Conflito no leste congolês: M23 rejeita acusações da ONU
Lusa
9 de dezembro de 2022
M23 rejeita as acusações feitas pelas Nações Unidas sobre o assassínio de mais de 130 civis no leste congolês. Grupo rebelde pede uma investigação independente.
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O grupo rebelde Movimento 23 de Março (M23) disse esta sexta-feira (09.12), numa declaração, que ficou "espantado" ao "descobrir que uma organização do calibre da MONUSCO pode fazer um trabalho tão medíocre", enquanto denunciava "genocídio" em áreas sob controlo governamental e a decapitação de várias pessoas pelo exército e grupos alegadamente apoiados por Kinshasa, incluindo as milícias das Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR).
O M23 afirmou que "MONUSCO diz que estes acontecimentos tiveram lugar simultaneamente a 29 de novembro em Kishishe e Bambo, mas desde 21 de novembro que não há combates em Bambo".
"O M23 não dá credibilidade ao conteúdo do comunicado, rejeita-o e exorta a ONU a fazer o mesmo, dado que o gabinete dos direitos humanos da ONU na RDC [República Democrática do Congo] causou a perda de reputação da organização ao alinhar-se com a coligação governamental", afirmou.
Rebeldes pedem investigação independente
O grupo sublinhou, ainda, que a MONUSCO nunca esteve no terreno para levar a cabo a investigação, apesar das suas exigências a todas as partes interessadas em ir a Kishishe para levarem a cabo a investigação. "Porque é que MONUSCO escolheu levar a cabo uma investigação tão importante numa área a 30 quilómetros do local [dos assassínios]", reforçou.
O porta-voz do grupo, Lawrence Kanyuka, enfatizou que "a razão pela qual a MONUSCO não seguiu as regras e princípios de uma investigação independente foi porque esta já tinha apoiado os números errados dados pelo seu aliado circunstancial no Governo da RDC, pelo que não podia fazer nada que pusesse em risco a credibilidade do seu aliado".
Kanyuka condenou, ainda, "o caráter seletivo das organizações humanitárias quando se trata de pessoas deslocadas em áreas sob o seu controlo" e recordou que em 7 de dezembro "apelou às organizações humanitárias para que prestassem assistência a 5.000 pessoas que procuravam refúgio em áreas sob o seu controlo, sem qualquer resposta até agora".
Investigação da MONUSCO
A MONUSCO disse na quarta-feira que uma "investigação preliminar" tinha confirmado que "os rebeldes M23 mataram pelo menos 131 civis - 102 homens, 17 mulheres e 12 crianças - em atos de represália contra civis entre 29 e 30 de novembro, em Kishise e Bambo", ambos localizados na província do Kivu do Norte.
"As vítimas foram executadas arbitrariamente através de tiros ou com armas brancas. Oito outros foram feridos e 60 foram raptados. Pelo menos 22 mulheres e cinco raparigas foram violadas", lê-se numa declaração da MONUSCO publicada no seu website.
A MONUSCO reforçou que "esta violência foi cometida como parte de uma campanha de assassínios, violações, raptos e pilhagens contra estas duas localidades no território de Rutshuru em retaliação aos confrontos entre o M23 e a FDLR - um grupo rebelde armado fundado e composto principalmente por hutus responsáveis pelo genocídio de 1994 no Ruanda - e grupos armados mai mai".
Jovens da RDC juntam-se ao Exército para combater o M23
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Segundo a missão da ONU, durante as investigações, 52 vítimas e testemunhas, bem como outras fontes, foram entrevistadas e relataram que o M23 atacou estas localidades entre 29 e 30 de novembro "batendo às portas, abrindo fogo sobre civis, pilhando propriedades e incendiando casas".
A este respeito, revelou, ainda, que as testemunhas afirmaram que o M23 proibiu a maioria dos sobreviventes de abandonar a área. "Elementos do M23 enterraram os corpos das vítimas, o que poderia ser uma tentativa de destruir provas", disse a Monusco, que justificou não ter ido a esses locais por "razões de segurança".
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Apelo da ONU e sancionados
A missão reiterou o seu apelo à "cessação imediata da violência contra civis" e apelou a todos os grupos armados "congoleses e estrangeiros" para "deporem imediatamente as armas e participarem nos respetivos processos de desmobilização, desarmamento e reintegração ou repatriamento, conforme o caso".
