Diminuição significativa do número de consumidores serve de exemplo a países como os EUA, onde política repressiva de combate às drogas mostra-se falha. Mas Portugal ainda tem muito o que fazer, criticam analistas.
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Portugal destaca-se no combate à droga
País europeu conseguiu reduzir o consumo de estupefacientes e tem-se tornado uma referência sem declarar guerra contra as drogas, mas adotando medidas como a descriminalização e o envolvimento de grupos de ajuda.
Foto: DW/J. Carlos
De "berço da droga" para a mudança
Há cerca de 15 anos, o bairro do Intendente, em Lisboa, era uma espécie de "berço da droga", depois do desmantelamento do mal afamado Casal Ventoso, em Campolide. A requalificação das ruas e das praças parece ter dado mais garantia de segurança aos que circulam pelo bairro da freguesia de Arroios.
Foto: DW/J. Carlos
Praças renovadas e humanizadas
Quem circula pela Rua do Benformoso ou atravessa a Praça do Intendente, já não sente o clima tão tenso e de insegurança de outrora, em que o uso indiscriminado de droga ao ar livre partilhava espaço com a prostituição, predominantemente praticada por mulheres africanas. Este era um dos becos onde se acomodavam os toxicodependentes.
Foto: DW/J. Carlos
Arte no lugar da droga
Por iniciativa da autarquia local, a pequena Praça Benformoso, na freguesia de Santa Maria Maior, está mais alegre. A arte urbana vai ocupando alguns destes espaços, conferindo-lhes dignidade como lugar de lazer e de encontros. Com a requalificação, passou a designar-se "Bem Formosa Praça".
Foto: DW/J. Carlos
Luta ainda por vencer
Apesar de não ser uma luta vencida, Portugal é referenciado por ter conseguido reduzir o número de mortes por overdose, sendo um dos níveis mais baixos do mundo. O país é apontado como um exemplo também pelo facto de, ao mesmo tempo, baixar o número de toxicodependentes sem que este combate se transformasse numa guerra, a exemplo do que acontece noutras partes do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Realidade despercebida entre turistas
Alguns moradores e proprietários, entre comerciantes, aplaudem as obras feitas pela Câmara Municipal de Lisboa, bem como as medidas para controlar ou sanear o uso de droga a céu aberto. Apesar de mais segurança e de mais policiamento, o problema ainda persiste, embora de forma menos intensa e visível. De certo modo, a realidade passa despercebida entre os turistas.
Foto: DW/J. Carlos
Assistência médica imediata
No entanto, na Rua dos Anjos, que confina com o Largo do Intendente, ainda são visíveis vestígios da toxicodependência. A DW viu uma cidadã a preparar uma dose de produto para se injetar. Mais ao fundo da rua, uma ambulância prestava assistência a uma das vítimas de overdose, prontamente socorrida pelos serviços de emergência médica.
Foto: DW/J. Carlos
Casal Ventoso reconvertido
Muitos consumidores de droga no Intendente eram originários do antigo Casal Ventoso, onde também subsistem casos de consumo, mas mais controlados pelas instituições competentes. Considerado um dos bairros mais problemáticos de Lisboa, o reconvertido Casal Ventoso ainda é hoje alvo de intervenções sistemáticas visando reduzir o estigma e o impacto do consumo de droga nos grupos de risco.
Foto: CRESCER
Intervenção comunitária
A CRESCER, associação não-governamental de intervenção comunitária, não tem mãos a medir. Abraça várias valências no que toca à assistência social. Todas as semanas, as respetivas equipas, constituídas por jovens voluntários, estão no terreno para prestar assistência aos casos mais graves. Apoiam pessoas que usam substâncias legais e ilegais ou que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Foto: CRESCER
Criar novas respostas
Apesar dos esforços, que ajudaram a regredir o recurso a substâncias psico-ativas e fazer face à disseminação do HIV/SIDA, "nos últimos anos não se tem criado novas respostas para a problemática da droga", conta o diretor executivo da CRESCER. Américo Nave defende a criação de salas de consumo assistido, como está previsto na lei de 2001, para evitar o consumo a céu aberto.
