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PolíticaAlemanha

Como o dinheiro alemão financia crimes de guerra na Síria

Cathrin Schaer
29 de março de 2024

Os sírios na Alemanha são obrigados recorrer ao Governo que os prendeu ou torturou para obter um novo passaporte. O dinheiro que pagam pelo documento financia um regime sancionado pela própria Alemanha, dizem ativistas.

Emissão do passaporte sírio pode custar até 1.000 euros
Emissão do passaporte sírio pode custar até 1.000 eurosFoto: Jens Wolf/dpa/picture alliance

Já no liceu, Adam Yasmin era político. Quando os protestos pró-democracia começaram na Síria, em 2011, Yasmin organizou manifestações depois das aulas na sua cidade natal de Jableh - apesar do risco representado pelas forças de segurança leais ao ditador do país, Bashar al-Assad.

Quando a revolução pacífica da Síria se transformou numa guerra civil brutal, Yasmin foi detido e torturado. Tinha 16 anos. "Estive na prisão durante sete meses e foi a pior experiência da minha vida", disse à DW. "E tudo porque apelámos à liberdade, à democracia e à abolição deste regime ditatorial".

Quando foi libertado, Yasmin fugiu, acabando por ir parar à Alemanha.

Atualmente, com 27 anos, vive em Freiburg, no estado de Baden-Württemberg, está a terminar a sua licenciatura e fala fluentemente alemão. Há pouco mais de um ano, candidatou-se à cidadania alemã e foi-lhe dito que precisava de mais uma coisa para o conseguir: Um passaporte sírio.

Já tinha apresentado o seu antigo bilhete de identidade sírio e uma certidão de nascimento. "Mas não era suficiente e disseram-me que tinha de arranjar um [passaporte]. Recusei. Não quero de maneira nenhuma dar dinheiro ao Governo sírio depois do que me fizeram. Esta é uma linha vermelha para mim", argumentou Yasmin. "Faz com que tudo o que eu vivi pareça nada".

Adam Yasmin completou voluntariado no serviço social na Alemanha e juntou-se aos jovens sociais-democratasFoto: Privat

Na Alemanha, e de acordo com o direito internacional, as pessoas oficialmente reconhecidas como refugiados nunca devem ser obrigadas a regressar à embaixada do país de onde fugiram. Yasmin está a seguir as suas opções legais.

E está longe de estar sozinho nesta questão. A situação pode ser ainda mais difícil para os sírios na Alemanha que têm o que se chama "proteção subsidiária". Uma espécie de estatuto de refugiado menor, a proteção subsidiária é concedida a pessoas que deixaram o seu país devido a perigos, como uma guerra civil, mas que não estão em perigo direto enquanto indivíduos.

Dos mais de 900.000 sírios que vivem na Alemanha, a maioria - cerca de 640.000 - tem algum tipo de estatuto de residência temporária, sobretudo proteção subsidiária. De acordo com a atual burocracia alemã, todos eles precisam de um passaporte do Governo sírio.

O Ministério do Interior alemão (BMI) avançou à DW que cada Estado tem o direito soberano de emitir os seus próprios passaportes e cobrar uma taxa por isso. E como os sírios que têm proteção subsidiária não estão em perigo direto por parte do seu Governo, o BMI diz que é "razoável" que obtenham um passaporte sírio.

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03:19

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Financiamento de crimes de guerra

Um dos principais argumentos contra as rigorosas regras alemãs em matéria de passaportes para os sírios é o custo - que, em última análise, beneficia o regime de Bashar al-Assad. O passaporte sírio é um dos mais caros do mundo e um novo passaporte na embaixada da Síria na Alemanha pode custar entre 265 e 1.000 euros e muitas vezes só é válido por dois anos. Em comparação, os alemães podem obter um novo passaporte por cerca de 100 euros e é válido por 10 anos.

Uma campanha nacional, #DefundAssad, lançada no final de 2022 por organizações alemãs de defesa dos refugiados, sugeriu que cerca de 85 milhões de euros por ano poderiam estar a entrar nos cofres do regime de Bashar al-Assad devido às regras alemãs.

Karam Shaar, especialista em economia política síria, investigou esta questão em pormenor, tendo em conta fatores como a validade dos passaportes, os sírios em idade de obter passaporte e o estatuto de asilo. Os seus resultados indicam que o Governo de Bashar al-Assad está provavelmente a receber menos do que as estimativas feitas pelas organizações de defesa: Entre 14 milhões e 37 milhões de euros anuais dos sírios na Alemanha.

