Como recuperar o dinheiro público desviado pela corrupção?
Neusa e Silva
19 de dezembro de 2022
Em entrevista à DW África, Vítor Paiva, ex-diretor da Unidade de Informação Financeira de Portugal, diz que a reputação do país a nível internacional é um fator determinante em matéria de recuperação de ativos.
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É uma questão que voltou à tona depois da sentença do caso das "dívidas ocultas", em Moçambique. Como recuperar o dinheiro público desviado pela corrupção, em particular, o dinheiro que foi levado para fora do país?
A questão tem a ver não só com Moçambique, mas também com Angola. O caso de Carlos São Vicente é um exemplo: o empresário luso-angolano foi condenado a nove anos de prisão por crimes de corrupção, envolvendo o desvio de mais de 900 milhões de dólares, retidos na Suíça. Até agora, não houve avanços no processo de restituição destes fundos para Angola.
Em entrevista à DW, Vítor Paiva, ex-diretor da Unidade de Informação Financeira de Portugal, explica como será possível solucionar o problema.
DW África: Como recuperar o dinheiro público desviado pela corrupção?
Vítor Paiva (VP): Se a maior dos crimes são cometidos tendo em vista o lucro, de preferência fácil e avultado, parece-me que poderemos atacar o problema "da foz para a nascente". Isso significa procurar o dinheiro e a sua aplicação e retirar os proventos que se pretende obter com as práticas dos crimes aos criminosos.
DW África: Em alguns países, há a retenção dos bens, mas depois não se consegue encaminhar esses valores… Será por a legislação do país onde está o dinheiro não ir de encontro com a legislação do país que quer recuperar o bem?
VP: Os países são soberanos e têm a sua própria forma de olhar para estas questões. Em muitos casos, há um certo consenso em torno destas matérias. Em relação a África, e concretamente em Angola e Moçambique, há unidades de informação financeira e gabinetes de recuperação de ativos. Há o Grupo de Ação Financeira (GAFI)e outro tipo de entidades dedicadas a apoiar estes países no desenvolvimento e implementação destes mecanismos de combate. Por isso, o que é preciso fazer é continuar a desenvolver estes mecanismos.
Dívidas ocultas: O crime compensa?
22:37
Parece-me que, por aquilo com que lidei, até na própria Unidade de Informação Financeira portuguesa, ainda há um pouco de atraso ao nível da unidade de informação financeira angolana ou moçambicana, nestes mecanismos de recuperação de ativos. Mas até pela proximidade - e na avaliação comparativaque todos fazemos uns com os outros - certamente estarão a desenvolver mecanismos para melhorar.
Houve, penso eu, uma avaliação negativa recente de Moçambique. Há que aceitar as recomendações, corrigir essa avaliação, integrando o grupo Egmont, que é de extrema importância nesta troca de informação entre as unidades de informação financeira. Angola tem uma unidade de informação financeira mais antiga. Está num estágio certamente mais avançado do que Moçambique. Mas este é o caminho, aprendermos uns com os outros.
DW África: Muitas vezes é colocada em causa a própria idoneidade dos sistemas judiciais dos países…
VP: Isso passa pela transparência da atuação em cada país. Pela sua democratização, pelo desenvolvimento e efetividade do Estado de Direito democrático, reconhecido internacionalmente. Hoje em dia, dependemos muito deste reconhecimento internacional. Pode haver situações em que este reconhecimento não existe e, portanto, há um "bloqueio" ou não cumprimento de uma determinada conduta para um determinado país - por não se ter certezas ou por se desconfiar da forma como se chegou ao pedido para desbloquear ou repatriar esses valores.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.