Foto: DW/J. Carlos
Visibilidade internacional
Desde 2000, as políticas e medidas na área do combate à droga ganharam uma enorme visibilidade no plano internacional. A decisão de descriminalizar o consumo de droga para tratar os toxicodependentes despertou o interesse do Papa Francisco. Tem particular importância o surgimento do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).
Foto: DW/J. Carlos
Impacto da descriminalização
"As pessoas praticavam furtos para sustentar a sua dependência", afirma João Goulão, diretor geral do SICAD, que destaca o impacto que teve a lei sobre a descriminalização do consumo. Além do drama do HIV/SIDA, Portugal tinha cerca de 100 mil utilizadores problemáticos de cocaína, o equivalente a 1% da população portuguesa.
Foto: DW/J. Carlos
Observatório adverte
Contrariando o otimismo das autoridades, o último relatório do Observatório Europeu sobre a Droga e a Toxicodependêcia (OEDT), com sede em Lisboa, diz que Portugal não merece referência especial pelos resultados alcançados, mas adverte que voltou a aumentar o número de mortes por overdose. De acordo com o relatório, diminuiu o número de infetados por HIV/SIDA.
Foto: DW/J. Carlos
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A luta pela erradicação da heroína é quase que inglória, mas Portugal está a salvar as vidas de toxicodependentes sem declarar guerra às drogas. A descriminalização do consumo, em vigor desde 2001, reduziu o número de consumidores significatimente no país.
No entanto, há quem defenda mais dispositivos de combate ao uso de drogas, entre os quais, salas de consumo assistido para ajudar a melhorar a qualidade de vida e a reduzir os danos inerentes ao consumo.
Droga em Portugal 2 - MP3-Mono
Com as obras de requalificação realizadas pela autarquia de Lisboa, que estão a renovar lugares públicos como o Largo do Intendente, e a generalização dos programas de substituição da heroína pela metadona, o consumo de droga, aliado à prostituição, parece ter diminuído nas ruas.
Porém, ao andar por algumas das artérias adjacentes à Avenida Almirante Reis, na capital portuguesa, entre Anjos e Intendente, é possível confirmar que a toxicodependência ainda constitui uma preocupação.
"É um bairro que tem as suas peculiaridades, durante muitos anos não se passava aqui, no fundo com medo da prostituição e droga. Neste momento, aparentemente, o problema parece estar minimamente resolvido, mas é certo que não desaparece porque as pessoas não se deitam fora, não são lixo", diz Maria João, que mora no bairro há dois anos.
Acompanhamento
Maria João, que não quis ser fotografada, observa o que está à sua volta, sentada na esplanada em frente ao Café O das Joanas, que tem Pedro Ramos como um dos proprietários. Para Ramos, a realidade está a mudar com as obras de revitalização do bairro, na freguesia de Arroios.
"Há mudanças, porém, há resquícios de droga, prostituição e de jogo. Ainda existe uma série de situações nas ruas limítrofes aqui no Largo do Intendente. Mas também há mais limpeza e sentimento de segurança", acrescenta o jovem empresário, enquanto ao fundo da rua um agente da polícia guarda a praça.
A problemática da droga tem sido seguida pela associação de intervenção comunitária Crescer, criada em 2001. Dirigida pelo psicólogo Américo Nave, a comunidade presta apoio social aos grupos mais vulneráveis nos chamados bairros problemáticos de Lisboa, entre os quais o Casal Ventoso e o Intendente.
"Houve uma deslocação das pessoas do Casal Ventoso para o Intendente. Essas pessoas não tinham contato com qualquer estrutura social ou de saúde. As pessoas partilhavam todo o material de consumo e, portanto, a intervenção no Casal Ventoso no final dos anos 1990 e no início dos anos 2000 foi ao encontro, porque fez com que a maioria destas pessoas tivesse contato com técnicos profissionais de saúde. E, neste momento, não temos milhares de pessoas na rua a consumir", explica. Segundo Américo Nave, a lei da descriminalização das drogas também contribuiu para reduzir o estigma sofrido por toxicodependentes.
