

Elfenbeinküste Abidjan | Demonstrationen | Gegen Präsident Ouattara
Foto: Julien Adayé/DW

Representantes da oposição costa-marfinense na Europa manifestaram, esta terça-feira (27.10), em Bruxelas, o seu apoio ao boicote às eleições presidenciais de sábado - solicitado pelos partidos da oposição. No poder desde 2010, o Presidente Alassane Ouatarra concorre a um terceiro mandato, considerado "inconstitucional" pela oposição.

A questão é que o impasse e a controvérsia em torno do terceiro mandato de Ouatarra têm transformado a Costa do Marim num caldeirão étnico pronto para explodir. 

O padrão tem sido o mesmo desde agosto: uma simples manifestação política se transforma repentinamente num choque entre o grupo étnico local e os Dioulas - reputados como pró-Alassane Ouattara.

Isto aconteceu pelo menos quatro vezes recentemente nestas localidades do sudeste, resultado em cerca de 30 mortos de diferentes grupos étnicos.

A 100 quilómetros a norte de Abidjan, na cidade Bongouanou, jovens Agnis são vistos armados com catanas. Os integrantes do grupo étnico originário do sul atravessam a cidade em busca de Dioulas, um grupo étnico do norte. Por sua vez, no bairro em que prevalecem, os jovens Dioulas também estão prontos para lutar.

"Em todo o lado, estão Dioulas contra grupos étnicos locais. Não é uma coincidência. Não queremos um terceiro mandato. A Costa do Marfim não foi feita para um único grupo étnico, os Dioulas estão no poder há dez anos, isso é suficiente", disse Lambert, um chefe da barragem de Agni em Bongouanou.

Protesto é reprimido pela polícia na capital a poucos dias do pleitoFoto: Patrick Fort/AFP/Getty Images

"Eles matam, nós matamos"

O ressentimento acumula-se entre grupos que subitamente podem transformar-se em gangues políticas rivais. "Eles matam dois, nós matamos um", diz Cissé Sekou, conhecido como o "Comandante" - um dos líderes da juventude Dioula em Bongouanou.

"Fomos nós que desenvolvemos a cidade. Isto era uma aldeia. Eles podem ir embora, nós apoiamos Ouattara para o terceiro mandato. Até à morte!"

Os confrontos entre grupos étnicos suscitam receios de que o país mergulhe novamente na violência dez anos após a crise pós-eleitoral de 2010-2011. À época a recusa do Presidente Laurent Gbagbo em admitir a sua derrota eleitoral para Alassane Ouattara resultou em convulsão social, que dividiu o país entre norte e sul e deixou 3 mil mortos.

Desde a independência, o país tinha sido governado por políticos do sul. As comunidades do norte reclamavam muitas vezes que eram esquecidas no que se refere a investimentos e nomeações para cargos públicos. Hoje, alguns denunciam uma espécie de "vingança do norte", acusando Ouattara de favorecer a região.

"Há uma transição muito rápida da violência política para a violência comunitária", diz Rinaldo Depagne, da organização de prevenção de conflitos International Crisis Group (ICG).

Para Depagne, a reconciliação falhou. Foi colocada uma tampa sobre a crise de 2010, mas os problemas subjacentes ainda não foram resolvidos.

Eleições têm iniciativa de boicote da oposiçãoFoto: Issouf Sanogo/AFP

Velhas práticas

O ex-ministro Marcel Amon Tanoh - que está na oposição e teve a candidatura invalidada teme a ressurreição de "velhos demónios". Ele sublinha que na Costa do Marfim "como muitas vezes noutros lugares em África", os partidos políticos têm uma base étnica e que mesmo que alarguem a sua base, o domínio étnico permanece.

Durante as eleições presidenciais de 1995, o Presidente Henri Konan Bédié, conhecido como HKB, utilizou o conceito xenófobo "ivoirité" para evitar que Ouattara, acusado de ser Burkinabe, concorresse contra ele no pleito. Sonhando com um regresso ao poder, HKB volta a ser candidato e recolhe aos velhos métodos:

"O marfinense é um estrangeiro em seu próprio país. Quando chegar ao momento, atuaremos para evitar este assalto à Costa do Marfim", disse HKB em junho de 2019.

No terreno, milícias chamadas de "micróbios" surgiram nos últimos meses e causam o terror em áreas já instáveis. Embora seus líderes e motivações sejam desconhecidos, a oposição acusa-os de estarem a ser pagos pelo Governo. Nas redes sociais, os extremistas de ambos os lados apelam abertamente ao assassinato.

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