Após quatro anos de disputas judiciais entre um grupo de pequenos agricultores e a multinacional brasileira Vale em Moçambique, o advogado dos produtores afirma que a sentença contra a mineira é "uma guerra vencida".
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O Tribunal Provincial de Tete, no centro de Moçambique, condenou, na última terça-feira (26.01), a mineira Vale, a pagar uma indemnização de pouco mais de 14 milhões de meticais, cerca de 158 mil euros, a 48 camponeses do povoado de Chidwe, no distrito de Moatize.
Os camponeses tinham sido impedidos de chegar às suas machambas por causa de uma vedação que a empresa construiu em redor da sua mina. De acordo com sentença do tribunal, a mineradora deverá pagar um valor de 300 mil meticais (cerca de 3.295 euros) a cada produtor.
"Guerra vencida"
O tribunal colocou assim ponto final em quatro anos de disputas judiciais entre o grupo de pequenos agricultores e a multinacional brasileira Vale Moçambique. Segundo disse à DW África Roberto Aleluia, advogado dos produtores, a sentença representa "uma guerra vencida".
"Esta causa durou quatro anos, mas os produtores já tinham começado a reivindicar seus direitos em 2010. Submeteram várias cartas às autoridades entre 2011 e 2012, mas só hoje temos esta sentença", desabafa.
Roberto Aleluia diz ainda que o tribunal entendeu que, ao vedar acessos às áreas de cultivo dos camponeses, a Vale Moçambique usurpou espaços alheios. "Por lei, nenhuma entidade pública ou privada, ou mesmo uma pessoa física, pode retirar a terra que está ao benefício de uma outra pessoa", argumenta.
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Justiça foi feita
Para além de vedação ilegal, a Vale Moçambique foi igualmente acusada de ter vedado vias de acesso rápidas daquela comunidade à vila de Moatize, sede do distrito.
Estas vias são cruciais para os moradores obterem assistência médica e alunos terem acesso às escolas. A população precisou recorrer a outras vias, consideradas pelo tribunal como "humanamente insuportáveis".
Moniz Fornela Vale, porta-voz dos 48 camponeses, disse à DW África que "no princípio, a distância era de nove quilómetros, e quando fecharam o acesso, a distância para chegar à vila de Moatize passou a ser de 19 quilómetros", conta.
À DW África, Moniz Vale disse ainda que a decisão do tribunal é justa. "Naquela altura, a nossa proposta foi esta, que todos aprovamos - embora não [seja] suficiente".
Quem também considera a sentença justa é Júlio Calengo, representante da Liga dos Direitos Humanos em Tete. "A notícia realmente nos fez sentir que vale apena continuar a lutar pelos direitos das comunidades. Esta decisão devolveu a esperança. Como se diz, a justiça tarda, mas chega", desabafou.
À espera de reassentamento
Em 2010, explica Moniz, quando a Vale Moçambique transferiu os moradores do bairro Chipanga para Cateme, ele e os seus vizinhos em Chidwe foram informados que deveriam esperar pelo segundo reassentamento.
"Ficou assim durante todo este tempo, até este momento, sem resultado. Não fomos reassentados e nem assistidos", disse.
Sem alternativas para continuar a praticar a agricultura, a sua fonte de renda, os produtores viram-se obrigados a recorrer a outros locais, segundo Moniz Vale.
"Estávamos a fazer machambas juntos ao rio Moatize, mas também já está vedado pela Vale. Neste momento estamos à procura de outros lugares", explicou.
A DW África tentou obter uma reação da Vale Moçambique face a esta decisão do tribunal. Mas até o fecho desta reportagem a empresa não se tinha pronunciado.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.