Droga: questão de saúde ou crime?
Nave considera que, além da descriminalização, a substituição da heroína por metadona foi "muito importante" no que toca à redução de riscos, porque a maior parte da população era constituída por consumidores de heroína.
O jornal norte-americano The New York Times elogiou os esforços no combate às drogas, considerando que a descriminalização do consumo em Portugal deve servir de exemplo a vários países. De acordo com o Ministério da Saúde português, o número de cidadãos consumidores de heroína diminuiu de 100 mil para 25 mil nos últimos 15 anos, desde que a política foi adotada. É uma diferença substancial em relação, por exemplo, aos Estados Unidos, onde a repressão às drogas falhou completamente, segundo o jornal norte-americano.
João Goulão, diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), aponta os outros fatores que ajudaram na redução de mortes por overdose.
"Nós fizemos esse conjunto de propostas em termos de prevenção, de tratamento, de redução de danos, de reinserção social, tudo isto baseado na ideia de que estávamos a lidar, sobretudo, com um problema de saúde mais do que um problema criminal. E, em consonância com este princípio que esteve presente da construção de toda a estratégia, propusemos a descriminalização do consumo de droga", diz.
João Goulão insiste que a descriminalização por si só não tem virtudes mágicas, mas sim o desenvolvimento de respostas de saúde, a atuação no campo preventivo e as políticas de redução de danos. O maior importante é não desistir das pessoas, fazendo um grande esforço de reinserção social com prioridade a grupos particularmente vulneráveis.
Em 2001, quando a lei entrou em vigor, foram criados vários dispositivos na linha de diminuição de riscos e minimização de danos. A par disso, criaram-se equipas de rua que iam ao encontro das pessoas, programas de metadona e centros de acolhimento para consumidores de substâncias psicoativas.
Para Américo Nave, este tipo de intervenção está a fazer a diferença em Portugal, mas não é suficiente. "Não se tem feito muito nos últimos anos em Portugal. Portanto, nós estamos a colher frutos do que foi feito em 2001. Há 20 anos que não se tem criado novas respostas nem novos projetos a este nível", critica.
Salas de consumo assistido
Em meio as políticas adotadas nesta área, Nave defende a criação de salas de consumo assistido. "Hoje, continuamos a ter um número muito menor de pessoas a consumir, sem dúvida nenhuma, mas essas pessoas existem. Estão a consumir na rua, perto das escolas e das comunidades", afirma o piscólogo.
"Pelo sucesso que temos tido, tem sido um erro não termos desenvolvido mais projetos, porque continua a haver pessoas que precisam de outro tipo de estruturas e dispositivos para terem uma maior qualidade de vida e reduzir os danos inerentes ao consumo de drogas", especifica o diretor-executivo da Crescer.
De acordo com o mais recente relatório do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) em Portugal, divulgado este ano, o país acompanha a tendência europeia registrando um aumento no número de mortes por overdose, associadas principalmente à heroína.
João Goulão reconhece que este "não é um problema resolvido" na sociedade portuguesa, porque todos os dias surgem novos desafios face às novas práticas, novas modas e substâncias no mercado de drogas.
Portugal destaca-se no combate à droga
País europeu conseguiu reduzir o consumo de estupefacientes e tem-se tornado uma referência sem declarar guerra contra as drogas, mas adotando medidas como a descriminalização e o envolvimento de grupos de ajuda.
Foto: DW/J. Carlos
De "berço da droga" para a mudança
Há cerca de 15 anos, o bairro do Intendente, em Lisboa, era uma espécie de "berço da droga", depois do desmantelamento do mal afamado Casal Ventoso, em Campolide. A requalificação das ruas e das praças parece ter dado mais garantia de segurança aos que circulam pelo bairro da freguesia de Arroios.
Foto: DW/J. Carlos
Praças renovadas e humanizadas
Quem circula pela Rua do Benformoso ou atravessa a Praça do Intendente, já não sente o clima tão tenso e de insegurança de outrora, em que o uso indiscriminado de droga ao ar livre partilhava espaço com a prostituição, predominantemente praticada por mulheres africanas. Este era um dos becos onde se acomodavam os toxicodependentes.
