Como o corpo reage à greve de fome?
21 de outubro de 2015Privado de nutrientes, o organismo de uma pessoa em greve de fome sofre com distrofia muscular, disfunção de órgãos e perda de capacidade cognitiva. Para indivíduos saudáveis, é possível resistir até oito semanas, diz o especialista em medicina interna do Hospital CUF Porto, Filipe Basto.
Em greve de fome há 31 dias, o ativista angolano Luaty Beirão quer deixar a Clínica Girassol e regressar ao Hospital Prisão de São Paulo, onde estão outros ativistas presos desde junho acusados de planear um golpe de Estado contra o presidente José Eduardo dos Santos.
O quadro de saúde de Luaty Beirão agrava-se a cada dia, mas, apesar dos apelos de advogados e da família, o ativista nega-se a encerrar a greve de fome até que possa responder ao processo em liberdade. O julgamento está marcado para 16 de novembro. "Já se passaram quatro semanas e Luaty Beirão encontra-se em estado grave", diz o especialista.
Em entrevista à DW África, Filipe Basto explica que a decisão cabe ao paciente, conforme previsto na Convenção de Malta, elaborada pela Associação Médica Mundial. "A vontade da pessoa é a condição mais importante desde que ela ainda tenha a capacidade de tomar decisões", afirma.
DW África: Quanto tempo uma pessoa em greve de fome consegue resistir sem se alimentar?
Filipe Basto (FB): Por um lado, precisamos observar qual é o ponto de partida, como a pessoa está antes de suspender a alimentação. É preciso avaliar se ela está bem nutrida, se tem alguma complicação médica, se tem baixo peso, se tem idade avançada e se, durante o período de greve de fome, de facto não está a ingerir nenhum tipo de nutrientes, nomeadamente líquidos. Se a pessoa estiver num bom estado de saúde prévio e se conseguir manter alguma hidratação é possível que possa manter-se entre seis e oito semanas. No entanto, se a pessoa não comer nem beber nada de forma absoluta e, sobretudo, se estiver num contexto em que haja calor as consequências podem ser devastadoras num período muito mais curto, de duas a três semanas.
DW África: E quais são as consequências mais graves para o organismo?
FB: Evidentemente que a consequência mais grave pode ser a morte. Nesse período, ocorre o que podemos chamar de dores da fome, uma redução da capacidade cognitiva e sensorial, dificuldade de deglutição, hipotermia, até a disfunção de órgãos, como os rins e o fígado. É um processo em que o organismo em vez de estar a recolher os nutrientes de que precisa acaba por utilizar todas as reservas e a autodestruir-se. A atrofia muscular começa nos primeiros dias e com o agravamento pode haver arritmias cardíacas. Nunca esquecendo que a perda de ingestão de nutrientes vai tornar o organismo da pessoa muito mais vulnerável a infecções e isso pode ser um risco acrescido de complicações a qualquer momento.
DW África: Luaty Beirão está em greve de fome há 31 dias e recebe apenas soro. Como podemos avaliar o quadro de saúde do ativista?
FB: Não tenho informações específicas, portanto é difícil dar uma opinião definitiva. De qualquer maneira, creio que ele está pelo menos numa fase de ultrapassagem das primeiras quatro semanas e a circunstância dele parece ser muito grave. Os próximos dias vão depender do facto estarem a dar ou não algum apoio nutricional que possa no fundo fazê-lo ganhar algum tempo.
DW África: A suspensão da greve de fome e a realimentação também podem trazer problemas? Pode-se chegar a uma situação irreversível?
FB: Essa realimentação não está também isenta de problemas. Essa fase tem que ser muito precisa e cuidadosa, tendo em conta reposição de água e dos nutrientes essenciais de uma forma muito cautelosa, para evitar complicações em termos de perda de função e de ameaça à própria vida da pessoa.
DW África: A Associação Médica Mundial adota a Convenção de Malta, que diz que a alimentação forçada é "eticamente inaceitável". A decisão da pessoa em greve de fome deve ser respeitada em qualquer caso ou há exceções?
FB: Desde que a pessoa tenha a capacidade de tomar as decisões com certeza que o aspecto da sua vontade é a condição mais importante. Portanto, esse tem sido um princípio difundido e universalmente aceite. O quadro da greve de fome é de facto dramático.
Ativista Albano Bingobingo suspende greve de fome
O ativista angolano Albano Bingobingo, um dos 15 jovens acusados de tentativa de golpe de Estado, disse esta quarta-feira (21.10) à agência de notícias Lusa que suspendeu a greve de fome que começou a 09 de outubro, face à marcação da data do julgamento, entre 16 e 20 de novembro.
O ativista também iniciou a greve de fome em protesto pelo prolongamento além do prazo da prisão preventiva e, segundo denúncia da família, não recebeu os cuidados médicos necessários.