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ConflitosÁfrica do Sul

Como os países africanos veem o seu papel nas crises globais

Martina Schwikowski
28 de dezembro de 2023

Após o ataque da Rússia à Ucrânia, África reagiu de forma bastante imparcial e tentou mediar a paz. Na guerra do Médio Oriente, os países tomaram partido, especialmente a África do Sul, com uma posição pró-Palestina.

Tanque israelita patrulha a cidade de Gaza
Os países africanos estão divididos quanto à sua posição sobre a guerra Israel-GazaFoto: Ronen Zvulun/Reuters

O conflito no Médio Oriente divide mais os países africanos do que a sua posição relativamente à guerra de agressão da Rússia na Ucrânia. "No conflito Rússia-Ucrânia, apesar de algumas posições diferentes, vimos esforços de África para agir como um bloco. Este não é o caso do conflito no Médio Oriente", afirma Fredson Guilengue, em Joanesburgo, numa entrevista à DW África. Guilengue é analista da Fundação Rosa-Luxemburg, ligada ao partido de esquerda alemão Die Linke.

O apoio dos estados africanos à retirada exigida pela Rússia da Ucrânia foi relativamente fraco na primeira votação da Assembleia Geral da ONU em 2 de março de 2022: apenas 28 dos 54 estados-membros de África votaram a favor da resolução. Muitos países do continente permaneceram neutros: 17 abstiveram-se e oito não votaram. Apenas a Eritreia votou contra a resolução.

Fredson Guilengue, analista da Fundação Rosa-LuxemburgFoto: Fredson Guilengue

União Africana pede cessar-fogo em Gaza

O posicionamento dos Estados africanos sobre a crise Ucrânia-Rússia contrasta com a questão Israel-Gaza, na qual muitos países africanos apelaram veementemente a um cessar-fogo em Gaza.

A União Africana (UA) apoiou os palestinianos desde o início: o Presidente da Comissão da UA, Moussa Faki Mahamat, apelou a ambos os lados para que acabassem com as hostilidades. Num comunicado, a organização afirmou que "a negação dos direitos básicos do povo palestiniano, em particular o direito a um Estado independente e soberano, é a principal causa das constantes tensões israelo-palestinianas".

O comunicado foi publicado no dia do ataque a Israel, em 7 de outubro, no qual o grupo terrorista palestiniano Hamas matou mais de 1.200 pessoas e fez cerca de 240 reféns.

Apenas alguns estados africanos com posição pró-Israel

Nem todos os países do continente partilham da mesma posição. Segundo Guilengue, alguns países como o Quénia, o Gana, a Zâmbia e a República Democrática do Congo manifestaram solidariedade com Israel e condenaram expressamente o Hamas. No Quénia, por exemplo, o Presidente William Ruto pronunciou-se contra o terrorismo - mas os políticos da oposição criticaram-no e apelaram ao rompimento das relações com Israel.

Outros países, especialmente a África do Sul, assumiram uma posição que poderia ser entendida como pró-Palestina, acrescenta Guilengue. A África do Sul não condenou abertamente o Hamas pela tomada de reféns e pelos assassinatos de israelitas e estrangeiros. Em vez disso, o Governo de Cyril Ramaphosa culpou Israel, até certo ponto, pela escalada do conflito.

Cyril Ramaphosa, Presidente sul-africanoFoto: Stanislav Krasilnikov/TASS/dpa/picture alliance

África do Sul critica os padrões duplos do Ocidente

Os deputados sul-africanos votaram em novembro, no Parlamento na Cidade do Cabo, o corte de relações diplomáticas com Israel, mas a decisão não é vinculativa para o Executivo sul-africano. O próprio Governo apelou ao Tribunal Penal Internacional de Haia para investigar se Israel cometeu, de facto, crimes de guerra na Faixa de Gaza. Mas o Presidente sul-africano foi expedito ao afirmar que as ações de Israel ao atacar a Faixa de Gaza configuravam um genocídio.

Segundo Guilengue, estas reações têm a ver com a história da África do Sul, um país que sofreu com o apartheid

Ainda assim, a Ministra dos Negócios Estrangeiros sul-africana, Naledi Pandor, afirmou repetidamente que a África do Sul não será atraída para um dos lados da contenda. A governante criticou o ocidente por condenar seletivamente a Rússia, ignorando ao mesmo tempo a ocupação dos territórios palestinianos por Israel.

Por outro lado, África sempre demonstrou solidariedade para com os palestinianos, explica Gilles Yabi, chefe do think tank WATHI no Senegal: "A história colonial e as atitudes antiocidentais desempenharam um papel importante neste processo. É por isso que muitos países africanos apoiam um Estado palestiniano que possa existir ao lado de Israel", disse Yabi no seu podcast.

Os estados africanos protegem os seus interesses

Os países que se aliaram a Israel agem por interesses diferentes, comentou ainda Guilengue. "Eles não querem tomar uma posição que vá contra os interesses de Israel, pois isso também poderia ir contra os interesses dos Estados Unidos ou do Ocidente", resumiu.

A Rússia não tem uma presença em África comparável à dos países europeus mais poderosos e aos Estados Unidos, mas continua a ser valorizada como parceira em muitos países africanos. Ao longo de 2023, os países africanos decidiram cada vez mais que não querem ser rotulados na sua resposta às crises globais, explica o analista Alex Vines, chefe do Departamento Africano do instituto político Chatham House sediado em Londres: "Eles não querem ser pró-Ocidente, pró-China ou pró-Rússia".

Alex Vines, chefe do Departamento Africano do instituto político Chatham HouseFoto: DW

O número de votos a favor da Rússia na Assembleia Geral da ONU diminuiu significativamente. "Muitos estados africanos votam cada vez mais à la carte nestas questões", afirma Vines. Isto significa que estão cada vez mais a seguir os seus próprios interesses de política externa, em vez de apenas adotarem princípios ou ideologias abrangentes.

Segundo Guilengue, África resistiu à pressão diplomática no conflito Rússia-Ucrânia. Houve visitas de representantes de alto nível da Rússia e do Ocidente - mas os Estados do continente insistiram na sua posição amplamente imparcial e confiaram na mediação de paz: a UA, incluindo a África do Sul, enviou delegações à Rússia e à Ucrânia após a eclosão da guerra para encontrar maneiras de encontrar uma solução para o conflito.

África está a tentar assumir um papel mais ativo na diplomacia global, ao mesmo tempo que consolida a importância económica de atores como a China, que oferece aos países africanos alternativas para receber ajuda e investimento.

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