Foto: DW/J. Carlos
Arte no lugar da droga
Por iniciativa da autarquia local, a pequena Praça Benformoso, na freguesia de Santa Maria Maior, está mais alegre. A arte urbana vai ocupando alguns destes espaços, conferindo-lhes dignidade como lugar de lazer e de encontros. Com a requalificação, passou a designar-se "Bem Formosa Praça".
Foto: DW/J. Carlos
Luta ainda por vencer
Apesar de não ser uma luta vencida, Portugal é referenciado por ter conseguido reduzir o número de mortes por overdose, sendo um dos níveis mais baixos do mundo. O país é apontado como um exemplo também pelo facto de, ao mesmo tempo, baixar o número de toxicodependentes sem que este combate se transformasse numa guerra, a exemplo do que acontece noutras partes do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Realidade despercebida entre turistas
Alguns moradores e proprietários, entre comerciantes, aplaudem as obras feitas pela Câmara Municipal de Lisboa, bem como as medidas para controlar ou sanear o uso de droga a céu aberto. Apesar de mais segurança e de mais policiamento, o problema ainda persiste, embora de forma menos intensa e visível. De certo modo, a realidade passa despercebida entre os turistas.
Foto: DW/J. Carlos
Assistência médica imediata
No entanto, na Rua dos Anjos, que confina com o Largo do Intendente, ainda são visíveis vestígios da toxicodependência. A DW viu uma cidadã a preparar uma dose de produto para se injetar. Mais ao fundo da rua, uma ambulância prestava assistência a uma das vítimas de overdose, prontamente socorrida pelos serviços de emergência médica.
Foto: DW/J. Carlos
Casal Ventoso reconvertido
Muitos consumidores de droga no Intendente eram originários do antigo Casal Ventoso, onde também subsistem casos de consumo, mas mais controlados pelas instituições competentes. Considerado um dos bairros mais problemáticos de Lisboa, o reconvertido Casal Ventoso ainda é hoje alvo de intervenções sistemáticas visando reduzir o estigma e o impacto do consumo de droga nos grupos de risco.
Foto: CRESCER
Intervenção comunitária
A CRESCER, associação não-governamental de intervenção comunitária, não tem mãos a medir. Abraça várias valências no que toca à assistência social. Todas as semanas, as respetivas equipas, constituídas por jovens voluntários, estão no terreno para prestar assistência aos casos mais graves. Apoiam pessoas que usam substâncias legais e ilegais ou que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Foto: CRESCER
Criar novas respostas
Apesar dos esforços, que ajudaram a regredir o recurso a substâncias psico-ativas e fazer face à disseminação do HIV/SIDA, "nos últimos anos não se tem criado novas respostas para a problemática da droga", conta o diretor executivo da CRESCER. Américo Nave defende a criação de salas de consumo assistido, como está previsto na lei de 2001, para evitar o consumo a céu aberto.
Foto: DW/J. Carlos
Visibilidade internacional
Desde 2000, as políticas e medidas na área do combate à droga ganharam uma enorme visibilidade no plano internacional. A decisão de descriminalizar o consumo de droga para tratar os toxicodependentes despertou o interesse do Papa Francisco. Tem particular importância o surgimento do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).
Foto: DW/J. Carlos
Impacto da descriminalização
"As pessoas praticavam furtos para sustentar a sua dependência", afirma João Goulão, diretor geral do SICAD, que destaca o impacto que teve a lei sobre a descriminalização do consumo. Além do drama do HIV/SIDA, Portugal tinha cerca de 100 mil utilizadores problemáticos de cocaína, o equivalente a 1% da população portuguesa.
Foto: DW/J. Carlos
Observatório adverte
Contrariando o otimismo das autoridades, o último relatório do Observatório Europeu sobre a Droga e a Toxicodependêcia (OEDT), com sede em Lisboa, diz que Portugal não merece referência especial pelos resultados alcançados, mas adverte que voltou a aumentar o número de mortes por overdose. De acordo com o relatório, diminuiu o número de infetados por HIV/SIDA.