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Como o Ruanda está a ganhar influência em Moçambique

António Cascais
29 de setembro de 2021

À esteira da operação militar contra o jihadismo no norte de Moçambique, o Ruanda está a expandir a sua influência militar e política na região. Grupos da sociedade civil em Moçambique estão preocupados.

Mosambik | Besuch Filipe Nyusi und Paul Kagame in der Provinz Cabo Delgado
Presidente ruandês Paul Kagame em Cabo DelgadoFoto: Simon Wohlfahrt/AFP/Getty Images

Uma receção com honras militares para um convidado especial. No dia 24 de setembro de 2021, um homem caminhava sobre um tapete vermelho no aeroporto de Pemba - capital da conturbada província de Cabo Delgado, em Moçambique. Trata-se de um político que tornou-se muito popular em Moçambique, porque o seu país foi o primeiro a enviar tropas para combater os insurgentes islâmicos. Este é o chefe de Estado do Ruanda, Paul Kagame.

Na aparição pública da última sexta-feira (24.09), a presença do Presidente Filipe Nyusi pareceu discreta diante do seu homólogo ruandês. O Governo ruandês divulgava efusivamente pelo Twitter o que se passava em Pemba.

"O nosso presidente, e por extensão a nossa nação, apresenta uma imagem muito lamentável. Isto enche-nos de preocupação a nós moçambicanos", diz Adriano Nuvunga, chefe da organização de direitos humanos Centro para a Democracia e o Desenvolvimento (CDD) na capital moçambicana, em Maputo. 

É particularmente vergonhoso que Moçambique esteja a estender o tapete vermelho a um Presidente que sistematicamente espezinha os direitos humanos, disse Nuvunga à DW. "Desde que as tropas ruandesas têm estado em Cabo Delgado, Kagame tem vindo a adquirir cada vez mais direitos especiais. Por exemplo, temos informações de que Moçambique até deixou os ruandeses monitorizar o espaço aéreo durante a visita do Presidente Kagame".

Elogios pela cooperação

O Presidente de Moçambique Filipe Nyusi, no entanto, vê o contexto de forma diferente. Numa conferência de imprensa conjunta, elogiou efusivamente a cooperação entre os dois países, que classificou de "exemplar para toda a África". Paul Kagame salientou os sucessos militares dos seus soldados contra os jihadistas: "Juntamente com os seus irmãos moçambicanos, os nossos soldados ruandeses garantirão a segurança no norte de Moçambique para que a reconstrução possa ter lugar", disse o presidente ruandês.

Desde julho, cerca de mil soldados ruandeses têm apoiado o Governo moçambicano na luta contra os rebeldes na região de Cabo Delgado, rica em recursos minerais. Apenas alguns dias após a sua chegada, as tropas de Kagame impuseram pesadas derrotas aos jihadistas que tinham ocupado a importante capital distrital de Mocímboa da Praia durante mais de um ano. Kagame conseguiu assim um enorme golpe de propaganda. Nos círculos de poder moçambicanos, os ruandeses são agora considerados intocáveis.

Kagame e Nyusi conversaram pessoalmente em PembaFoto: Estácio Valoi/DW

O Ruanda não foi apenas o primeiro país a enviar militares para Cabo Delgado. Também fornece, de longe, o maior contingente de tropas estrangeiras em Cabo Delgado. Outros países como a África do Sul, Angola, Tanzânia, Zimbabué ou Botswana participam na missão militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM, na sigla em inglês).

Com um total de 3 mil soldados, o contingente da SADC também é suposto fornecer segurança. Mas a missão atua de forma muito mais discreta, pelo que as suas ações atraem muito menos atenção do público.

"Se compararmos o estilo da missão da SADC com o dos ruandeses, podemos ver claramente que os soldados da SADC se concentram na sua verdadeira tarefa, nomeadamente restaurar a situação de segurança e lutar contra os extremistas em Cabo Delgado, e essencialmente prescindir da propaganda mediática", diz Nuvunga. As tropas da SADC, ao contrário dos ruandeses, estariam claramente subordinadas ao comando do exército moçambicano.

Perseguição de membros da oposição

As organizações de direitos humanos temem as consequências negativas do envolvimento ruandês. Nuvunga acredita que Kigali está a usar cada vez mais a sua influência para perseguir figuras da oposição ruandesa em Moçambique. "Já houve cinco cidadãos ruandeses mortos em Moçambique de forma bárbara. Vários ruandeses também desapareceram em Moçambique, incluindo um jornalista que foi raptado e não reapareceu", diz Nuvunga.

Desde julho, soldados ruandeses estão em Cabo DelgadoFoto: Simon Wohlfahrt/AFP

Suspeita-se que os serviços secretos ruandeses estão por detrás dos assassinatos e raptos. "O Estado moçambicano costumava proteger todos os dissidentes ruandeses em Moçambique. Isso mudou com a cooperação militar entre Moçambique e o Ruanda em Cabo Delgado".

O Centro para a Democracia e o Desenvolvimento, de Adriano Nuvunga, exige agora que todos os acordos entre os presidentes do Ruanda e de Moçambique assinados durante a recente visita de Kagame a Cabo Delgado sejam tornados públicos. O povo moçambicano tem o direito de saber o preço que Moçambique está a pagar pela intervenção militar do Ruanda em Cabo Delgado e como funciona realmente a cooperação entre os dois países, especialmente ao nível dos serviços secretos", lê-se num comunicado de imprensa do CDD por ocasião da visita de Kagame a Cabo Delgado.

Mulheres soldado ruandesas em Moçambique

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