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Como o Sahel se tornou um ponto nevrálgico do contrabando

Jan-Philipp Scholz
29 de julho de 2025

O tráfico de droga e de pessoas continua a aumentar no Sahel. Em Agadez, no Níger, o contrabando de pessoas que tentam chegar à Europa sem documentos, é a principal fonte de rendimento, pelo menos oficiosamente.

O Serviço Nacional de Inteligência (NIB) e a Comissão de Controlo de Narcóticos (NACOC) do Gana destroem cocaína apreendida no valor de milhões, seguindo uma ordem judicial, em Acra, Gana, em 20 de junho de 2025
Em junho de 2025, agentes ganenses destruíram cocaína confiscada por ordem judicial em AcraFoto: Francis Kokoroko/REUTERS

A estação rodoviária de Agadez está movimentada. A cidade nigeriana, situada no deserto, é um dos centros regionais mais importantes. Aqui, no extremo norte do Sahel, as rotas comerciais entre a África Ocidental e o Magrebe convergem há séculos. E as fronteiras entre mercadorias comercializadas legalmente e mercadorias contrabandeadas sempre foram difusas.

Em particular, o contrabando de pessoas da África Subsaariana que partem para a Europa sem documentos é considerado - pelo menos oficiosamente - a principal fonte de rendimento da cidade.

Bamadou também queria chegar à Europa com a ajuda de contrabandistas. Mas o jovem da Guiné-Conacri desistiu pouco tempo depois. Agora, está retido em Agadez e alerta outros migrantes para os gangues criminosos cada vez mais brutais no deserto.

"Às vezes, chegam com tacos de basebol e começam a espancar as pessoas. Várias pessoas morreram num comboio de migrantes em março. Três senegaleses, dois sul-americanos e um guineense", conta à DW.

Nova política leva ao aumento do contrabando

Em 2015, sob pressão da União Europeia, o Níger aprovou uma lei contra o contrabando e realizou uma ação de controlo no deserto de Agadez que resultou na detenção de centenas de contrabandistas em poucos meses.

No entanto, em 2023, após o golpe militar, os novos governantes em Niamey aboliram a lei. Os efeitos da nova política não tardaram a chegar. Em poucas semanas, o contrabando em Agadez voltou em força.

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Ulf Laessing, diretor do programa Sahel na Fundação Konrad Adenauer, no país vizinho Mali, não duvida da influência da Rússia na revogação desta lei. "A nova liderança militar aprovou esta medida apenas um dia após a conclusão de um novo acordo militar com a Rússia", ressalta.

Os efeitos da nova política nigeriana foram rápidos: Poucas semanas após a abolição da lei, o contrabando em Agadez voltou a funcionar a todo o vapor e continua a crescer.

Parceiros em Moscovo em vez de Bruxelas

O quadro é semelhante nos vizinhos do Níger. No Burquina Faso e no Mali, os novos governos militares aproximaram-se mais de Moscovo do que de Bruxelas. Ao mesmo tempo, a indústria regional do contrabando expandiu-se rapidamente nestes países, particularmente no setor das drogas. 

Por exemplo, as autoridades do Burquina Faso, Mali e Níger apreenderam cerca de 13 kg (28,7 libras) de drogas por ano entre 2015 e 2020. Em 2022, esse número disparou para cerca de 1,5 toneladas — um aumento de mais de 11.000%, de acordo com relatórios do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

Os migrantes viajam do Níger para a Líbia através do desertoFoto: Désirée von Trotha/picture alliance

Apreensão de cocaína no deserto

Os dados mais recentes de 2024 mostram que mais de uma tonelada de cocaína foi apreendida durante uma única operação na fronteira entre o Senegal e o Mali. "É um recorde absoluto", afirma Amado Philip de Andres, do UNODC em Dakar, no Senegal. Segundo de Andres, a localização do Sahel torna-o há muito tempo um local estratégico de interesse para os traficantes de drogas.

A região fica entre os produtores latino-americanos e os consumidores europeus, onde a procura pela droga disparou. As redes criminosas sempre exploraram a instabilidade política no Sahel, mas de Andres considera que as atividades de contrabando atingiram recentemente um novo nível em termos de qualidade.

"Estamos a ver tecnologias cada vez mais sofisticadas. Existem veículos subaquáticos que transportam meia tonelada de drogas", destaca à DW.

Na maioria das vezes, a cocaína chega à Europa através do Sahel, por rotas terrestres controladas por redes locais de tráfico de drogas em rápido crescimento. "Os peixes graúdos no negócio da cocaína ainda vêm da América Latina. Mas o nível médio agora vem cada vez mais da África Ocidental e Central", acrescenta.

As redes criminosas adquiriram agora um poder financeiro significativo no Sahel e estão a lavar o seu dinheiro sujo em grandes projetos em toda a região.

Drogas apreendidas na fronteira entre Benim e Níger, por onde o contrabando entra no SahelFoto: Abdoulkarim Mahamadou/DW

Sistema de corrupção e repressão militar

Isso ocorre num contexto de corrupção entre funcionários públicos e forças de segurança, particularmente a nível local. Como resultado do declínio da influência da Europa, os programas anticorrupção e de boa governação no Sahel expiraram ou foram suspensos nos últimos anos.

"O tráfico de drogas está a dar aos grupos criminosos uma influência crescente sobre os funcionários fronteiriços e os políticos em posições de liderança a nível local", afirma de Andres.

As promessas russas de usar força militar para garantir maior ordem no Sahel e combater redes criminosas ficam muito aquém das expectativas. "É importante lembrar que só a França tinha mais de 5.000 soldados aqui. Mesmo eles não conseguiram pacificar a região. Os russos têm talvez 1.500 no Mali e outros 400 no Burquina Faso e no Níger", revela Ulf Laessing.

Em vez disso, segundo Laessing, a presença do grupo mercenário russo Africa Corps teve o efeito oposto. "A brutalidade que lhes é atribuída alimentou ainda mais os conflitos", sublinha.

Nos últimos anos, o Sahel tornou-se um importante centro de tráfico de drogas, especialmente cocaína, cannabis e, cada vez mais, drogas sintéticasFoto: Francis Kokoroko/REUTERS

A caminho do narcoterrorismo?

A dinâmica entre contrabandistas e jihadistas também está a mudar devido ao sucesso das redes de tráfico de drogas.

O termo "narcoterrorismo" é cada vez mais utilizado no Sahel. De acordo com o último Índice Global de Terrorismo, quase metade de todas as vítimas de terrorismo em todo o mundo provêm desta região.

Inicialmente, os jihadistas tendiam a ser beneficiários indiretos do tráfico de drogas, cobrando direitos aduaneiros sobre camiões ou recebendo dinheiro para escoltar comboios. Agora, de acordo com observadores, alguns grupos terroristas estão a tentar envolver-se diretamente neste negócio lucrativo. Noutras regiões, os Talibãs afegãos estáão há muito tempo envolvidos no comércio de ópio e, na Síria, o Estado Islâmico (EI) produz drogas sintéticas em grande escala.

De acordo com Laessing, os Estados europeus devem, portanto, tentar recuperar uma posição mais forte na região para defender os seus próprios interesses de segurança. Mas devido a outros pontos críticos globais, da Ucrânia a Gaza, os efeitos geopolíticos do que está a acontecer atualmente no Sahel são amplamente ignorados. 

"As pessoas pensam que esses países não são importantes porque são extremamente pobres. Mas esta é basicamente a fronteira sul da Europa", reforça Laessing.

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