Novo estudo alerta para os perigos da ausência do Estado nas áreas onde as populações começaram a regressar em Cabo Delgado. Analistas pedem mais intervenção e aposta em infraestruturas básicas.
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Segundo o estudo, lançado na última quinta-feira (08.02), em Maputo, o Estado está ausente nos locais de retorno das populações vítimas da violência armada em alguns distritos das províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula, no norte de Moçambique.
A investigação indica ainda que nessas zonas, onde as populações estão agora a regressar, há sérios riscos de os terroristas se aproveitarem desta ausência do Estado.
Segundo o diretor executivo do Instituto de Desenvolvimento Social e Económico (IDES) Fidel Terenciano, os terroristas desenvolvem campanhas de desinformação para granjear simpatias das populações.
Contranarrativa
"Há uma contranarrativa que se constrói diariamente nos centros de deslocados. Depois do discurso público que o Presidente da República ou ministros trazem, há, no mesmo dia, uma reunião nessas bases para fazer uma contranarrativa", explica o analista.
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"Essa contranarrativa cria dificuldades e faz com que as pessoas que retornam às suas zonas de origem comecem a olhar para o Estado como 'padrasto'", diz.
Além disso, a propaganda terrorista alimenta-se da falta de condições básicas nos locais de retorno, acrescenta o presidente da Associação dos Juízes de Moçambique, Carlos Mondlane.
"É importante que o Estado afirme o seu papel, que esteja presente e que, acima de tudo, controle as narrativas", diz.
Segundo o analista, se narrativas não são acertadas, há o risco de o próprio Estado não ser compreendido e, com isso, dar-se mais créditos aos insurgentes.
Estado mais presente?
Por outro lado, explica Mondlane, a presença do Estado constrói-se com o fornecimento de alimentos e infraestruturas básicas, pois, de contrário, "os próprios terroristas fazem uso da sua condição para se afirmarem no lugar do Estado, quando esse último não é capaz de prover", acrescenta.
Um outro problema é que as pessoas que regressam às suas zonas de origem sentem-se inseguras, lembra o diretor executivo do IDES, Fidel Terenciano.
"Ao mesmo tempo em que as pessoas pensam em retornar, entendem que ainda não há segurança. Por outro lado, [também] entendem que, quando retornarem, não estarão em condições de encontrar nesse local de origem o essencial para a vida - a habitação, a água, a alimentação e tudo isso", conclui.
Nesta quinta-feira (09.02), a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou um relatório que descreve vários exemplos de violência perpetrada por grupos ligados ao Estados Islâmico em África, incluindo uma série de ataques em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, que provocaram a deslocação de mais de 160 mil pessoas em junho e julho de 2022.
O regresso da vida pós destruição em Cabo Delgado
Apesar da tendência de retorno das populações às zonas de origem, várias aldeias ainda continuam desertas e o cenário de destruição é visível nessas comunidades.
Foto: DW
Sensação de paz em Macomia
O distrito de Macomia já registou o regresso de grande parte da sua população que se havia evadido para outras zonas com a escalada da violência protagonizada pelos insurgentes, localmente conhecidos por "al-shababes". Na vila, atividades comerciais ganham terreno. Mas a população pede ainda a permanência do exército para lhes proteger. O desejo dos residentes é que a paz tenha vindo para ficar.
Foto: DW
Serviços públicos em Mocímboa da Praia
Após a recuperação do território, em agosto de 2021, as autoridades estão empenhadas no restabelecimento dos serviços públicos de modo a impulsionar o retorno da população que se refugiou em comunidades de Cabo Delgado. O Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos comprometeu-se em alocar escritórios moveis ao governo de Mocímboa da Praia para fazer face à escassez de infraestruturas.
Foto: DW
Local do massacre de Xitaxi
A 7 de abril de 2021, na aldeia de Xitaxi, no distrito de Muidumbe, os terroristas terão morto a sangue frio um grupo de 53 jovens num campo de futebol (ao fundo da imagem). Aparentemente, a causa da chacina foi a recusa desses jovens, que haviam sido raptados localmente e em aldeias já atacadas, em juntar-se ao movimento rebelde que devasta Cabo Delgado desde o ano de 2017.
Foto: DW
Forças Armadas na estrada
A estrada N380 liga o distrito de Ancuabe a Mocímboa da Praia. A via permaneceu intransitável com a escalada da violência terrorista em aldeias atravessadas pela rodovia. Com as ações terroristas enfraquecidas, a N380 voltou a ser transitável, embora de forma tímida. Veículos militares patrulham constantemente, para garantir que nenhuma situação de alteração da ordem venha a verificar-se.
Foto: DW
Destroços visíveis
Sucatas de veículos destruídos denunciam a quem por aqui passa, cenários de violência vividos na estrada principal que liga sul, centro e norte da província.
Foto: DW
Bens abandonados
Terroristas bloquearam durante um ano o acesso aos distritos no norte, com destaque para Mueda e Mocímboa da Praia, com o assalto ao posto de controlo policial no cruzamento de Awasse. Após o seu desalojamento pela força conjunta Moçambique-Ruanda, os terroristas abandonaram alguns dos seus bens, em caves que serviam de esconderijos.
Foto: DW
Ruínas
Casas abandonadas e em ruínas e zonas residenciais tomadas pelo capim são o retrato que se repete em diversas aldeias ao longo das estradas N380 e R698. Denunciam também a crueldade dos terroristas.