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PolíticaPortugal

Como Portugal reduz toxicodependência sem guerra às drogas

15 de outubro de 2017

Diminuição significativa do número de consumidores serve de exemplo a países como os EUA, onde política repressiva de combate às drogas mostra-se falha. Mas Portugal ainda tem muito o que fazer, criticam analistas.

Gesellschaft gegen Drogen in Portugal
Bairros de Lisboa, como o Intendente, veem nova realidade, onde o uso de drogas era comum Foto: DW/J. Carlos

A luta pela erradicação da heroína é quase que inglória, mas Portugal está a salvar as vidas de toxicodependentes sem declarar guerra às drogas. A descriminalização do consumo, em vigor desde 2001, reduziu o número de consumidores significatimente no país.

No entanto, há quem defenda mais dispositivos de combate ao uso de drogas, entre os quais, salas de consumo assistido para ajudar a melhorar a qualidade de vida e a reduzir os danos inerentes ao consumo.

Droga em Portugal 2 - MP3-Mono

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Com as obras de requalificação realizadas pela autarquia de Lisboa, que estão a renovar lugares públicos como o Largo do Intendente, e a generalização dos programas de substituição da heroína pela metadona, o consumo de droga, aliado à prostituição, parece ter diminuído nas ruas.

Porém, ao andar por algumas das artérias adjacentes à Avenida Almirante Reis, na capital portuguesa, entre Anjos e Intendente, é possível confirmar que a toxicodependência ainda constitui uma preocupação.

"É um bairro que tem as suas peculiaridades, durante muitos anos não se passava aqui, no fundo com medo da prostituição e droga. Neste momento, aparentemente, o problema parece estar minimamente resolvido, mas é certo que não desaparece porque as pessoas não se deitam fora, não são lixo", diz Maria João, que mora no bairro há dois anos.

Acompanhamento 

Maria João, que não quis ser fotografada, observa o que está à sua volta, sentada na esplanada em frente ao Café O das Joanas, que tem Pedro Ramos como um dos proprietários. Para Ramos, a realidade está a mudar com as obras de revitalização do bairro, na freguesia de Arroios.

"Há mudanças, porém, há resquícios de droga, prostituição e de jogo. Ainda existe uma série de situações nas ruas limítrofes aqui no Largo do Intendente. Mas também há mais limpeza e sentimento de segurança", acrescenta o jovem empresário, enquanto ao fundo da rua um agente da polícia guarda a praça.

A problemática da droga tem sido seguida pela associação de intervenção comunitária Crescer, criada em 2001. Dirigida pelo psicólogo Américo Nave, a comunidade presta apoio social aos grupos mais vulneráveis nos chamados bairros problemáticos de Lisboa, entre os quais o Casal Ventoso e o Intendente.

Intervenção urbana ajudou a diminuir dependência em ruas de LisboaFoto: DW/J. Carlos

"Houve uma deslocação das pessoas do Casal Ventoso para o Intendente. Essas pessoas não tinham contato com qualquer estrutura social ou de saúde. As pessoas partilhavam todo o material de consumo e, portanto, a intervenção no Casal Ventoso no final dos anos 1990 e no início dos anos 2000 foi ao encontro, porque fez com que a maioria destas pessoas tivesse contato com técnicos profissionais de saúde. E, neste momento, não temos milhares de pessoas na rua a consumir", explica. Segundo Américo Nave, a lei da descriminalização das drogas também contribuiu para reduzir o estigma sofrido por toxicodependentes.

Droga: questão de saúde ou crime?

Nave considera que, além da descriminalização, a substituição da heroína por metadona foi "muito importante" no que toca à redução de riscos, porque a maior parte da população era constituída por consumidores de heroína.

O jornal norte-americano The New York Times elogiou os esforços no combate às drogas, considerando que a descriminalização do consumo em Portugal deve servir de exemplo a vários países. De acordo com o Ministério da Saúde português, o número de cidadãos consumidores de heroína diminuiu de 100 mil para 25 mil nos últimos 15 anos, desde que a política foi adotada. É uma diferença substancial em relação, por exemplo, aos Estados Unidos, onde a repressão às drogas falhou completamente, segundo o jornal norte-americano.

O psicólogo Américo Nave, dirige a Crescer, associação de intervenção comunitária, criada em 2001. referência no trabalho constante contra às drogasFoto: DW/J. Carlos

João Goulão, diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), aponta os outros fatores que ajudaram na redução de mortes por overdose.

"Nós fizemos esse conjunto de propostas em termos de prevenção, de tratamento, de redução de danos, de reinserção social, tudo isto baseado na ideia de que estávamos a lidar, sobretudo, com um problema de saúde mais do que um problema criminal. E, em consonância com este princípio que esteve presente da construção de toda a estratégia, propusemos a descriminalização do consumo de droga", diz.

João Goulão insiste que a descriminalização por si só não tem virtudes mágicas, mas sim o desenvolvimento de respostas de saúde, a atuação no campo preventivo e as políticas de redução de danos. O maior importante é não desistir das pessoas, fazendo um grande esforço de reinserção social com prioridade a grupos particularmente vulneráveis.

Em 2001, quando a lei entrou em vigor, foram criados vários dispositivos na linha de diminuição de riscos e minimização de danos. A par disso, criaram-se equipas de rua que iam ao encontro das pessoas, programas de metadona e centros de acolhimento para consumidores de substâncias psicoativas.

Para Américo Nave, este tipo de intervenção está a fazer a diferença em Portugal, mas não é suficiente. "Não se tem feito muito nos últimos anos em Portugal. Portanto, nós estamos a colher frutos do que foi feito em 2001. Há 20 anos que não se tem criado novas respostas nem novos projetos a este nível", critica.

Salas de consumo assistido

Em meio as políticas adotadas nesta área, Nave defende a criação de salas de consumo assistido. "Hoje, continuamos a ter um número muito menor de pessoas a consumir, sem dúvida nenhuma, mas essas pessoas existem. Estão a consumir na rua, perto das escolas e das comunidades", afirma o piscólogo.

João Goulão: "Não é a descriminalização que por si só tem virtudes mágicas"Foto: DW/J. Carlos

"Pelo sucesso que temos tido, tem sido um erro não termos desenvolvido mais projetos, porque continua a haver pessoas que precisam de outro tipo de estruturas e dispositivos para terem uma maior qualidade de vida e reduzir os danos inerentes ao consumo de drogas", especifica o diretor-executivo da Crescer.

De acordo com o mais recente relatório do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) em Portugal, divulgado este ano, o país acompanha a tendência europeia registrando um aumento no número de mortes por overdose, associadas principalmente à heroína. 

João Goulão reconhece que este "não é um problema resolvido" na sociedade portuguesa, porque todos os dias surgem novos desafios face às novas práticas, novas modas e substâncias no mercado de drogas.

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