Condenação do ex-ministro Manuel Chang nos EUA é uma vitória para os moçambicanos, porque há uma responsabilização e "será cumprida a função de pena de prevenção geral do crime", diz investigador do CIP Borges Nhamirre.
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O ex-ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang foi condenado nos Estados Unidos, no âmbito do caso das dívidas ocultas. Chang, que foi o principal responsável financeiro de 2005 a 2015, declarou-se inocente das acusações de aceitar subornos e de conspiração para desviar fundos de Moçambique para proteger e expandir as suas indústrias de gás natural e pesca, num plano para enriquecer e enganar investidores.
"O veredito é uma vitória inspiradora para a justiça e para o povo de Moçambique", considerou o procurador americano Breon Peace, em Brooklyn, acrescentando que Chang foi "um funcionário público corrupto e de alto nível cuja ganância e interesse próprio venderam um dos países mais pobres do mundo".
Borges Nhamirre, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), que está a acompanhar in loco a fase final do julgamento de Manuel Chang, em Nova Iorque concorda que é uma vitória para a justiça norte-americana, mas também para moçambicanos. "Não quer dizer que a condenação de Manuel Chang vá reparar o dano, mas pelo menos há uma responsabilização", disse em entrevista à DW após o anúncio da condenação.
Julgamento de Chang: Borges Nhamirre do CIP analisa veredito
DW África: Como acompanhouoanúncio da condenação de Manuel Chang?
Borges Nhamirre (BN): A expectativa era alta, os membros do júri deliberaram numa sala à parte e voltaram para a sala de julgamento várias vezes a solicitar evidências, portanto as provas documentais e também cópia das transcrições das declarações que foram feitas durante o processo de julgamento. E quando eram 15h55 anunciaram a decisão.
DW África: E a seguir ao anúncio da condenação, conseguiu falar com algum elemento da defesa de Chang? Já se fala, por exemplo, em recursos?
BN: No corredor, um dos defensores de Manuel Chang admitiu a possibilidade de recorrer, mas não disse claramente que vai recorrer. É uma possibilidade que irão estudar. Porque o que entendi é que o recurso é só se tiver havido alguma questão superveniente durante o julgamento, algo que tenha violado a lei. Não é para verificar os factos, não é para negar os factos, é só se tiver havido algum procedimento que não concordem, que acham que pode tornar o julgamento nulo.
DW África: Para um procurador dos Estados Unidos, o veredito é uma vitória para a justiça, mas também para o povo de Moçambique. Concorda?
BN: A opinião, que é partilhada por muitas pessoas faz sentido. Que é uma vitória para a justiça norte-americana, é, porque, como se sabe, a justiça norte-americana foi buscar o Manuel Chang muito longe, foi buscá-lo à África do Sul, onde estava em trânsito, investiu muito dinheiro e tempo, há cinco anos que lutam pela sua extradição até chegar aqui. Agora para os moçambicanos eu penso que sim, há um sentimento de vitória, no sentido de que ficou esclarecido mais um caso, no sentido de que Chang foi declarado culpado pela assinatura de garantias por ter recebido subornos que criaram um problema muito grande em Moçambique, uma crise económica das maiores da história de Moçambique. Não quer dizer que a condenação de Manuel Chang vá reparar o dano, mas pelo menos há uma responsabilização e vai-se cumprir a função de pena de prevenção geral do crime, no sentido de que as outras pessoas em posição na direção do Estado, pensando em se envolver em crimes, podem imaginar que podem acabar mal. É uma situação muito pesada e que deve servir de lição para os outros dirigentes do Estado.
Dívidas ocultas: Impactos da decisão em Londres
09:45
DW África: Pode-se dizer que é o fim de um longo processo. Agora o que se pode esperar, por exemplo, em relação a Moçambique, onde o Estado queria que tivesse acontecido o julgamento?
BN: De princípio, tendo sido condenado pela Justiça dos Estados Unidos da América, ele vai cumprir a prisão aqui nos Estados Unidos da América e quando terminar a sua pena vai ser restituído a Moçambique. E como em Moçambique também é acusado da prática de vártios crimes de corrupção, e esse tipo de crime que é acusado não prescreve, então significa que saindo daqui volta a Moçambique também para enfrentar a Justiça. Mas isso vai depender muito do tempo que vai permanecer aqui. Chang já tem 68 anos e também não se sabe se o tempo que ele ficou preso na África do Sul na prisão vai ser reduzido no tempo que vai cumprir, ou simplesmente se vai ser considerado o ano que ficou detido aqui em Nova Iorque à espera do julgamento. Então, penso que é preciso esperar e ver o que a sentença do juiz vai dizer.
DW África: E quanto aos anos de pena de prisão, ainda não é conhecida uma decisão, mas já se perspetiva, certo?
BN: Os anos de condenação, segundo o comunicado do Departamento de Justiça, é até 20 anos.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)