O que é indiscutível, diz Shaar, é que os passaportes se tornaram uma boa fonte de rendimento para o regime de Bashar al-Assad durante a guerra civil síria. "Nos orçamentos nacionais da Síria, as receitas provenientes dos serviços consulares - um número agregado, a maior parte das quais está relacionada com a emissão e renovação de passaportes - aumentaram de 0,4% das receitas do Governo em 2010, para 5,4% em 2023", relatou Shaar.

Os sírios na Alemanha nem sempre contribuíram para este fluxo de dinheiro. Até 2018, os funcionários de vários estados alemães, incluindo Berlim, assumiram que não era "razoável" pedir novos passaportes sírios. Em vez disso, os sírios recebiam normalmente um "passaporte de estrangeiro" cinzento. No entanto, noutros estados, incluindo a Baviera, os sírios tinham de obter novos passaportes.

No início de 2018, o então ministro do Interior da Alemanha, Horst Seehofer, da conservadora União Social-Cristã, decidiu que era necessária uma abordagem mais unificada e deu instruções aos funcionários do Estado para adoptarem a abordagem da Baviera.

Seehofer orgulhava-se de ser duro com a migração e endureceu ainda mais as regras federais relativas aos passaportes em 2019, em parte para facilitar a deportação de migrantes, uma vez que a Alemanha não pode legalmente deportar pessoas que não tenham qualquer identificação oficial.

Marisa Raiser, uma das ativistas por detrás da campanha #DefundAssad, acredita que a instrução de Seehofer aos estados para unificarem as regras dos passaportes foi política. "O argumento foi que queriam que [todos os Estados] estivessem unificados. Mas também podiam ter ido na outra direção", sublinha.

De facto, a Alemanha não exige que os afegãos se desloquem à sua embaixada para obterem um novo passaporte, sublinhou Raiser, considerando-o "pouco razoável", porque o Afeganistão é governado pelos talibãs.

Refugiados na Alemanha

03:35

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Outros países europeus não são tão duros

A investigação da DW indica que, dos seis países da UE com as maiores populações de sírios, a Alemanha pode muito bem ser o mais restritivo.

Os sírios em França e nos Países Baixos - quer sejam reconhecidos como refugiados ou tenham proteção subsidiária - não são obrigados a renovar os seus passaportes sírios, disseram à DW representantes de organizações de defesa nesses países. Na Grécia, há menos sírios autorizados a permanecer no país, mas os que ficam recebem normalmente o estatuto de refugiado e nunca têm de renovar o passaporte sírio, acrescentou um porta-voz do Conselho Grego para os Refugiados.

Na Suécia, os sírios com proteção subsidiária podem ser convidados a obter um passaporte sírio. Na prática, os funcionários suecos responsáveis pela migração tendem a aceitar o argumento de que não seria razoável fazê-lo e cerca de três quartos dos requerentes foram aprovados para obter um "passaporte de estrangeiro" nos últimos três anos. A Áustria está provavelmente mais próxima da abordagem mais rígida da Alemanha.

Qual é a solução?

"Falámos com políticos e todos compreendem que é trágico e não querem que ninguém aqui envie dinheiro para o Governo sírio", disse Raiser à DW. "E eles dizem que querem mudar isso".

Mas o Ministério do Interior parece opor-se, apesar de não ser necessária uma nova lei. "Precisamos apenas de uma interpretação diferente de algo que já existe e que já estava a acontecer anteriormente", argumentou Raiser.

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Um porta-voz do ministério disse à DW que, se uma visita à embaixada do país de origem não for considerada razoável, as autoridades alemãs podem considerar a emissão de documentos de substituição do passaporte. Mas "as pessoas em causa devem apresentar provas concretas de todas as razões e circunstâncias especiais a seu favor".

O porta-voz acrescentou que, em 2023, o BMI pediu aos Estados alemães que examinassem a questão da razoabilidade "com especial atenção" no caso das pessoas com estatuto de proteção subsidiária.

Os sírios e os ativistas afirmam que, na prática, é extremamente raro que algum requerente tenha conseguido provar aos funcionários que esta situação não é razoável e, até hoje, a situação continua a ser frustrante.

"Espera-se que nos integremos aqui, mas as autoridades continuam a colocar pedras no nosso caminho", disse Yasmin. "Dizem-nos para pagar mil euros ao Governo que nos forçou a sair do nosso próprio país, nos torturou e matou as nossas famílias e depois dizem 'o problema não é nosso, é vosso'. Isto é inaceitável e intolerável e não pode continuar".

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