Como tem África lidado com conflitos e manutenção da paz?
Martina Schwikowski
19 de dezembro de 2024
A manutenção da paz "tradicional" não está a funcionar em África. A resolução dos conflitos no continente exige diagnósticos que não sejam moldados por interesses particulares ou ideologias, dizem especialistas.
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Os conflitos e a instabilidade estão a aumentar em África, conduzindo a uma nova volatilidade que coloca o continente perante inúmeros desafios.
Nos últimos anos, aconteceram golpes de Estado no Mali, Chade, Sudão, Burkina Faso e na Guiné-Conacri, além de tentativas de derrubar governos na República Centro-Africana, na Etiópia e na Guiné-Bissau.
Jakkie Cilliers, presidente do Instituto de Estudos de Segurança (ISS) na África do Sul, salienta que a "tradicional" manutenção da paz não está a funcionar.
"É evidente que os instrumentos tradicionais, a manutenção da paz e a mediação de conflitos não estão a funcionar. Os africanos têm consciência de que são os principais responsáveis, embora a comunidade internacional, através das Nações Unidas, também tenha de desempenhar um papel", diz.
Conciliar interesses divergentes
A paz é produto de dinâmicas locais, nacionais e regionais, mas parece ser cada vez mais difícil conciliar os muitos interesses divergentes, dizem os observadores políticos.
A tensão tem vindo a aumentar entre os países do Corno de África devido a disputas regionais e conflitos internos.
Guerras fazem esquecer a instabilidade na África Ocidental
16:14
As diferentes abordagens podem levar a desacordos sobre a forma de resolver os conflitos. O exemplo mais recente de mediação falhada aconteceu no último fim-de-semana com o cancelamento da cimeira, em Luanda, para encontrar soluções de paz para a República Democrática do Congo (RDC).
Segundo o Instituto de Estudos de Segurança, o extremismo violento também se espalhou devido à marginalização política e económica de algumas comunidades, às dificuldades de transição para a democracia e à incapacidade dos Governos de modernizarem os setores da defesa e da segurança.
"A situação abriu oportunidade para a Wagner e outros grupos chegarem ao continente que, mais uma vez, é um cenário de rivalidade global, não só entre os EUA, a China e a Europa, mas também entre novos atores, particularmente dos Emirados Árabes Unidos, do Golfo e da Turquia", observa Jakkie Cilliers.
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Acordos de paz
Dados da ONU indicam que 42% de todos os acordos de paz foram celebrados em África. Embora alguns não tenham conseguido lançar as bases para uma paz duradoura, há algumas histórias de sucesso importantes, diz Alex Vines, diretor do Programa África da Chatham House.
"Os processos de paz em África são tão diversos como as suas crises e conflitos. Por isso, em vez de seguirem um modelo único, são impulsionados pela política e pelas circunstâncias, moldados por coligações adhoc mais frequentemente do que aderem a estruturas formais de resolução de conflitos. Isto torna a harmonização dos esforços mais difícil e crucial", explica.
Alex Vines frisa que o sucesso a longo prazo depende do apoio à paz muito depois do "calar das armas" e da consolidação dos princípios e da lei. Os processos para pôr fim à violência devem estar à altura "das reformas políticas e sociais a longo prazo que são necessárias", conclui.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.