Como reagiram os moçambicanos à absolvição de Boustani?
Leonel Matias (Maputo)
3 de dezembro de 2019
Com o empresário Jean Boustani absolvido pela Justiça federal norte-americana, moçambicanos esperam que Ministério Público denuncie os responsáveis pelo esquema das dívidas ocultas.
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O veredito do tribunal federal do Brooklyn, em Nova Iorque, surpreendeu muitos moçambicanos. O empresário franco-libanês Jean Boustani foi julgado por envolvimento no esquema das dívidas ocultas de Moçambique e absolvido por decisão unânime dos 12 integrantes do júri. O julgamento de Boustani demorou seis semanas, chegando ao fim nesta segunda-feira (02.12).
O empresário era acusado de crimes de conspiração para cometer fraude por meios eletrónicos, fraude de valores mobiliários e conspiração para lavagem de dinheiro. Boustani foi o principal negociador da empresa Privinvest, que fornecia serviços e equipamentos às empresas públicas EMATUM, MAM e ProIndicus, envolvidas no esquema.
"Estou surpreendido com a decisão, sobretudo porque ele era tido como o cérebro desta operação das dívidas ocultas", afirma Alexandre Chiure. O analista político acrescenta que, para muitos, a expetativa era que o empresário fosse condenado. "Não se sabe a quantos anos de cadeia, mas que fosse responsabilizado por alguns atos que terá cometido", opina.
Para Chiure, os advogados montaram uma tese de defesa consistente, baseada, entre outros argumentos, em documentos como a Conta Geral do Estado de Moçambique de 2014 - que oficializou as dívidas ocultas - e no "chancelamento" dos empréstimos concedidos pelo Banco Central.
Surpresa nas ruas
Nas ruas de Maputo, a decisão do júri norte-americano também foi recebida com surpresa. Jeremias Chemane, ouvido pela reportagem da DW África, acha que a decisão do tribunal pode ter sido em parte precipitada.
"Não faz muito sentido que ele esteja ilibado dos três crimes, principalmente deste de conspiração para fraude, que no meu ponto de vista é um crime que ele já assumiu quando confirmou que era uma das pessoas que protagonizaram a ação que levou Moçambique a mergulhar nestas dívidas ocultas."
Outros moçambicanos parecem ter conseguido aceitar o veredito do tribunal norte-americano. Armando Nhantumbo, por exemplo, entende que a decisão "parece ter sido tomada com base em factos". Espera agora que as investigações prossigam em Moçambique até ao apuramento de todos os contornos do caso das dívidas ocultas, que lesou o país em cerca de 2 mil milhões de euros.
Moçambicanos reagem à absolvição de Jean Boustani
"Só a nossa investigação interna é que irá determinar se efetivamente os indivíduos que foram arrolados no processo moçambicano são inocentes ou não", diz Nhantumbo.
Extradição de Chang
O analista político Alexandre Chiure acha que "já não faz sentido" extraditar o ex-ministro moçambicano das Finanças, Manuel Chang, da África do Sul para os Estados Unidos. Para ele, os crimes imputados a Chang e Boustani são idênticos. "Que seja julgado em Moçambique", defende.
Chiure lembra que foram cometidos crimes referentes às dívidas ocultas em território moçambicano, como a oficialização do endividamento do Estado sem a aprovação do Parlamento. "Julgo que sejam elementos para um julgamento em Moçambique", ressalta o analista.
Boustani é o único arguido que se encontrava detido nos Estados Unidos em conexão com este caso. Três antigos funcionários seniores do banco Credit Suisse e o ex-ministro moçambicano das Finanças, Manuel Chang, estão igualmente indiciados, entre outras pessoas.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)