A União Europeia (UE) anunciou na quinta-feira a sua decisão de acrescentar oito pessoas à sua lista de sanções contra a RDC, que foram prorrogadas por um ano. Entre os sancionados encontram-se cinco membros de "grupos armados, bem como um oficial militar, um político e um empresário belga.
O Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) indicou que "a maioria deles são responsáveis por graves violações dos direitos humanos e abusos por sustentarem o conflito armado na RDC", enquanto "outros foram sancionados por incitarem à violência e explorarem o conflito através da exploração ou comércio ilícito dos recursos naturais".
O dia-a-dia no leste do Congo
Há cinco anos, os rebeldes do M23 invadiram Goma, no leste da República Democrática do Congo. Na região multiplicavam-se os confrontos entre o grupo e o exército congolês e milícias de autodefesa. Hoje é muito diferente.
Foto: DW/Flávio Forner
Amanhece em Goma
Amanhece cedo em Goma, a capital de Kivu do Norte, no leste da RD Congo. As ruas enchem-se de comerciantes e do vaivém das motos. Esta é uma área de comércio junto à fronteira com o Ruanda. Muitos congoleses e ruandeses atravessam diariamente a fronteira para compras e trabalho. Goma vive um relativo clima de paz desde que o grupo rebelde de origem tutsi M23 foi desmantelado em 2013.
Foto: DW/Flávio Forner
Peixes do Lago Kivu
Ao nascer do sol, começa a azáfama em Goma. Nesta foto, mulheres colocam ao sol peixes frescos do Lago Kivu para preparar a refeição do dia num abrigo que acolhe crianças e adolescentes que estiveram envolvidos em grupos armados no leste do Congo. O abrigo fica num subúrbio de Goma, numa área populosa chamada Keshero.
Foto: DW/Flávio Forner
Trabalho de braços
O sol está a pique, mas o trabalho não pára. Junto à vila de Sake, trabalhadores retiram areia de um canteiro em redor da base militar da Missão de Paz das Nações Unidas na República Democrática do Congo, a MONUSCO. A vila de Sake, com uma população empobrecida, fica a uma hora (25km) a leste de Goma. Muitos dos seus habitantes dependem do comércio na cidade.
Foto: DW/Flávio Forner
Estrada de volta à vida
Estrada de terra que liga Goma a Kiwanja. Camiões cheios de trabalhadores e militares percorrem diariamente os 70km que separam as duas cidades. O trajeto demora em média quatro horas. Há menos de cinco anos, a estrada que corta a zona sul do Parque Nacional Virunga era extremamente perigosa devido aos ataques das milícias Mai-Mai e do grupo rebelde M23.
Foto: DW/Flávio Forner
Estradas esburacadas
Área rural junto à vila de Sake. As estradas que ligam as vilas e as cidades em Kivu do Norte estão esburacadas. Só veículos todo-o-terreno são capazes de passar por aqui, mesmo para trajetos curtos. Nesta foto, uma carrinha transporta passageiros e, no tejadilho, um homem aconchega-se entre um colchão e maços de folhas de mandioca que são vendidas em mercados em Goma.
Foto: DW/Flávio Forner
Fonte de sustento
Mulheres e crianças vendem folhas de mandioca na beira da estrada. A cidade de Kiwanja é circundada por áreas de cultivo de legumes. Muitas famílias dependem da venda de alimentos para garantir o seu sustento.
Foto: DW/Flávio Forner
Trabalho social
Militares do Batalhão de Operações Especiais da Guatemala, que integram a Missão de Paz da ONU no Congo, ajudam igrejas e centros comunitários na vila de Sake, a 25km de Goma. As crianças da vila recebem material escolar e brinquedos.
Foto: DW/Flávio Forner
Desnutrição infantil e materna
Bebés que sofrem de desnutrição são internados no Hospital Muungano La Résurrection, nos arredores de Goma. O hospital depende de doações e tem falta de medicamentos e suplementos alimentares. Muitas mães também estão desnutridas e chegam a ficar internadas dez dias.
Foto: DW/Flávio Forner
No hospital
Nos corredores do Hospital Panzi, em Bukavu, capital de Kivu do Sul. Fundado pelo conhecido ginecologista congolês Denis Mukwege, o hospital fica na zona de Ibanda e tornou-se uma referência no tratamento de vítimas de violência sexual e reparação de fístulas obstétricas. Desde que foi fundado em 1999, a equipa médica já tratou 85.000 pacientes, incluindo 50.000 vítimas de violência sexual.
Foto: DW/Flávio Forner
Festa no hospital
Este adolescente congolês vestiu-se a rigor para participar nas atividades culturais do Hospital Heal Africa, no centro de Goma. Esta foto foi tirada no Dia Internacional da Criança Africana (16 de junho). O hospital promoveu neste dia uma série de apresentações de dança e teatro.
Foto: DW/Flávio Forner
Publicidade "VIP"
Nas ruas de Bukavu, Kivu do Sul, destaca-se a publicidade de um cabeleireiro para homens. O 'Salon VIP' tem nas paredes uma pintura com o rosto de Patrice Lumumba (à esq.) e Nelson Mandela (à dir.). Mandela simbolizou a luta anti-apartheid na África do Sul; Lumumba foi o pai da independência do Congo Belga e primeiro-ministro do recém país independente, tendo sido assassinado em 1961.
Foto: DW/Flávio Forner
De volta da escola
De uniforme, Pierre de 7 anos exibe o seu manual escolar e uma garrafa de plástico que serve como estojo para guardar os lápis. Tinha acabado de regressar da escola e seguia a pé para a sua casa na pequena vila de Mumosho, no interior de Kivu do Sul. O ensino público no Congo não é gratuito. Para manter uma criança na escola, as famílias têm de conseguir pagar cerca de 300 dólares por ano.
Foto: DW/Flávio Forner
Curso para mulheres no interior
Mulheres participam em cursos de empreendedorismo na vila de Mumosho, a 50 minutos de Bukavu. Muitas sofreram violência doméstica e abriram agora o seu próprio negócio, ganhando dinheiro com atividades artesanais e agricultura. Os cursos são oferecidos pela organização Women for Women International, que também realiza sessões para homens da comunidade com debates sobre o respeito pelas mulheres.
Foto: DW/Flávio Forner
Futebol em Goma
Os congoleses amam futebol. Ao final da tarde, depois do trabalho, muitos reúnem-se em campos de terra batida em bairros próximos do centro de Goma para jogar partidas de futebol.
Foto: DW/Flávio Forner
Missão de Paz
Capacetes azuis da MONUSCO são responsáveis por patrulhar as ruas de Goma. Esta foto foi tirada no alto do Monte Goma, no centro da cidade. O Uruguai tem uma base militar no topo da colina, um ponto estratégico. Ao fundo fica o vulcão Nyiragongo, 20 km a norte da cidade - o vulcão mais ativo de África. A sua última erupção foi em 2002 e arrasou Goma.
Foto: DW/Flávio Forner
Uma geração de crianças de rua
Centenas de crianças de rua deambulam pelas ruas de Goma. Segundo os Médicos Sem Fronteiras (MSF), há mais de 2.000 crianças sem tecto, muitas delas perdidas ou abandonadas pelas famílias, que vivem de esmolas e roubos. De dia, vagueiam pelas ruas do centro e, de noite, abrigam-se em terrenos baldios ou debaixo dos buracos de esgoto das principais rotundas.
Foto: DW/Flávio Forner
Clínica móvel para crianças de rua
Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) têm uma clínica móvel, o 'Bobo Mobile', para atender os meninos órfãos ou que foram expulsos de casa. "Goma é um hub humanitário, mas surpreendeu-me que não havia nenhum projeto dedicado às crianças de rua", disse Carla Melki, coordenadora deste projeto dos Médicos Sem Fronteiras na RDC (República Democrática do Congo).
Foto: DW/Flávio Forner
Inspiração para os mais novos
De farda e boina cobrindo os dreadlocks, o artista congolês Wanny S-king conversa com crianças de rua em Goma. O rapper costuma dedicar-lhes canções. Conhecido entre os mais novos, Wanny é dos poucos que, sem medo, lida diariamente com eles e faz concertos, divulgando uma mensagem de paz. Inspirados pelo rapper, muitos começaram a compor letras e sonham ter a sua própria banda.